Tom Brasil recebeu muito heavy metal na noite de quinta-feira (09)
Que tal passar uma noite ouvindo Anthrax e Accept, duas grandes bandas de estilos diferentes de metal em uma quinta-feira que, para muitos, é um dia da semana sem nada muito interessante para fazer? Foi essa questão que muitos headbangers responderam com um sonoro “sim!” para se dirigirem ao Tom Brasil na noite de ontem (09). Aliás, o Tom Brasil consolida-se como o sucessor direto do extinto Via Funchal como melhor casa de shows de São Paulo no momento. Além de o som estar sempre bom, há uma coisa que todos os locais deviam ter: lugares um pouco mais altos na pista para que pessoas com problema de altura (como eu, por exemplo) possam ver o show tranquilamente. Isso é essencial.
A abertura ficou a cargo da ótima King of Bones, uma das boas revelações do metal brasileiro nos últimos anos. Tocando músicas de seus dois álbuns, “We Are The Law” (2013) e “Don’t Mess With The King” (2016), a banda não encarou uma tarefa fácil, mas se saiu muito bem. Júlio Federici (vocal), Rene Matela (guitarra), Rafael Vitor (baixo) e Renato Nassif (bateria) mostraram muito entrosamento e conseguiram respeito do público, que ainda estava chegando ao local.
Destaque para os backing vocals, que soaram muito bem ao vivo (isso não é fácil), especialmente na música “Hold Me Closer”, conhecida pelo videoclipe. E eles ainda mostraram que dá, sim, para incrementar um show mesmo sendo banda de abertura, com bolas gigantes de plástico sendo jogadas para o público em “Walking on the Edge” e distribuição de dinheiro de papel em “We Are The Law”, no melhor estilo Alice Cooper quando toca “Billion Dollar Babies”. Um bom exemplo de banda que teve a oportunidade e soube aproveitá-la. “Não vou nem tentar resumir em palavras a sensação que sentimos do palco, pois será impossível! Nós só temos a agradecer ao público, que nos recebeu de braços abertos enquanto demos o nosso melhor ali em cima”, comentou Julio Federici. “Agradecimento especial ao Anthrax e Accept por tornarem isso possível. Duas lendas vivas do metal, que representam por tantos anos o nosso estilo em todos os cantos do mundo. Nós, bandas da nova geração do metal, devemos muito a esses caras”, acrescentou o vocalista.
Após um rápido intervalo, o grupo alemão Accept entrou no horário marcado no cronograma, às 21h40, e veio com um som de guitarra tão alto que chegou a assustar! Aliás, tudo soava claro e nítido, mas numa altura absurda. Abriram com a ótima “Die By The Sword”, do bom último álbum, “The Rise Of Chaos”, e seguiram com “Stalingrad”, muito bem recebida pela plateia, que cantou os coros durante todo o set.
É difícil não prestar a atenção no guitarrista Wolf Hoffmann dada a sua altura e, claro, muita presença de palco, assim como demonstraram Peter Baltes (baixo) e Uwe Lulis (guitarra), com as coreografias ensaiadas e a vibração habitual. Porém, deve-se salientar como Mike Tornillo está cantando bem e a voz não falhou em nenhum momento. Na sequência, dois clássicos: “Restless and Wild” e a excelente “London Leatherboys”, de “Balls to the Wall” (1983). Voltaram para a fase mais recente com “Final Journey”, presente no penúltimo álbum, “Blind Rage” (2014), e uma coisa é clara: as músicas novas soam muito bem ao vivo. Em alguns casos, como essa última, bem melhor do que em estúdio. Aliás, a performance absurda do baterista Christopher Williams até as engrandece, pois ele toca solto, com muita precisão, faz suas firulas, desce a mão até no gongo (lembrando o saudoso John Bonham), mas sempre parece estar se divertindo. Por sinal, não só ele. Todos os músicos do Accept demonstram tocar com paixão e dão o máximo em cima do palco, que, além de um belo cenário, estava com um backdrop gigantesco com a arte de “The Rise of Chaos” ao fundo – o King of Bones até pagou o preço, pois não pôde usar o seu pano de fundo por causa da cenografia do Accept.
Depois, um das minhas prediletas pessoais do novo álbum (por causa da letra), “Analog Man”, e “No Regrets”, encerraram a execução das faixas mais novas. Seguiram com “Princess of the Dawn”, com refrão cantado em uníssono, a surpreendente e acelerada “Objection Overruled” e a idolatrada “Fast as a Shark”, na qual os brasileiros puderam “testar” seu alemão cantando a ‘intro'(“Ein Heller und ein Batzen”). Aí foi a vez de “Metal Heart”, com a tradicional citação a “Für Elise” de Beethoven no meio, o novo clássico “Teutonic Terror”, de “Blood of the Nations” (2010), e o final tradicional com “Balls to the Wall”. Como dito, as músicas novas soam muito bem ao vivo, a banda está rejuvenescida e soando excelente, mas, em um show mais curto como esse, alguns clássicos mais antigos fazem falta.
