Surgido na transição dos anos 80 para a década de 90, época de nomes como Yo-ho-delic, Tiroteio, Pravda, Rip Monsters, Safari Hamburguers, Muzzarelas, Mentecaptos Eróticos e Jazzzumbi, grupo paulistano Anjo dos Becos segue divertindo o público
Pirata Homes criou um conceito com o Anjo dos Becos, grupo que empolgou o cenário do rock brasileiro nos anos 1990. Sem medo de ousar e misturar estilos, tendo letras conscientes que relatavam questões sociais e urbanas, apresentou o “Funny Fluxo” – no som, ska, hardcore, punk, funk, rap, reggae e metal; no público, nas performances e entre os fãs, a galera de todas as “tribos”, além de artistas de circo, skatistas e o pessoal do grafite. Ao lado do inseparável parceiro, Xixa (trombone e backing vocals), a banda, completada por Alê (trompete e backing vocals), Danilo (guitarra), David Martin (baixo) e Rodrigo Abelha (bateria e backing vocals), ainda tem muita lenha para queimar. Sempre dispostos e empolgados, Pirata e Xixa falaram ao ROCKARAMA sobre o passado e os planos para o futuro, que incluem um novo álbum e um documentário.
Como foi esboçado conceito de mesclar ska, hardcore, punk, funk, rap, reggae e metal, além da galera do circo, skate e grafite, para criar o chamado “funny fluxo” do Anjo dos Becos?
Pirata: Eu já circulava neste universo e levar isso para banda aconteceu meio que naturalmente, pois são elementos que somam pura diversão. Com o tempo se tornaram uma grande família divertida, se denominando um movimento, o Funny Fluxo, que se estende há mais de 25 anos.
Hoje em dia, na noite somos iguais tal como eram os que saíam para se divertir nos anos 1990? O que acredita que mudou no público de quando vocês iniciaram a banda e saíram tocando em locais como Circo Escola Picadeiro, Aeroanta, Garage Rock, Woodstock Discos e Black Jack Bar?
Pirata: Como a música e a filosofia da banda independem de época ou de público, é verdadeiro e sempre vai funcionar. Basta existir um palco e alguém para participar, isso é Funny Fluxo…
Xixa: Hoje, com certeza, as noites não são mais como nos anos 90. Naquele tempo o rock era efervescente e tínhamos opções de casas para tocar e nos divertirmos. Exceto pela loja Woodstock, nenhuma destas casas citadas existe mais. Agora, o porquê disto já é outra história (risos).
Não é grana, porque perdemos tudo e chegamos lá em cima, com música entre as mais tocadas na rádio 89 FM, e fomos roubados…” – Pirata
O Cólera tinha uma faixa intitulada “Anjos do Beco”, mas no caso de vocês a inspiração do nome veio do filme “Asas Do Desejo” (1987), do cineasta alemão Ernst Wilhelm “Wim” Wenders. De quem foi a ideia?
Pirata: Foi do primeiro guitarrista da banda, Caio Franciscato, que me apresentou esse filme e me tornei fã de Wim Wenders.
Xixa, você começou a tocar trombone bem cedo, ainda quando estudava no colégio Arquidiocesano. Como vê a inclusão dos metais no rock e como foi integrado ao Anjo dos Becos?
Xixa: Realmente, minha iniciação na música foi no colégio em Banda Marcial com 10 anos. Cresci e comecei a enveredar para o hardcore. A inclusão dos metais no Anjo se deveu por nossas influências em comum, como Mighty Migthy Bosstoness, Fishbone, Reel Big Fish, ou seja, o skacore… Depois, com os anos, misturamos outras influências e chegamos no ‘Overallrockdelic’, que é o título de um CD nosso e a forma como nos intitulamos hoje.
Desde o início, o forte do grupo sempre foram os shows, tanto que sua performance, Pirata, chegou a inspirar Paulão de Carvalho (Velhas Virgens). Como foram as mais “recentes” experiências de tocar ao lado de nomes como Fishbone, Sublime with Rome, The Spankers e The Mighty Mighty Bosstones?
Pirata: O Funny Fluxo é de verdade, simples assim. É como sempre digo: acredite sempre! Não é grana, porque perdemos tudo e chegamos lá em cima, com música entre as mais tocadas na rádio 89 FM, e fomos roubados… É pela música, pois a terapia do palco é mágica e isso nos levou a dividir o palco com todos esses nobres e todos nos respeitaram. E vamos dividir mais ainda, porque temos muita lenha para queimar (risos).
