Lenda alemã do heavy metal lança álbum com orquestra gravado ao vivo no Wacken 2017
São muito poucas as vezes na vida de uma banda que uma segunda chance aparece para que ela volte com tudo, depois de já ter experimentado o ápice da carreira. Quando isso acontece, a injeção de ânimo faz os integrantes assumirem uma ética de trabalho ainda mais intensa do que nos áureos tempos. É o caso do grupo alemão de heavy metal Accept. Desde a entrada de Mark Tornillo (ex-TT Quick) no lugar de Udo Dirkschneider em 2009, a banda não para de lançar álbuns de qualidade e fazer turnês pelo mundo. Prestes a desembarcar mais uma vez no Brasil para quatro apresentações, batemos um papo com o guitarrista Wolf Hoffmann, que falou sobre o atual momento e o lançamento e gravação de “Symphonic Terror – Live At Wacken 2017”, um dos grandes sonhos de sua vida.
O álbum “Symphonic Terror” sai em 23 de novembro, mas não é a mesma coisa que ligar os instrumentos e tocar “Fast as a Shark” e “Balls to the Wall”. Como foi tocar com uma orquestra sinfônica e ainda fazer isso no Wacken? A logística deve ter sido incrível!
Wolf Hoffmann: Sim, foi uma viagem, devo dizer. Tive essa ideia ou sonho, há muitos anos. Quando compus meu álbum solo, “Headbangers Symphony” (2016), imaginei como seria se uma orquestra tocasse junto. Meu amigo Melo (Mafali, teclado) e eu fizemos todos os arranjos, gravamos com a orquestra sinfônica de Praga e ficou bem legal. O passo seguinte foi anunciar um show no Wacken com a orquestra, e aí nos sugeriram tocar umas músicas do Accept. Uma coisa levou a outra e fiquei impressionado de como as orquestrações se misturaram bem com as músicas da banda. Funcionou muito melhor do que qualquer um poderia esperar.
Agora tentamos agendar datas pela Europa fazendo o mesmo repertório [‘Symphonic Terror’], de uma maneira um pouco diferente (…) As orquestras irão mudar ao redor do mundo” – Wolf Hoffmann
E você já tinha uns flertes com música clássica antes. Lançou o álbum “Classical” em 1997, antes de “Headbangers Symphony”. Como é essa fascinação com música clássica e como isso se relaciona com o rock e o heavy metal?
Hoffmann: Olha, eu nem tinha consciência do quanto de influência de música clássica sempre existiu na minha composição, até começarmos a fazer isso. Todas as melodias que toco na guitarra tem algo de música clássica nelas e quando faz as orquestrações, soa como se tivesse sido feito para isso. Mas não, foram compostas para guitarra. Quando a orquestra toca parece que foi feita para ela. Me dar conta disso foi incrível.
O show foi único ou você vê o Accept fazendo novamente em algumas outras cidades, como Los Angeles ou Berlim? Já foi desafio o bastante fazer um, está gravado, álbum lançado e acabou?
Hoffmann: Não, na verdade estamos planejando exatamente isso no momento. Estamos estudando fazer em algumas cidades da Europa e pelo mundo, uma versão diferente deste mesmo show. Obviamente, o Wacken é o Wacken e tivemos um palco enorme para uma orquestra de 50 integrantes. O que tentamos agora é agendar datas pela Europa fazendo o mesmo repertório, de uma maneira um pouco diferente. Os locais e as orquestras irão mudar ao redor do mundo. Em alguns, planejamos levar nossa própria orquestra e em outros teremos que usar músicos locais. Lugares para onde você tem que ir de avião como Rússia e Japão. Mas é claro que tudo isso é um desafio de logística como pode imaginar.
O DVD e CD incluem o seu álbum “Headbangers Symphony” ao vivo. Comente a satisfação de poder fazer isso. Deve ter sido uma emoção imensa!
