Guitarrista Fausto Celestino fala sobre o retorno de um dos pioneiros do punk no Brasil

A nova formação do AI-5, com Marcelo Ladwig, Fábio Rodarte, Fausto Celestino e Memmeth Pesteaux | Foto: Wladimir Raeder

O Brasil dos anos 1970, ainda vivendo os tempos da ditadura militar e da censura, viu nascer o punk rock. Uma das bandas pioneiras do país batizou seu nome justamente com a sigla do infame Ato Institucional Número Cinco, imposto em 1968 e revogado somente dez anos depois, coincidentemente quando o grupo AI-5 foi criado. Tudo era novidade em 1978. A lendária Woodstock Discos foi fundada em maio, quando a Galeria do Rock abrigava ainda poucas lojas especializadas em rock, entre elas a Baratos Afins e a Wop Bop, que se mudou meses depois. Vários grupos começaram a surgir e se impunham pela garra, tentando ultrapassar todas as barreiras. Realizavam shows em qualquer local que abrisse suas portas ou faziam na base do “do it yourself”. Uma das premissas do estilo, aliás. O primeiro deles foi justamente quando AI-5 e Restos de Nada se juntaram para tocar em um porão de uma padaria abandonada, localizada no Jardim Colorado, na Zona Leste de São Paulo. Agora, quase quarenta anos depois, a mesma dupla se prepara para reviver o início do punk rock no Brasil. Melhor ainda, o AI-5 está de volta, teve sua fita-demo lançada em CD pela Baratos Afins e, segundo o guitarrista fundador Fausto Celestino, hoje acompanhado por Memmeth Pesteaux (vocal), Fábio Rodarte (baixo) e Marcelo Ladwig (bateria), prepara material inédito para um futuro lançamento.

Antes do retorno do AI-5 você estava compondo músicas mais técnicas, até exaltando um lado da virtuose. Como foi enxugar a técnica e voltar ao início da carreira no punk?
Fausto Celestino: Muito natural. Na verdade, sou um apaixonado pela guitarra rock, que transita em diferentes estilos, como blues, hard, heavy, punk e até progressivo. Eu comecei a tocar guitarra quando tinha 13 anos. E foi por causa do Ritchie Blackmore. Era muito fã de Deep Purple. Porém, não conseguia tocar nada deles, porque eu não tinha a técnica necessária. Sempre fui completamente autodidata e até hoje não sei nada de teoria musical. A chegada do punk, com seu mote “faça você mesmo”, trouxe uma luz no fim do túnel para mim, pois aquele tipo de som eu conseguia tocar. Desenvolver a técnica foi um processo natural para um apaixonado pela guitarra, por música. Mas, mesmo desenvolvendo esse lado mais técnico, sempre fui “mão pesada”.
 Em várias situações ouvia esse tipo de comentário, mesmo tocando em bandas de heavy metal (risos). E, de qualquer forma, a energia/agressividade do punk sempre esteve presente dentro de mim, então é algo completamente natural para mim.

AI-5 | Foto: Wladimir Raeder

Chegou um momento que não conseguíamos nos apresentar em lugar nenhum por causa do nome. Isso porque houve situações de shows invadidos pela polícia” – Fausto Celestino