Xixa: Porra, estes shows que dignificam nosso trabalho. São bandas grandes que a gente se identifica e sabemos que é para poucos dividir o palco com estes caras. Isto é também o reconhecimento da nossa banda!
Começamos a rodar o Brasil com a galera do skate, uma época fantástica. Acredito que os anos 90 foram únicos neste sentido de música e skate” – Pirata
Pirata, devido às suas performances “malucas” e eletrizantes, você foi um dos motivos de a banda ter atraído tantos fãs. Em termos de presença de palco, quem foram os vocalistas, ou mesmo outros tipos de artistas, que serviram como referências e o influenciaram?
Pirata: Ramones, Mano Chao e o Angelo (Moore, vocal e sax) do Fishbone, que me falou quando estávamos em tour que íamos morrer no palco, tipo James Brown. Além destas, poderia citar várias outras dos anos 90, mas todo dia vejo alguém que me ensina algo. Estamos sempre aprendendo…
Em seus primeiros anos, o Anjo dos Becos tocava em festivais que uniam música e skate. Como era a relação da banda com esse esporte que, entre os anos 80 e 90, tinha muita ligação com a música pesada, algo que hoje em dia, com o fim do Charlie Brown Jr., parece não ter a mesma força. Por que acham que isso aconteceu?
Pirata: Como comentei, já circulava neste universo e começaram a rolar muitos campeonatos com palco. Além disso, tínhamos apoio de marcas de skate e começamos a rodar o Brasil com a galera do skate, uma época fantástica. Acredito que os anos 90 foram únicos neste sentido de música e skate.
Ainda no campo dos esportes, vocês tinham uma música em homenagem ao saudoso Mané Garrincha porque ele era apelidado de “O Anjo de Pernas Tortas” ou curtem futebol?
Pirata: Na realidade fizemos uma releitura com produção do Bid, que produziu quase todo mundo do groove nos anos 90. Mas a música é do Mentecaptos Eróticos, de Santo André, uma banda fantástica dos anos 90.
Alguns anos antes de gravar o debut, o Anjo dos Becos já era conhecido pelo underground paulistano, assim como as músicas que acabaram entrando em “Funny Fluxo”. Por que só gravaram o álbum em 1995?
Pirata: Demoramos um ano para gravar esse disco, que foi produzido por Geraldo D’arbilly. Depois, foi mais outro parto para lançar com a gravadora Primal. São coisas de Brasil… Foi uma tremenda doideira e o final só poderia rolar uma coisa: merda (risos).
Hoje temos orgulho de estar com a mesma formação por 10 anos e com grandes músicos, também. Todos deram sua contribuição para a longevidade da banda” – Xixa
O single de “Na Noite Somos Todos Iguais” teve exposição em rádio e na MTV, que exibia o clipe, com cenas extraídas de um show em um festival lotado e com centenas de fãs do Anjo dos Becos no Ginásio do Ibirapuera. Como viam a exposição que a banda estava tendo e o que esperavam acontecer a partir daquilo tudo?
Pirata: Na real, ninguém tinha experiência nenhuma e só colava louco para cuidar da banda. Resultado final: merda na cabeça. Uma pena, pois tinha tudo para estourar no Brasil todo, mas isso é passado e o que mais importa é que a música sobrevive.
A formação que gravou as primeiras demos e que atraiu muitos fãs até 1993 consistia de você, Pirata (vocal), Fabá e Marcio Alves (guitarras), Carlão (baixo) e Sandrão (bateria). Muitos fãs ficaram surpresos quando essa formação se desmantelou antes mesmo da gravação de “Funny Fluxo”. Você e Carlão permaneceram, mas por que os outros decidiram sair se muitas coisas boas estavam acontecendo?
Pirata: Tudo estava andando bem, mas quando a casa caiu ninguém aguentou o baque e foi natural cada um buscar uma alternativa para pagar as contas. Eu e o Carlão ainda escrevemos dois discos e aí ele partiu. Hoje só eu o Xixa permanecemos da formação das antigas – e vamos fechar a conta juntos, pois somos parceiros até o fim. Mas devemos muito a todos eles, que foram essenciais para o Anjo dos Becos existir.
