Lendária banda canadense aproveita dez anos numa situação em que nunca esteve antes

Steve "Lips" Kudlow e Robb Reiner | Foto: Rudy De Doncker

Se você é uma banda que produz singles de sucesso, pode se dar ao luxo de passar de 4 a 5 anos entre seus lançamentos. Porém, quem não tem isso deve continuar” – Steve “Lips” Kudlow

Com o recém-lançado “Pounding the Pavement” (SPV/Steamhammer), o Anvil chega ao seu décimo sétimo álbum de estúdio tentando fazer as coisas da forma mais natural possível. “No fim das contas, o que eu mais busco é ser espontâneo. E isso demora anos para se conseguir, porque você tenta ter controle sobre sua composição e quanto mais tenta fazer isso, mais difícil é. Logo, a coisa mais vantajosa a se fazer é desencanar, então você não pensa muito”, declarou o vocalista e guitarrista Steve “Lips” Kudlow.

Pode não se pensar na composição, mas a atual maré da banda merece reflexão. Afinal, é que os estimula a continuar a fazer músicas novas, segundo o baterista Robb Reiner: “Poder continuar sua arte é a chave para manter a banda na ativa. É o que se chama de momentum musical e temos trabalhado muito para construir isso. Sentimos que estamos numa maré boa agora. Fizemos 200 shows na última turnê e já temos 100 marcados para essa”.

Claro, não se deve esperar ver uma música do Anvil entrando numa parada de singles de sucesso em um futuro próximo. “Esse é outro aspecto importante a se considerar: se você é uma banda que produz singles de sucesso, pode se dar ao luxo de passar de 4 a 5 anos entre seus lançamentos. Porém, quem não tem isso deve continuar injetando música nova para manter as coisas interessantes”, explicou Lips.

Anvil - "Pounding the Pavement"

Esse novo modelo [Pledge Music] é uma das coisas mais sensacionais que já aconteceu, porque você aceita sugestões de pessoas que realmente gostam do que você faz” – Robb Reiner

Lips e Reiner adoram o contato direto com os fãs para lançamentos através da Pledge Music. “Esse novo modelo é uma das coisas mais sensacionais que já aconteceu, porque você aceita sugestões de pessoas que realmente gostam do que você faz. Há pessoas que pagaram para cantar conosco no álbum. É incrível a conexão”, exaltou o baterista.

Lips, inclusive, se coloca na situação de um fã com uma oportunidade como essa: “Os mais fanáticos têm a oportunidade de realizar um sonho. Se soubesse que uma das minhas bandas prediletas quando eu era garoto, digamos, o Captain Beyond, estava disponibilizando a oportunidade de passar o dia com eles no estúdio, tocando um set inteiro para mim com minhas músicas favoritas e ninguém mais lá por 500 dólares, eu pagaria? Sem pestanejar! E esse é o tipo de coisa que acontece.”

O fundador do Anvil conta que um fã chamado Axel, que é dono de uma padaria na Alemanha, comprou um dia no estúdio com a banda. “A gente achou que ainda ia estar gravando, mas estávamos no estúdio esperando o tempo passar, porque já tínhamos terminado tudo. Como tínhamos que ensaiar porque sairíamos para a turnê, fizemos o set com ele presente.”

Tratar da experiência em estúdio leva a relação do Anvil com o saudoso produtor Chris Tsangarides, falecido em 7 de janeiro último: “Ele era fã de heavy metal! Conhecia tanto que se podia falar com ele sobre isso da mesma forma que conversamos entre nós. Tinha um profundo conhecimento sobre toda música que veio de Elvis para frente”, observou Lips. “A vantagem é que ele tinha um gosto mais eclético que o nosso. Além disso, sabia nos elevar psicologicamente, descobrir como funcionávamos e fazer o trabalho que precisava ser feito. Trabalhamos três vezes com ele. Era muito bom por um lado, mas havia certas coisas que não eram, como qualquer relacionamento. O que é natural, somos todos humanos”, acrescentou.

Chris Tsangarides foi o responsável pela produção dos dois álbuns que até hoje são considerados os maiores clássicos da história do Anvil: “Metal On Metal” (1982) e “Forged In Fire” (1983). E eles são como uma benção e uma maldição na visão de Reiner: “Os álbuns foram além do que imaginávamos. Não conseguimos viver sem eles, mesmo tendo lançado alguns nesses últimos anos que, modéstia à parte, estão à altura desses. Mas os críticos não querem saber, porque eles só se lembram daqueles álbuns, naquele momento. São clássicos e é assim que funciona.”

Robb Reiner e Steve "Lips" Kudlow | Foto: Ross Halfin

Tínhamos a sonoridade que se tornou o som que outras bandas tiraram de nós e nos agradeceram por isso. É engraçado como as coisas aconteceram” – Robb Reiner

Entre a gravação desses discos clássicos que o grupo canadense se viu em uma situação que beirava o inacreditável: abrir a turnê canadense do Aerosmith em 1982, por causa da ligação com o empresário David Krebs. “Basicamente para nós foi Krebs nos colocando na vitrine para ver do que éramos feitos. Roubamos o show na primeira noite e ele achou que tínhamos dado sorte; repetimos a dose na segunda e ele não se conformava. Depois do terceiro, percebeu que éramos para valer. Ele nos deu vários shows grandes como uma audição para ele, por assim dizer”.