Hoffmann: Sim, como disse antes, desde o momento que gravei, havia um plano de algum dia levar isso para o palco. É natural que você queira ver algo com uma orquestra ao vivo, com uma grande produção. Assim, quando a chance apareceu de tocar no Wacken, já imaginei que seria incrível. E foi mesmo. A despeito da logística, já que tivemos pouco tempo para ensaiar com a orquestra e tivemos que confiar no profissionalismo de todos para tudo funcionar. Em festivais não há passagem de som, nem muito tempo para preparação. Vai lá, toca e espera que tudo ocorra como planejado. E foi assim, todos estavam nervosos. Ou funcionava, ou não. E funcionou! Claro que foi um sonho realizado, ouvir aquele som no palco… Foi um daqueles momentos que jamais esquecerei porque o sol estava se pondo e havia uma orquestra de 50 pessoas atrás de mim.
E, claro, é o Wacken, o maior dos festivais de metal, sem querer ofender todos os outros. E fazer isso lá, é algo especial. Vamos falar sobre Andy Sneap, que produziu seus últimos quatro álbuns. Agora, ele está no Judas Priest. O que isso significa para o Accept? Irão procurar um novo produtor, esperar um momento em que as agendas coincidam? Quais os planos para um novo álbum de estúdio?
Hoffmann: Ainda não sei, vamos ver. Nós queremos que Andy produza, isso nem se discute, mas se ele terá tempo ou não, não posso dizer. Espero que sim, mesmo porque não ficará em turnê sem parar eternamente, sempre haverá umas semanas aqui e ali para nos reunirmos. Mas, honestamente, ainda não chegamos a esse ponto e veremos quando chegarmos. Porém, o plano é continuar com Andy porque ele é perfeito para nós.
Nos conhecemos [Peter Baltes] desde que éramos adolescentes na Alemanha e nunca toquei com outro baixista – a não ser nesse show do Wacken, e foi por muito pouco tempo” – Wolf Hoffmann
Olhando sob a perspectiva do Accept, o que ele traz para o estúdio que os possibilita criar álbuns como “Rise of Chaos” (2017), “Blood of Nations” (2010) e “Stalingrad” (2012)?
Hoffmann: Bem, ele traz um certo conforto porque nos conhecemos muito bem agora. No início, houve aquela fase de adaptação um ao outro como é normal quando se começa a trabalhar com alguém novo. E naquela época, 2009, 2010, ele era o cara certo na hora certa, dizendo as coisas certas. Porque naquele momento não tínhamos ideia de como o Accept deveria soar e que tipo de músicas deveríamos apresentar, já que tínhamos um novo vocalista e uma nova era se iniciando. Foi muito útil em nos guiar para a direção certa, que era uma composição clássica e old-school com uma sonoridade nova. Agora, fizemos isso quatro vezes seguidas, seis se contarmos os álbuns ao vivo. Produziu e mixou todos nossos álbuns desde 1910… Quer dizer, 2010 (risos)
1910… Ainda não era uma banda tão clássica assim! Teria havido uma turnê de aniversário de 100 anos… Teria sido espetacular!
Hoffmann: (muitos risos). Ainda não chegamos lá, mas estamos trabalhando nisso (mais risos). Enfim, o que eu ia dizer mesmo? Andy é uma cara com que nos sentimos confortáveis porque está conosco desde a ressureição da banda.
Você produziu o “Headbangers Symphony”. Se, por algum motivo, Andy não estiver disponível, consideraria produzir o próximo álbum da banda ou tem aquela ideia de que se precisa de ouvidos de fora do grupo para oferecer uma orientação e subjetividade? Se a coisa apertar, assumiria a responsabilidade?
Hoffmann: Ainda não sei. Não chegamos a esse ponto. Por enquanto tem funcionado dessa forma, mas, às vezes, se acaba fazendo mais do que iria fazer. Nesse momento, temos uma fórmula que funciona. Porém, acho que nunca vou querer ser um produtor em tempo integral ou tomar as rédeas totalmente. Acho que é um trabalho coletivo. Honestamente, sempre ajuda alguém de fora dar uma opinião objetiva e Andy é ótimo nisso. Não vejo razão para fazer de outra forma.
Falando sobre muito tempo atrás, Peter (Baltes, baixo) está com você desde o início. Qual a importância dele para a banda e o que há no relacionamento de vocês, tanto pessoal como profissionalmente, que é único? Estão juntos desde 76, 77…
Hoffmann: Sim, de certa forma, somos como irmãos. Nos conhecemos desde que éramos adolescentes na Alemanha e nunca toquei com outro baixista – a não ser nesse show do Wacken, e foi por muito pouco tempo. É o único baixista com quem toquei. Há um entendimento musical mútuo, que é único. Isso não acontece com muita frequência e é muito legal de ter. Sabemos o que o outro pensa sem ter que falar o tempo inteiro.