O grupo foi criado há quase quarenta anos e é considerado um dos primeiros de punk rock do Brasil. O quanto a loja Wop Bop foi importante para aquele momento inicial?
Fausto: A AI-5 foi fundada em 1978. A loja teve sua importância em dois momentos: o primeiro, na formação da banda, pois eu e o batera original, Luis, tínhamos outra banda punk em 1977 que chamava Berlim 45. Era um trio. O baixista da época resolveu que punk não era a praia dele. Então, fiz alguns cartazes à mão mesmo (pincel atômico), procurando baixista e vocalista. Tirei umas cópias xerox para dar aquele visual rústico e saí colando em postes, paredes do centro da cidade e em algumas poucas lojas de discos. 
Uma delas foi a Wop Bop, onde trabalhava o Walson, que pegou o cartaz e disse que minha busca havia terminado porque ele era baixista e conhecia um vocal. Ele e o Ratto se juntaram a mim e o Luis, formando o AI-5. Outro momento foi exatamente a gravação dessa demo, que foi ideia de um dos sócios da Wop Bop, o René Ferri. Na verdade, não foi uma produção de uma demo. Fomos à casa de Eddy Teddy (Coke Luxe) e gravamos em um único take, ao vivo, um ensaio. Isso ocorreu cerca de 5 meses após o fim da banda, no carnaval de 1980. Talvez a loja tenha sido importante em termos de influências musicais para o baixista, que lá trabalhava e tinha contato com as novidades. No meu caso, recebi mais influência direta do Kid Vinil, que frequentava os ensaios do AI-5 e sempre trazia novidades de suas viagens a Londres. Muita coisa ouvi pela primeira vez graças a ele, que levava discos do Sham 69, UK Subs, Dead Boys, entre outros.

O nome AI-5, inspirado no Ato Institucional Nº 5 criado, chegou a atrapalhar a carreira da banda, já que vivíamos sob o regime da ditadura militar?

Fausto: Sim. Atrapalhou muito mesmo. Chegou um momento que não conseguíamos nos apresentar em lugar nenhum por causa do nome. Isso porque houve situações de shows invadidos pela polícia, que talvez interpretasse nossas apresentações como atos subversivos. Não sei por quê! (risos). E esse foi um dos motivos de a banda terminar. Falta de local para tocar, seguidas interrupções de shows, ameaças constantes, etc. Fugimos “pela janela do banheiro” por mais de uma vez. Hoje, olhando tudo isso, reflito que éramos bem corajosos para um bando de moleques – eu, por exemplo, tinha 14 anos na época!

Quando criaram a música “John Travolta”, vocês tinham conhecimento do movimento “Disco Sucks”, que era bem difundido nos Estados Unidos, ou foi somente para fazer uma sátira à disco music e ao personagem Tony Manero do filme “Embalos de Sábado à Noite” (Saturday Night Fever)?
Fausto: Não teve nada a ver com a Discos Sucks, pois nem tínhamos conhecimento disso na época. Foi para satirizar o inferno que era viver num lugar completamente dominado pela onda disco e, ainda por cima, sendo punk. Nós éramos completamente fora de todo tipo de modinha. O ano de 1978 foi bem complicado para quem era do rock em geral. Odiávamos com todas nossas forças aquilo tudo e a música foi uma forma de protestar contra aquela “viadagem” toda.

Fausto Celestino com o Centúrias no extinto Rainbow Bar (SP) | Foto: Arquivo Pessoal

O punk pegou mesmo no Brasil a partir dos primeiros anos da década de 80, quando a banda já não existia mais. Mas eu sempre tive a chama acesa da questão do músico” – Fausto Celestino

Como se sentiu quando “John Travolta” foi regravada em 1995 pelo Ratos de Porão no álbum “Feijoada Acidente?”?
Fausto: Muito surpreso porque nunca imaginei que aquela fitinha demo tivesse circulado por aí, como aconteceu. E feliz por tê-la ouvido numa gravação com peso e qualidade.

Como é ver parte de sua história na música com o AI-5 figurando no documentário “Botinada: a Origem do Punk no Brasil” e com o Centúrias em “Brasil Heavy Metal”?
Fausto: Muito bacana. Qualquer músico/artista fica feliz em ver seu trabalho, digamos, reconhecido. Fazer parte dessas histórias é a maior recompensa que eu poderia esperar. Tenho orgulho de ter sido pioneiro com o AI-5 e também com o tempo que passei no Centúrias. Na verdade, nós nunca pensamos que aquilo seria reconhecido de alguma forma. Uma vez me falaram que o Centúrias tinha fã-clubes em outros países, ou que a coletânea “SP Metal” era cultuada em outros países, por exemplo. Isso tudo foi uma grande surpresa para mim.

