Admirável áudio novo

Uma vivência na revolução da tecnologia do áudio nas últimas cinco décadas

Quando menino, eu ficava fascinado com os sons e as vozes que eu ouvia em um programa na FM Cultura chamado “Seleção do Ouvinte”. Com o tempo, era inevitável a comparação. Por que as gravações feitas por aqui, na mesma época, eram tão diferentes, tão ruins? Qual seria o motivo de tamanha discrepância na qualidade sonora e artística, e por que ninguém se importava com isto? Eu nem podia imaginar que um dia estaria tentando encontrar esta resposta e que, como tantas outras, residiria na educação, cultura e economia.

Nos anos 70 um dos principais estúdios de gravação do país era o Estúdios Reunidos, localizado no quarto andar do edifício da Gazeta, na Avenida Paulista, em São Paulo. Àquela época, no inicio da década, gravava-se em 4 ou 8 canais analógicos; a fase de gravação em apenas 2 (estéreo, diretos, pois não havia canais para se fazer play backs) já havia passado. Um pouco depois, teríamos 16 e, então, 24. As mesas de som dos Reunidos, bem como alguns equipamentos e até alguns monitores eram montados ali mesmo, na sala e oficina de manutenção, por um dos proprietários, o engenheiro Carlos de Assis Moura.

A sala técnica utilizada naqueles dias era simplória, não havia um hack com equipamentos. Só a mesa de som, uma máquina Studer para gravação, um echo Binson, uma máquina com fita de 1/4 para fazer echo de fita e enormes monitores no chão, feitos na casa. Não havia ambientes na mesa e, tampouco, “pan”. O estúdio tinha um piano de meia cauda à disposição de quem fosse gravar e pronto, mãos à obra, a base (piano-baixo-bateria) já poderia ser capturada.

Nada de click, era na regência ou se gravava junto com a base, uma percussão como guia de andamento. Como não estava disponível um sistema de fones, era utilizada uma caixa de som, mono, a certa distancia e com algum volume, e, voilà, era só tocar.

Timbres e efeitos levavam horas para serem criados. Uma faixa poderia tomar um dia inteiro para ser gravada e finalizada. Foi uma festa quando o estúdio “A” dos Reunidos adquiriu um teclado Elka, o primeiro de sua geração e uma novidade no mercado de instrumentos. Com ele seria possível gravar uma razoável cama de cordas (strings) e usar o sampler de piano elétrico, que era muito bom. Eu começava vislumbrar a resposta à minha questão.

O teclado Elka | Foto: reprodução
O teclado Elka | Foto: reprodução

Naquele período, em arranjos de música popular brasileira, a base era piano acústico, baixo acústico ou elétrico, bateria, violão, guitarra, e uma percussão, geralmente um ganzá. Na MPB não se fazia grandes variações de timbres e instrumentações como no pop americano, que já estava usando como base a sonoridade da cozinha do rock. Por aqui, no jovem mercado pop tupiniquim, todos estavam tentando copiar esta referência.

O problema é que nunca tivemos a história, os equipamentos, os produtores e os engenheiros de áudio que o primeiro mundo dispunha. Por estas razões o som pop feito por aqui foi sempre “água com açúcar”. É cultural. Este gênero não faz parte de nossa cultura que está mais pro samba, samba canção, MPB, bossa nova, chorinho, forró, e outros, muitos outros. Em português é muito complicado e soa estranho cantar as melodias do rock e do pop cujas métricas são feitas para o inglês. Mas quando o fazemos do nosso jeito, sai coisa boa. Elis Regina, Rita Lee, Guilherme Arantes, Secos & Molhados, Os Mutantes, são bons exemplos.

Os Mutantes | Foto: divulgação
Os Mutantes | Foto: divulgação

No período analógico, gravar sempre foi muito caro. Por aqui nem se fala. Eis aí o inevitável aspecto econômico. Tudo era importado, dos cabos às fitas de gravação. Era preciso saber o que fazer e não era possível gravar tomadas em sequencia, como fazem os gringos desde sempre. Quer dizer que tínhamos que gravar por cima da tentativa anterior até achar que era “a boa”.

Economizar fita era fundamental, mas na gravação e reprodução por atrito, cada regravação, uma em cima da outra, implicava na perda da qualidade do som. A fita era importada, cara demais, e não havia como evitar este procedimento. Algumas gravadoras nacionais chegaram ao cumulo de reutilizar fitas, com mais de dez anos no arquivo, para gravações de artistas da “linha B”. Eis o porquê, por aqui, quando morre um artista de sucesso, não temos material inédito de estúdio analógico para lançamentos especiais, como se faz no mercado internacional. Não nos importarmos em guardar a memória de nossa história, em todos os aspectos, é uma questão de educação.

No sistema digital este problema não existe mais. Hoje há espaço de sobra, tudo é mais barato e acessível. Qualquer um pode ser artista, é só querer. O Pro Tools e outros sistemas digitais estão aí pra facilitar tudo. A única coisa que não vi surgir até agora, apesar das facilidades, é um novo Mozart. Espero que um dia apareça.

Wolfgang Amadeus Mozart | Imagem: reprodução

No Brasil a transição do analógico para o digital foi um tanto estranha. Comigo tudo começou com a gravação em sistema analógico e mixando com Dolby SR de 24, utilizando na finalização um Pultec pra reforçar os graves antes de copiar a máster mix em uma fita de vídeo VHS. Algum tempo depois, estava gravando com um console DDA semi computadorizado em uma máquina analógica de 24 canais, em sync com outra digital de 32 canais, ambas com fitas de 2″, e copiando a máster mix final em uma fita DAT. Logo a seguir começou a era do ADAT Digital, que durou por um bom tempo.

Pultec | Foto: divulgação
Pultec | Foto: divulgação

O Alesis Digital Audio Tape, ou ADAT, para a gravação digital de áudio (atualmente fora de uso), usava fitas parecidas com as de S-VHS dos antigos videocassetes. Cada fita permitia a gravação de 8 canais e era possível usar várias rodando simultaneamente, com ferramenta chamada: time code.

Mesmo sendo prático, ele nunca foi muito confiável e, em razão disto, com o tempo surgiu no mercado profissional um sistema de gravação e edição mais moderno que, virando moda, começou a ser utilizado pelos estúdios mundo afora, até hoje. Não é barato, mas é o “fusca do áudio” e funciona bem até em casa, basta saber usar. Seu nome: Pro Tools.

Interface do Pro Tools | Foto: divulgação - Avid
Interface do Pro Tools | Foto: divulgação - Avid
Gmusic | Rockarama
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