Vocês estão em turnê até novembro e em janeiro farão parte do “70,000 Tons of Metal Cruise”. O que os fãs podem esperar para 2019?
Hoffmann: Cara, nunca tocamos tanto numa turnê igual para esse álbum. É óbvio que, em algum momento, teremos que parar. Todavia, a demanda tem sido tão grande que não paramos desde que “Rise of Chaos” foi lançado. Depois do cruzeiro que mencionou, temos que focar no novo álbum. A outra coisa em que estamos trabalhando são esses shows com a orquestra. Serão só alguns, então não ficaremos meses e meses na estrada.
Não houve isso de decidirmos ir atrás de um novo vocalista. Nós encontramos Mark [Tornillo] sem querer e, por causa disso, decidimos iniciar o Accept de novo” – Wolf Hoffmann
Ainda estão trabalhando em um documentário? Houve conversas sobre isso anos atrás. É algo que a banda ainda está interessada em fazer?
Hoffmann: “Acceptology” ia se chamar.
Isso!
Hoffmann: A triste verdade é a seguinte: começamos no fim dos anos 70 e início dos 80, quando ninguém tinha celulares ou câmeras portáteis. Então, não há muitas imagens como esperávamos. Fizemos um chamado para nossa comunidade de fãs pedindo imagens, e, se fosse suficiente teríamos juntado tudo para lançar um documentário em DVD. Mas, infelizmente, não há muita coisa. Na época não se permitia entrar com câmeras e ninguém pensava em entrar com uma escondida e fazer um vídeo pirata do show inteiro. Isso começou recentemente com o advento de celulares.
É uma pena. Mas, como foi quando decidiram se reunir e encontrar um novo vocalista? Quais eram as expectativas da banda?
Hoffmann: Foi absolutamente diferente do que o que você descreveu. Não houve isso de decidirmos começar a banda de novo e ir atrás de um novo vocalista. Não aconteceu nada disso. Nós encontramos Mark (Tornillo) sem querer e, por causa disso, decidimos iniciar o Accept de novo. Peter e eu estávamos fazendo uma jam um dia, perto da Filadélfia, cidade natal de Mark (N.T.: Hoffmann faz uma aproximação. Mark Tornillo nasceu em Brielle, uma cidade bem próxima da Filadélfia, mas que fica, inclusive, em Nova Jersey e não na Pensilvânia). Nem pensávamos em reformar a banda nem nada assim. Éramos pessoas comuns, o Accept tinha acabado há tempos, era parte da história, ninguém pensava nisso. Mark vivia ali perto e alguém falou de nós para ele e que provavelmente gostaria de participar da jam. Nós o convidamos e começamos a tocar, sem pensar em nada. Assim que ele começou a cantar, Peter e eu imediatamente nos olhamos e pensamos: esse é o cara que nós achamos que não existisse! Por que não usamos isso como uma desculpa para começar a construir tudo de novo? E, um dia depois, foi anunciado para o mundo que íamos voltar e até fazer um novo álbum. Foi algo espontâneo e naquele momento ninguém da banda sabia se ia funcionar, se os fãs iriam aceitar. Mas fomos em frente porque estávamos convencidos. Tinha que dar certo, era bom demais para ser verdade. E aqui estamos, dez anos mais tarde, ainda trabalhando juntos. Funcionou.
Funcionou muito bem e eu diria, você pode concordar ou não, que “Blood of Nations” é o álbum mais importante do Accept. Não o melhor, mas se esse não fosse forte e não houvesse nele “Teutonic Terror” e “Pandemic”, a banda poderia não ter sobrevivido. Concorda que esse álbum é um dos mais importantes da sua carreira?
Hoffmann: Sim, podemos dizer isso. É justo. Se fosse um disco fraco e os fãs não gostassem, não estaríamos aqui hoje.
Poderia ter sido o fim ali.