E como você foi do punk rock para o hard rock e heavy metal, sendo recrutado para o Centúrias na época da gravação das músicas para a coletânea “SP Metal”? Em sua época na banda, o fundador e baterista Paulão Thomaz, hoje no Kamboja, dizia que você tinha uma linha mais Van Halen.
Fausto: Depois do fim da primeira formação do AI-5, em 1979, ficamos muito chateados porque não havia perspectivas para o estilo seguir no Brasil. O punk pegou mesmo no Brasil a partir dos primeiros anos da década de 80, quando a banda já não existia mais. Mas eu sempre tive a chama acesa da questão do músico. Transitar entre os estilos foi algo completamente natural. Nos dois ou três anos seguintes ao término da banda, procurei me aprofundar mais na técnica de guitarra. Quando ouvi o Eddie Van Halen pela primeira vez eu pirei! Aquilo foi como jogar gasolina na fogueira de um cara que queria se firmar como um (bom) guitarrista. Não gostava do visual, daquela coisa muito alegrinha, californiana, mas o guitarrista era um demônio! Eu passava o dia inteiro tentando tirar (de ouvido) o que ele fazia. Tinha uma vitrola que reduzia a rotação e passava, literalmente, o final de semana inteiro voltando a agulha nos locais que tentava entender o que ele fazia. Eu me lembro que nessa época pegava a guitarra de manhã e, quando me dava por mim, olhava na janela e já havia escurecido. Meu desenvolvimento na guitarra foi literalmente dessa forma: um estado de transe, imersão total. Então, na época do Centúrias, era muito influenciado pelo Eddie mesmo. Estudei muito as técnicas dele, principalmente o two hands, como era chamado na época. Podemos perceber isso num trecho do solo de “Portas Negras”. Mas, apesar dessa influência, eu procurava compor harmonias mais na onda Judas Priest, em função do estilo de cantar do Edu Camargo, que também era um fã fervoroso dessa banda.

AI-5

A data acabou sendo uma coincidência no prazo de produção. O CD ficou pronto no dia 5 de setembro, mas resolvemos lançar no dia 7 de forma proposital mesmo” – Fausto Celestino

Curiosamente, eu estive presente em um show do Centúrias com você na guitarra, ocorrido em 1985 na saudosa Praça do Rock, no Parque da Aclimação, em São Paulo (SP). Por que deixou a banda naquela fase e depois ficou tanto tempo afastado dos palcos?
Fausto: Sinceramente…. Não lembro exatamente porque saí, mas posso garantir que não foi por causa da influência do Eddie Van Halen (risos). Num certo momento começou a rolar um clima meio estranho. Acho que também houve algo no sentido de ir mais para o thrash metal, e eu estava indo mais para o hard – o EP “Última Noite” foi uma enorme surpresa para mim. Mas nenhum problema, de forma alguma. Todos são meus amigões “brother in arms”. Logo depois que saí do Centúrias, formei outra banda, chamada Know How. Era um hard/heavy cantando em português, também. Gravamos demos de boa qualidade, mandamos mala direta com release, fita demo e fotos para todo mundo do alto escalão fonográfico da época. Falei com várias figuras poderosas da música. Cheguei a passar um dia inteiro (das 9 às 17h) na portaria da Artplan para falar com o Roberto Medina, pois uma produtora dele havia se interessado, etc. Tentamos com várias gravadoras, mas a ilusão acabou depois de uma séria de reuniões com diretores artísticos de gravadoras e com alguns empresários e produtores. A pá de cal veio numa das últimas tentativas, junto a um dos maiores produtores dos anos 1980: depois de esperar o cara por 4 horas na sede da gravadora, no Rio de Janeiro, ele ouviu a fita, que já havia enviado umas 12 vezes e falou: “Meu amigo… O som de vocês é bem legal, mas esquece! Essa coisa de heavy metal no Brasil nunca vai dar certo. Não posso ver você como um artista, mas como um produto que vou colocar na prateleira e vai vender a rodo, e rápido!”

