Com a fluidez de um bom cronista e a sensibilidade de um poeta, em “Born to Run” Bruce Springsteen relata sua história de vida de maneira ampla e reflexiva
Para falar sobre a autobiografia de Bruce Springsteen, não há como eu começar sem citar um trecho no qual “The Boss” lembra da cena musical de sua juventude, nos idos de 1964, onde a hegemonia dos Beatles e dos Rolling Stones preenchia os corações e sonhos de jovens idealistas, ávidos por algo mais:
“Pensem nisso dessa forma: em 1964, milhões de jovens viram os Stones e os Beatles e pensaram ‘Aquilo parece divertido’. Alguns deles foram à rua e compraram instrumentos. Alguns deles aprenderam a tocar um pouco. Alguns deles ficaram bons o suficiente para talvez se juntarem a uma banda local. Alguns talvez tenham chegado a gravar uma demo. Alguns talvez tenham tido a sorte de obter um contrato discográfico. Uns poucos deles podem ter vendido alguns álbuns e feito alguns shows. Uns poucos deles talvez tenham alcançado um pequeno sucesso, uma curta carreira na música, e conseguido obter um modesto ganha-pão. Muito poucos deles talvez tenham conseguido ganhar a vida como músicos, e pouquíssimos podem ter alcançado um sucesso contínuo que lhes tenha trazido fama, fortuna e um imenso reconhecimento – e, nessa noite, um deles acabou entre o Mick Jagger e o George Harrison, um Stone e um Beatle. Não tive ilusões acerca das probabilidades de que, em 1964, esse único pudesse ser o garoto de 15 anos de Freehold, com a cara cheia de espinha e uma guitarra Kent usada.” – página 402 de “Born to Run”.
Esse tímido garoto de 15 anos era chamado todo domingo de manhã, pelo seu avô italiano, de “BAAAARRRRUUUUUUUUCE”, para receber um dólar e um beliscão. Para nós, trata-se daquele que ficou mundialmente conhecido como Bruce Springsteen. Essas pequenas histórias estão, como tantas outras, relatadas magistralmente na sua autobiografia, lançada pela Editora LeYa, em 2016, com o nome de “Born to Run” (veja aqui).
De 1975, o álbum “Born to Run” é uma obra-prima na história do rock, reconhecido por público e crítica. Excelentes arranjos, letras que falavam diretamente com a realidade, com uma banda de alto nível e boas composições. Apesar de ser, como um todo, um álbum fantástico, seu ponto alto é a faixa que dá nome ao disco, “Born to Run”. Não seria exagero dizer que ela possui um dos melhores arranjos já feitos na história do rock, constando, inclusive, em diversas listas oficiais de melhores músicas de todos os tempos.
Bruce Springsteen, em 2016, como escritor, não vai decepcionar os fãs do álbum “Born to Run”, usando seu nome em vão. Seu livro autobiográfico recebeu o mesmo nome do famoso álbum e faz, sim, jus à lenda criada por ele. Tal como músico, ele cumpre sua função de escritor de forma honesta, humilde, sensível, envolvente e vai além do esperado.
“Born to Run” é volumoso, tem quase 500 páginas (já contando com as 16 páginas de fotos ao final), e nelas o tempo transcorre lentamente, de forma suave, nos levando a conhecer a vida do ídolo desde sua infância em uma pequena e atrasada cidade de New Jersey, até sua consagração como grande astro do rock.
A narrativa segue o tempo cronológico. O leitor consegue facilmente se envolver e sentir-se como parte dela. Ao menor sinal de cansaço, pode-se dar uma pausa na leitura que será retomada sem nenhuma dificuldade posteriormente, com a mesma naturalidade em que se vive um dia após o outro. Família, multiplicidade cultural (descendente de famílias italiana, irlandesa e holandesa), persistência, determinação, religiosidade, violência, egocentrismo e a luta contra a depressão são temas centrais da obra que levou sete anos para ser concluída. Segundo o próprio autor, ela foi realizada “sem pressa ou qualquer prazo”, como se fosse um longo processo de terapia e aceitação pessoal que tem como clímax a reconciliação entre pai e filho.
Vale observar que o livro ficou tão bom, que existem até propostas para transformar “Born to Run” em musical. Coincidência ou não, acontecendo ou não, há relatos de que Bruce já está preparando um série de shows de pequeno porte em um teatro da Broadway, sobre os quais você pode saber um pouco mais aqui.
Seja como for, o que temos é uma obra indispensável aos fãs de Bruce Springsteen, do rock e de boas histórias de vida. Coloque “Born to Run” no fone de ouvido e boa leitura.