Sobre Vampiros, o mundo se divide nos que acreditam tolamente, naqueles que se recusam a acreditar e nos que vivenciam o poder de sua arte
Só no Brasil já são mais de 172 anos de livros, poesias e os 60 mais recentes de peças teatrais, filmes, novelas, quadrinhos… A contagem se inicia com a publicação de Olavo e Branca ou a Maldição Materna lá em 1845 mais ou menos (falaremos destes primeiros vampiros brasileiros, no próximo artigo). Cinco décadas antes de o escritor irlandês Bram Stoker publicar o célebre romance Drácula, os vampiros não circulavam apenas no Velho Mundo europeu e o Brasil já tinha seus personagens Vamps atuantes.
Se, por ventura, especularmos a presença dos xamãs trajados como morcegos, sacrifícios de sangue para aplacarem o El Ninõ nas cordilheiras e deidades de caninos alongados esculpidas nos templos e lugares sagrados das culturas pré-colombianas, a coisa se torna bem mais antiga. Nossos leitores romenos, transilvânicos e valáquianos que nos perdoem, mas a terra dos vampiros está aqui na América do Sul e na América Central. Onde mais a fauna pode comportar tantos morcegos vampiros ou frugivoros e a espiritualidade tantas deidades murciélagas como Moxica, Camazotz, Exú Morcego e tantos outros?
Os vampiros retornam com maior ênfase por volta dos anos 1960, já no Século XX, com o trabalho de R.F. Luchetti, roteirista de filmes, quadrinhos e um dos maiores autores de ‘Pulps’ sobrenaturais brasileiros e internacionais, com muitas vampiras e vampiros na sua criativa e fantástica trajetória. E só nos últimos 15 anos nos tornamos um dos maiores mercados editoriais onde o tema VAMP se destaca e impressiona outros países europeus e americanos. No entanto, se formos contar as quantidades expressivas de livros e quadrinhos vampirescos vendidos entre as décadas de 60 a 80 nas bancas de jornais, diremos que apenas retomamos o fôlego como mercado, pois dificilmente alcançaremos tais quantidades de vendas hoje (eles vendiam em média de 40 a 80 mil exemplares naqueles tempos).
O livro “Os Noturnos“, de Flávia Muniz, é literatura presente na rede pública e particular de ensino desde os anos 90, sendo um dos livros mais reeditados do gênero em nossas terras. Ainda na mesma década de 90, temos autores como como o bestseller André Vianco (“Os Sete“, “O Sétimo“) e Marcelo Del Debbio (“Principia Discordia”, “Vampiros Mitológicos”, “Arkanum”, “Trevas”). Na década seguinte, foi a vez dos contos e romances vamps de Giulia Moon, Martha Argel e outros autores do grupo internético chamado Tinta Rubra; da coletânea “Necrópolis Histórias de Vampiros”, de Gianpaollo Celi e cia; também da antologia “Voivode – Estudos sobre Vampiros“, de Cid Vale Ferreira; e Carlos Primati (voltada para a produção cultural) e do pesquisador Marcos Torrigo e sua obra seminal “Vampiros”, que abordava a questão do ocultismo e espiritualidade do contexto com propriedade e nobreza.
Os livros de pesquisa sobre vampiros publicados por brasileiros merecem um destaque na figura dos autores Andrezza Ferreira (“História dos Vampiros“, Madras 2012), Arturo Branco (“Origens de Drácula“, 2013) e Mayte Vieira (“Sombras e Sangue”, 2016).
Há pouco mais de uma década temos o programa de webradio semanal Vox Vampyrica, com mais de 300 edições e uma base fiel de mais de 5 mil ouvintes. No último ano, até mesmo uma revista impressa com tiragem de 500 exemplares sobre nosso contexto, lançada em setembro/2016 e que está rumo à terceira edição! Segundo estrangeiros, que regularmente passam por aqui, temos um dos cenários mais promissores para encontros e eventos ligados ao contexto VAMP (lá no portal www.redevamp.com você poderá conhecer muitos deles), que nada ficam devendo a comunidades mais estabelecidas como as de Nova Iorque, Los Angeles e Londres, com mais de quarenta anos de cena. Toda esta rica história é contada com detalhes no terceiro capítulo do livro “Mistérios Vampyricos” (até o ano de 2014). Você pode adquirir seu exemplar autografado neste link.