Na visão de Lips, o que parecia um sonho acabou prejudicando a carreira da banda a longo prazo: “Estávamos no meio da gravação das bases para ‘Forged in Fire’. O que aconteceu foi que Krebs se interessou por nós depois que Ross Halfin (fotógrafo) falou para ele de uma banda chamada Anvil. Éramos jovens e ficamos enfeitiçados por ter um grande nome interessado em nós. Acontece que ao mesmo tempo, Johnny Z (N.T.: Jon Zazula, fundador da Megaforce Recods, que lançou, entre outros, o álbum ‘Kill’ em All’ do Metallica) estava organizando um show independente na costa leste dos EUA e queria ser nosso empresário e nos tornar grandes. Nesse meio tempo, fomos fisgados por David Krebs. A escolha era óbvia! Íamos tocar com Scorpions e eu acabara de conhecer Steven Tyler! Mas, infelizmente, ele não entendeu o que era o Anvil e não sabia o que fazer conosco.”

Isso realmente custou caro. Várias bandas que surgiram após o Anvil e a citam como influência usaram a planta da banda canadense e encontraram o sucesso, como revelou Reiner: “Tínhamos a sonoridade que se tornou o som que outras bandas tiraram de nós e nos agradeceram por isso. É engraçado como as coisas aconteceram.”

Durante esse, digamos, “sonho de uma noite de verão” que a banda viveu sob a batuta de Krebs, o Anvil teve a oportunidade de tocar no festival Super Rock’84 no Japão, ao lado de Whitesnake, Michael Schenker Group e Scorpions. “A Attic Records tinha um funcionário chamado Danny Nishimira, que tinha ligações com muita gente de dinheiro, e foi ele quem nos conseguiu um contrato com a Polydor no Japão e nos levou para tocar lá em 1983. Dessa ligação, Krebs conseguiu coordenar com todos os outros managers e organizar o que se chamou Super Rock ’84. Logo, o mesmo promotor que nos levou para lá antes, se tornou ‘O’ cara para esse evento”, explicou Lips.

Quando um cara que já escreveu para Steven Spielberg senta na sua frente e diz que vai fazer um filme sobre você, tem que perceber que não é um bobo qualquer com uma câmera” – Robb Reiner

Com o fiasco do management de David Krebs, o grupo se viu sofrendo muito por quase 25 anos, até que o cineasta Sascha Gervasi, que era fã da banda, resolveu contar a história deles em um filme, lançado em 2007. “A ideia foi toda de Sascha. Ele havia nos conhecido 25 anos antes e descobriu que continuávamos na ativa. Não acreditou que não tínhamos alcançado o que merecíamos. Havia trabalhado em Hollywood com Steven Spielberg (N.T.: Gervasi é o roteirista de “O Terminal”) e simplesmente teve a ideia de fazer um documentário contando nossa história. Basicamente foi isso”, contou Reiner. “Mas o ângulo dele era mostrar o que estávamos fazendo hoje”, completou Lips.

A repercussão da película transformou a sorte da banda, embora os dois integrantes divirjam um pouco sobre as expectativas que tinham a respeito dele. “Estávamos envolvidos em várias coisas, ele filmou por alguns anos e isso se tornou o filme que todos conhecem. Sem percebermos, virou algo que nos catapultou para o espaço sideral”, analisou Reiner. “Quando um cara que já escreveu para Steven Spielberg senta na sua frente e diz que vai fazer um filme sobre você, tem que perceber que não é um bobo qualquer com uma câmera. Pelo amor de Deus, é alguém de Hollywood, que já trabalhou com o maior nome que existe! Comecei a chorar na hora. Essa era a chance que estava nos meus sonhos antigos”, disse Lips. “Após o fracasso da situação com David Krebs, eu sabia que a próxima vez que tivesse uma oportunidade seria quando um dos garotos que ama a minha banda crescesse e se tornasse um magnata de algum tipo e me abrisse as portas. E foi exatamente isso que aconteceu”, completou.

A despeito da diferença nas expectativas, o fato é que “Anvil! A história de Anvil”, disponível na Netflix entrou para o panteão dos filmes clássicos de rock, embora seja uma história real e não uma ficção. Isso estará marcado para sempre na história da banda, mas eles nem cogitam descansar em cima da recompensa. “Não percebemos na época o que o filme se tornaria: uma sombra sobre nós que jamais irá sumir. Se tornou um modelo de clássico de proporções absurdas. Mas isso era tudo desconhecido. Acabou revolucionando a indústria musical por um tempo, pois todas as bandas queriam fazer um filme igual ao do Anvil. Eu e Lips aproveitamos o sucesso para continuarmos com nosso trabalho”, explicou Reiner. “Gravamos álbuns e estamos na estrada há dez anos depois disso. Nós não sentamos nos louros da vitória do filme, ser um sucesso e ignoramos tudo. Fizemos exatamente o contrário”, acrescentou.

Dado como a vida dos integrantes mudou, seria interessante uma sequência mostrando tudo o que aconteceu depois, algo que não está descartado dos planos. “Existem 50 minutos disso filmado há quatro anos e se o diretor decidir finalizá-lo; acho que irá”, contou Reiner. “Ele está absurdamente ocupado por causa da quantidade de trabalho que o filme original lhe rendeu”, concluiu Lips.

Anvil | Foto: Rudy De Doncker
Anvil | Foto: Rudy De Doncker

Transcrito e traduzido por Carlo Antico.

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