Qual foi a sua atitude depois de ouvir isso dele?
Fausto: Eu dei murro em ponta de faca com essa banda por cinco anos, de 1986 a 1990. Nós tínhamos mesmo a intenção e a ilusão, principalmente, de fazer uma banda de heavy metal nos moldes gringos. A desilusão dessa história, junto com a necessidade de fazer algo que me desse algum retorno financeiro, me levaram a decisão de parar de tocar mesmo. Eu precisava muito ajudar minha família (uma longa história) e numa conversa com o Charles Gavin, onde eu mostrava minha angústia, o dilema entre insistir em viver de música e essa necessidade de ter algo remunerado de forma mais consistente, ele me disse: “Você precisa definir isso na sua vida. Hoje, você não está se dedicando à música porque precisa trabalhar num escritório e nem sendo um bom profissional porque vive com a cabeça na música.” Depois disso, em 1991, ainda tentei tocar numa banda de baile para ganhar uma grana, mas não aguentava tocar o repertório totalmente longe da minha natureza. Parei completamente naquele ano. Fiz uma nova tentativa em 2006, numa banda com um cantor alemão e um batera americano. Foi sensacional! Enfim, conviver com profissionalismo foi um alívio e uma grande escola, também. Mas quando eles voltaram aos países de origem, acabou. Voltei a tocar por causa do convite para a participação da homenagem ao meu eterno irmão de coração, Hélcio Aguirra, na Virada Cultural de 2014, com o Golpe de Estado.

Como se deu o acordo com a Baratos Afins para o lançamento em CD da demo do AI-5 registrada em 1980? A escolha da data para o lançamento, em 7 de setembro, foi proposital?
Fausto: Em 2016, eu fui contatado por uns dois selos que pretendiam lançar a demo em vinil ou CD. Passado o espanto por alguém saber da existência da demo e ainda mais em lançar, fui conversar com o Luiz Calanca. Na verdade, para saber a opinião dele e se ele achava que era algo viável lançar uma demo de uma banda, que, na minha visão, era totalmente obscura, desconhecida.
 Daí a coisa rolou em função dos mais de 30 anos de amizade e parceria com ele. Ele fez uma proposta de não apenas lançar em CD, mas também de fazer shows, etc. A data acabou sendo uma coincidência no prazo de produção. O CD ficou pronto no dia 5 de setembro, mas resolvemos lançar no dia 7 de forma proposital mesmo.

AI-5: Memmeth Pesteaux, Fausto Celestino, Marcelo Ladwig e Fábio Rodarte | Foto: Wladimir Raeder

A banda voltou para ficar mesmo e não apenas por causa do lançamento. Temos material novo e pretendemos lançar um single ainda no primeiro trimestre e um novo álbum até o final de 2018″ – Fausto Celestino

Pensam em gravar material novo após este primeiro registro? Como andam as novas composições, agora com a efetivação do baterista Marcelo Ladwig (King Bird) junto a você, Memmeth Pesteaux e Fábio Rodarte?
Fausto: Sim. A banda voltou para ficar mesmo e não apenas por causa do lançamento. Temos material novo e pretendemos lançar um single ainda no primeiro trimestre e um novo álbum até o final de 2018.

Como está a expectativa para reviver o primeiro show de punk rock realizado em São Paulo com o Restos de Nada depois de tanto tempo?
Fausto: Contando os dias! Será uma grande celebração. Reviver aquele dia de 1978 vai ser algo sensacional.

Mais do que um simples retorno à ativa, acredita que o evento também servirá como um tributo à memória de Kid Vinil, que promoveu aquele evento na década de 70?
Fausto: Com certeza! Uma pena mesmo o Kid não ver essa reedição. Ele sempre foi como um “padrinho” para o AI-5. Não em termos de ajudar a banda por sua influência, mesmo porque em 1978/79 ele ainda era o “Antonio”, mas no sentido de sempre nos atualizar com as novidades da cena punk londrina, fosse trazendo LPs de bandas ou informando sobre os rumos do movimento fora do Brasil.

AI-5 e Restos de Nada no SESC Pompeia:
Data: 24 de novembro (sexta-feira)
Horário: 21h30
Endereço: Rua Clélia, 93 – Pompeia, São Paulo/SP
Infos e ingressos: https://goo.gl/eQCDeL
Evento no Facebook: https://goo.gl/xDuVDx

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