A espera foi um pouco mais longa, mas pontualmente às 23h30, ouviu-se a intro de “The Number of the Beast”, do Iron Maiden, seguida de “I Can’t Turn You Loose” de Otis Redding na versão dos Blues Brothers. Era a deixa para o Anthrax entrar no palco. Um palco bem legal, diga-se de passagem, com rampas para os músicos subirem e ficarem mais altos. A abertura foi para detonar tudo com a ótima e trintona “Among the Living” e, aqui, cabe uma observação: muita gente sabe que a letra é baseada no ótimo livro “A Dança da Morte”, de Stephen King, e, em determinado momento, é citado “Captain Trips”, nome dado ao vírus que dizima uma boa parte do mundo na história. O que muita gente não sabe é que “Captain Trips” foi uma homenagem do autor a Jerry Garcia, líder e fundador do Grateful Dead, que tinha esse apelido.
O show parecia um greatest hits, com o claro e numa altura perfeita. Seguiram com “Caught in a Mosh”, também de “Among the Living”, o ótimo cover de “Got The Time” (Joe Holmes) e “Madhouse”. O guitarrista Scott Ian continua insano no palco, pulando e agitando como se ainda fosse um garoto. E dá para sentir que ama o Anthrax como se realmente fosse seu filho.
Na sequência duas do álbum novo, “Fight’ Em Til You Can’t” e a boa “Breathing Lightning”. Nessa última, a guitarra de Jonathan Donais teve algum problema (de longe parecia que uma corda estourou) e ele tocou um pedaço da música com outra e finalizou com a que havia começado. Voltou-se à saraivada de clássicos com “Medusa”, “I Am The Law” (aquela de Judge Dredd, personagem de história em quadrinhos que já ganhou adaptações para o cinema) e até “March of the S.O.D.”, cover do interessantíssimo projeto de punk/hardcore S.O.D., que tinha Scott Ian nas guitarras, Charlie Benante na bateria, Danny Lilker (Nuclear Assault, Brutal Truth e outros) no baixo e Billy Milano (M.O.D.) nos vocais. Era incrível a energia que a banda passava do palco! Joey Belladonna (vocal) ainda em forma e Frank Bello (baixo) se movimentando tanto quanto Scott.
“Blood Eagle Wings” foi a próxima, seguida das excelentes “Be All, End All”, “Efilnikufesin (N.F.L.)” e o cover do Trust, “Antisocial”, que teve seu refrão cantado a plenos pulmões pelo público. O bis era óbvio. Todo mundo sabia o que aconteceria e a galera já começou a se agitar assim que Benante começou a intro com bumbos tribais. Aliás, para alguém que passou por um problema de túnel de carpo (explicado pelo próprio em entrevista aqui para o Rockarama), o cara está espancando a bateria com gosto! Enfim, “Indians” fecharia a apresentação em grande estilo. Porém, no meio, na hora do tradicional grito “Wardance”, a deixa para as rodas se abrirem, a banda parou e Scott Ian assumiu o microfone para dizer: “Olha, eu sei que muitos de vocês não querem entrar na roda. É muito maluco. Não precisa. Porém, podem balançar a cabeça, pular sem parar e se forem muito preguiçosos só mexer os braços, mas todo mundo tem que se movimentar!” Um momento curioso, mesmo porque, ao lado direito do palco, na pista normal, houve uma roda que não parou um segundo sequer durante o show do Anthrax. Quando a banda voltou, mais duas rodas se abriram, enquanto o público soltava a voz no refrão.
Após o final, na hora dos agradecimentos, Belladonna começou (sabe Deus porquê) a cantar as primeiras estrofes de “Closer To The Heart” do Rush, e, para surpresa dele, o público cantou junto! Um bom exemplo da simbiose que rolou entre banda e fãs. Ainda antes de sair de vez, o vocalista disse: “Adeus e lembrem-se: Long Live Rock N’ Roll”. Foi a deixa para o som mecânico colocar o grande sucesso do Rainbow para tocar. Aí, houve uma cena muito legal: todos saíram do Tom Brasil entoando o refrão! Sim, eu consigo pensar em várias formas agradáveis de se passar uma quinta-feira à noite, mas essa ganhou!