Xixa: São muitos anos de história e não é fácil manter o mesmo time, mas eu e o Homes acreditamos sempre. Passamos muito ‘perreio’ juntos, porém hoje temos orgulho de estar com a mesma formação por 10 anos e com grandes músicos, também. Todos deram sua contribuição para a longevidade da banda. Acredito que isto, sim, é o sucesso. Se manter por 25 anos ativos independente de dinheiro ou mídia… Acreditamos no que fazemos e nunca aceitamos interferências por qualquer modismo!
A formação inicial parecia inspirada por bandas como Living Colour e, em se tratando de Fabá e Marcio Alves, eles eram donos de riffs, solos e arranjos técnicos e com influências latentes de hard rock. Já com as formações seguintes, o Anjo dos Becos manteve o lado funk o’ metal, mas assumiu também o ska. Essa transição sonora teve a ver com a saída dos ex-integrantes ou foram os novos que trouxeram outras referências musicais?
Pirata: A evolução foi natural e cada um que chegava colocava algo no caldeirão. No final, o resultado é o último CD ‘Overallrockdelic’ que, para mim, é o melhor trabalho do Anjo.
Estou preparando um documentário chamado ‘Porque na noite somos todos iguais’, que retrata o Anjo dos Becos e as bandas paulistas dos anos 90″ – Pirata
Quando o álbum “Funny Fluxo” saiu, muitos acharam que as músicas perderam a ‘sujeira’ que possuíam quando executadas ao vivo. Na época, também sentiram isso ou ficaram satisfeitos com o resultado?
Pirata: Sim, sentimos. Ao vivo era bem melhor, até minha voz (risos). Por isso que o ‘Overallrockdelic’ é o melhor, porque lembra a banda live. Um luxo.
Se Planet Hemp, Chico Science, Raimundos e Charlie Brown Jr. vingaram no mainstream a partir da década de 90 com um som bem variado e tendo algumas das mesmas referências, por que acreditam que não deram o passo seguinte, assim como ocorreu com Yo-ho-delic, Tiroteio, Pravda, Boi Mamão, Gueto, Rip Monsters, Safari Hamburguers, Muzzarelas, Mentecaptos Eróticos e Jazzzumbi?
Pirata: Como falei, falta de experiência e produtoras despreparadas. Tem que se organizar e trabalhar direito, aí rola – somado com grana, claro. Isso é fato.
Por falar em passado, a quantas anda o projeto do livro contando toda a história da banda, da criação, passando pelas primeiras demos (“Victim Of Society”, de 1991, e “Na Noite Somos Todos Iguais”, de 1993), o disco de estreia (“Funny Fluxo”, 1995), a troca de nome para Sapatos e o retorno até o momento atual?
Pirata: Na real, estou preparando um documentário chamado ‘Porque na noite somos todos iguais’, que retrata o Anjo dos Becos e as bandas paulistas dos anos 90 que colavam com a gente.
Estou com um CD pronto, que conta com várias participações e foi gravado no estúdio do Marcão, ex-Charlie Brown Jr.” – Pirata
Em 22 de abril de 2007, o Anjo dos Becos fez um show no Inferno Club (SP), que contou com a participação de Fabá, Márcio Alves, Sandrão e Carlão – e também de alguns outros ex-integrantes. Em algum momento pensaram em reunir essa formação clássica de maneira definitiva?
Pirata: Não, foi só uma reunião. Eles estão em outra caminhada, mais sossegada. O Anjo dos Becos é muita doideira e se você está sossegado, vai passar mal (risos).
Xixa: Na verdade foi uma comemoração de vinte poucos anos de banda. Fabá, Marcio Alves, Sandrão e outros que saíram se tornaram grandes músicos e temos orgulho de termos dividido o mesmo palco.
O fato de o Anjo dos Becos estar demorando tanto tempo para gravar um novo álbum tem a ver com o mercado musical no Brasil ou com as constantes trocas de formação? Teremos um novo trabalho com músicas inéditas?
Pirata: Como disse, estou com um CD pronto, que conta com várias participações e foi gravado no estúdio do Marcão, ex-Charlie Brown Jr., em Santos. Foi mixado por Apolo 9 e Roy Cicala, que gravou Kiss, John Lennon, Elton John e vários outros. Estamos negociando distribuidora, aguardem… Funny Fluxo sempre. Acreditem sempre, valeu!