Há que se destacar, ainda, as festas abertas promovidas pelo casal Bela Lugosi (Vampire Haus) atualmente na Praça da República, no centro velho de São Paulo. Saindo do ramo de baladas, conferências eventos e festas, até mesmo o RPG “Vampiro: a Máscara” e seu “Live Action São Paulo by Night” tem, há mais de duas décadas, um cenário perene e contínuo de atividades por aqui, atualmente sob a tutela do organizador Raul Costa.
A década atual também é marcada pelo retorno dos quadrinhos vampirescos. Nosso país tem uma longa história de amor e ódio com vampiras poderosas, como Mirza, Nádia e muitas outras. Os vampiros de nanquim de hoje surgem em boa parte graças aos sites de financiamento coletivo e destacam nomes como André Freitas (Ozman), André Farias e Paulo Cesas Santos (Draconian) e Chairim Arrais (Mare Rosso).
Afora isso, São Paulo também é a única cidade do mundo que tem uma data oficial no seu calendário há 15 anos dedicada ao contexto VAMP. Trata-se do Dia Dos Vampiros, criado pela cineasta Liz Vamp, onde apreciadores do tema se encontram para doar sangue em bancos de sangue públicos e fazerem algo útil e que, comprovadamente, salva muitas vidas. A cidade também celebra o “World Dracula Day”, criado por Dacre Stoker (descendente do autor de Drácula) e também a campanha “World Goth Day”. A comunidade Vamp, inclusive, participa e está ativamente engajada em diversas causas ligadas à cidadania e direitos a liberdade de pensamento e de expressão, além de sua contínua preocupação com a pauta cultural da cidade, que sofreu um pesado corte no começo deste ano.
Quem está chegando por aqui e que ampliar a visão sobre o contexto “VAMP”, percebe que a sua “realidade” transcende o idealizado ou dogmatizado, deixando de lado e na algibeira concepções herdadas culturalmente e desenvolvidas por seus detratores através do cristianismo e do poder secular como um todo. O vampiro fala sobre o contexto pagão contrariando normas, protocolos e vãs filosofias urbanas que, perante a natureza, nada são. Em termos “semânticos” somos muitas coisas. A maior parte dos termos e nomes foram dados ou cunhados como rótulos para desviantes, indignos, vanguardistas, questionadores e politicamente incorretos para o poder reinante – isto não vem a nos tornar a caricatura que eles exigem ou demandam de nós. O que “somos” ou que “estamos” é mais denso, clandestinamente aceitável e saborosamente muito mais interessante em todos os sentidos do que o que nos é oferecido como senso comum sobre vampiros.
Meus leitores mais novos podem não acreditar, mas a figura de um imortal, bebedor de sangue ou energia vital, que assombra ou abençoa comunidades e dotado de estranhos dons expressos na magia ou espiritualidade, é o que podemos chamar de patrimônio não material do imaginário humano. Mas é bem verdade que no Brasil existem muitos que pensam no vampiro como algo importado, estrangeiro e que até mesmo desvaloriza sua estética e produção cultural desenvolvida por aqui. Partindo destes mesmos pressupostos, alguns até querem invalidar sua função arquetípica ou na espiritualidade. Típico ranço de latino-americano ávido por defender o “folclore” nacional da cartilha que aprendeu com o Governo e a ideologia política que foi doutrinado. O vampiro é algo pré-moderno, um tipo de antropologia do imaginário ou do folclore, assim como muitos outros seres fantásticos que o materialismo histórico dialético vulgariza por não poder alcançar e, tampouco compreender, para justificá-lo politicamente de alguma maneira.