Hoffamnn: Sim, poderia. Tínhamos consciência disso quando começamos tudo. As pessoas nem sempre entendem, ninguém sabe qual será o futuro, mas aqui estava a nossa chance de fazermos o que amamos. Graças a Deus funcionou. Sabíamos que seria uma caminhada morro acima, porque trocar o vocalista é uma das coisas mais difíceis de nossa profissão. Mas achávamos que se déssemos tudo e compuséssemos boas músicas, poderia dar certo. Porém, não dava para saber. No fim das contas, são os fãs que decidem e, mesmo com todo nosso esforço, eles poderiam não ter gostado.
Estamos nos divertindo como nunca e ansiosos por mais muitos anos de turnês e álbuns. Ninguém está sequer pensando em aposentar” – Wolf Hoffmann
Você possui outra forma de expressão criativa que é a fotografia. Como é essa paixão e como se desenvolveu essa habilidade? Isso é algo que quer desenvolver mais nos próximos anos?
Hoffmann: Bem, a fotografia é uma paixão muito séria para mim, desde sempre. Mas em segundo lugar no ranking. Foi apenas quando a música estagnou que resolvi fazer isso de forma profissional. E fiz por uns dez ou quinze anos, mesmo quando o Accept voltou a ser uma banda ativa, continuei paralelamente. Mas esses últimos anos foram tão intensos, com tanto tempo na estrada, que, em certo momento, tive que decidir que não dava para fazer os dois. Aí tive que largar a fotografia profissionalmente de vez e voltar a ser um músico em tempo integral. Mas tudo bem, não tenho problemas com isso. Porém, ainda tiro umas fotos na estrada por diversão, aqui e ali. É claro que é diferente quando faz por hobby e profissionalmente. E agora é novamente um hobby.
Enquanto o Accept não estava na ativa, alguma vez foi abordado por alguma banda para ser o guitarrista substituto? Se sim, o que o impediu de ser esse cara? O fato de querer ser sempre o Wolf Hoffmann do Accept?
Hoffmann: Sim, me pediram algumas vezes, mas surpreendentemente, não com tanta frequência. Quer dizer, não é surpreendente para mim, mas os fãs ficam surpresos quando digo isso porque bandas precisam de guitarristas toda hora e chamam todo mundo. Mas, na verdade, deve ser pelo fato de que sou conhecido por algo muito claro que é o Accept. E nem acho que estaria interessado, para ser honesto, em entrar em outra banda, porque não sou esse tipo de músico. Não sou muito versátil, não consigo me virar e mudar a personalidade, alguns músicos conseguem. Tocam o que precisarem e isso é ótimo, mas não é quem eu sou. Eu faço o que faço e é isso por isso que passei minha vida toda tocando no Accept. Nunca estive em outra banda, acredite ou não.
Eu acredito e fico feliz com isso. Devo dizer que o Accept tem uma discografia e um legado tão incríveis que, com a passagem do tempo e todos nós envelhecendo, estou muito feliz de ainda não haver o anúncio uma turnê de despedida. E espero que esse seja o caso por pelo menos os próximos quinze anos, porque ainda há muito a oferecer e com Mark cantando essas músicas… Não há do que reclamar!
Hoffmann: Não, estamos nos divertindo como nunca e ansiosos por mais muitos anos de turnês e álbuns. Ninguém está sequer pensando em aposentar. Eu já sei que não dá para se aposentar como músico. Acho que não deve fazer isso. A maioria acaba voltando. Não sei como isso funcionaria. O que mais lhe motivaria, além de estar na estrada, tocar e estar em um palco? Por que se aposentaria disso? O que pode ser mais satisfatório do que isso para mim? Logo, não acho que aposentadoria seja uma opção.
E quando se assiste o “Symphonic Terror – Live In Wacken” não dá para imaginar se aposentar e não ter mais aquela emoção. São 80 mil pessoas dando aquele rugido de aprovação. Isso bate qualquer dia de aposentadoria na praia, sem dúvida!
Hoffmann: Sim, é como uma droga. Todos querem cada vez mais. Quer aquilo a todo momento. É algo que não dá para explicar, a não ser que passe pela experiência. É por isso que dizem: uma vez músico, sempre músico. Não há como desligar isso totalmente. Pode esquecer, não funciona.
AGENDA – ACCEPT NO BRASIL:
10/10 – Belém/PA
12/10 – Fortaleza/CE
14/10 – São Paulo/SP
16/10 – Belo Horizonte/MG
Informações sobre os shows e ingressos: https://bit.ly/2BYstAW
Transcrito e traduzido por Carlo Antico.