O ex-guitarrista do Kiss dá detalhes sobre o álbum “Revenge”, que completa um quarto de século
Quando me perguntam qual meu álbum favorito do Kiss, eu tenho que dizer que é ele (…) E que título! Ele foi específico para quantas vezes as pessoas desprezaram o Kiss” – Bruce Kulick
Quando o Kiss era uma das maiores (senão a maior) banda do mundo, na segunda metade da década de 70, as pesquisas de opinião sobre os integrantes prediletos dos fãs davam o guitarrista Ace Frehley em primeiro lugar. Logo, quando ele saiu, deixou um vazio grande para ser ocupado. Tão grande que Vinnie Vincent e Mark St. John (a despeito de seu problema nas articulações) não conseguiram. Foi preciso a chegada de Bruce Kulick para esse problema ser resolvido. Com muito talento e humildade, não só ele se solidificou no grupo, como ganhou um lugar eterno no coração dos fãs. Ainda como o integrante novo em “Asylum” (1985), “Crazy Nights” (1987) e “Hot In The Shade” (1989), foi em “Revenge” (1992) que Kulick brilhou definitivamente. E foi para falar sobre isso e seu novo projeto, ao lado de sua mulher Lisa Lane Kulick, que batemos um longo e produtivo papo com o guitarrista.
Estamos em maio de 2017, então temos os vinte e cinco anos de “Revenge” do Kiss. Eu pensei que fazia uns quinze, mas quando vi que eram vinte e cinco…
Bruce Kulick: É, eu sei. Olhei aqui para a placa que ganhamos na Hollywood Rock Walk e era maio de 1992. Nós pusemos nossas mãos lá, em frente ao Guitar Center em Hollywood na época do lançamento de “Revenge”. Não acreditei quando vi que já faz 25 anos.
Eu sabia que Lisa cantava, mas nunca havíamos trabalhado em nada. Preparamos um pequeno set e meu irmão se juntou a nós” – Bruce Kulick
Penso que essa é a marca de um grande álbum, pois depois de vinte e cinco anos as pessoas ainda estão interessadas e querem falar sobre ele. Mas, antes disso, você lançou uma música com sua esposa, Lisa. Vai ficar só nessa ou poderemos ter um álbum completo?
Kulick: Eu não sei. O que eu posso dizer é que há sete anos eu tive vontade de fazer alguma coisa com Lisa, porque foi quando meu pai morreu. Minha mãe estava em uma dessas casas de repouso e disse que nessas situações a família faz algum tipo de homenagem. Ela disse que adoraria que eu tocasse e, como sabia que Lisa cantava, queria que fizéssemos alguma coisa. Como vou dizer não para minha mãe sofrendo? Eu sabia que Lisa cantava, mas nunca havíamos trabalhado em nada. Preparamos um pequeno set e meu irmão (N.T.: o também guitarrista, Bob Kulick) se juntou a nós. Tocamos “Somewhere Over the Rainbow” e coisas assim, porque ela tem uma grande voz e, por mais que ela adore rock, seu grande amor são os standards americanos de gente como Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr., Judy Garland e Barbara Streisand. Ela é grande fã de Heart, Pat Benatar, mas não dava para tocar isso numa casa de repouso (risos). Porém, percebi que tinha alguma coisa ali. Alguns anos mais tarde, em 2014, no nosso casamento, Lisa sugeriu que gravássemos a música com a qual fôssemos fazer nossa primeira dança. Então gravamos “I Dreamed of You”, que inclusive está no iTunes e aí ela cantou bem mais como Barbara Streisand. Aliás, é uma música dela e funcionou bem. Gene, Paul e Eric estavam no casamento e sabiam que ela iria cantar e eu a acompanharia junto com um pianista, fazendo uma guitarra de jazz, mas todos ficaram impressionados com a química que apresentamos. Chegamos a cogitar fazer um EP de Natal porque, apesar de eu ser Judeu, ela não é e eu adoro algumas canções natalinas. Íamos fazer isso, mas ano passado minha mãe teve vários problemas de saúde, que graças a Deus estão resolvidos, e depois outras questões em casa que não podíamos deixar passar. Enfim, no Natal gravamos “Christmas Time is Here” na nossa sala de estar e postamos no Facebook. Foi um sucesso incrível, mas o Facebook tirou do ar porque a Universal alegou violação de direitos autorais. Fizemos a versão do filme do Snoopy. Ainda está no YouTube e quero dizer que não ganhei dinheiro nenhum com isso. Mas foi o que acendeu a chama para fazermos mais coisas.
No que resultou a experiência?
Kulick: Bem, ela tem ideias bem originais e, no fim, começamos a brincar com outra música que também usamos no casamento, chamada “If Could Show You”. Essa estava no meu álbum “BK3” e tinha vocal masculino, mas Lisa disse que queria cantar. Quando vimos, já tínhamos resolvido fazer uma produção total em estúdio, com baixo, bateria, solo de guitarra. Foi um pouco estressante por causa do desafio de fazer a voz da minha esposa se encaixar no que sou conhecido e gosto de fazer. Se fosse uma do Frank Sinatra ninguém ia esperar nada, mas sendo uma mais ou menos rock, é um desafio. Foi um sofrimento, mas as melhores coisas sempre saem assim e não causou muitas brigas. É duro ter que dizer para sua esposa: “O que está fazendo?”, algo que precisei fazer quando estávamos gravando. Contudo, tenho muito orgulho do resultado final. Tocamos ao vivo na Kiss Convention em Indianápolis, além de alguns covers do Kiss, claro, incluindo “Every Time I Look At You”, que está no “Revenge”. Ainda bem que alguém filmou, está no meu Facebook. Quero continuar a fazer coisas assim com ela!
Eu sabia que Eric Carr profeticamente havia dito para ele [Eric Singer]: ‘Você vai me substituir na banda’. Não sei por que ele falou isso, mas falou” – Bruce Kulick
Vamos falar de “Revenge”, o primeiro álbum do Kiss nos anos 90. Eric Carr tinha falecido e vocês vinham de “Hot in the Shade”, que tem alguns sucessos mas obteve uma recepção morna. Os fãs do Kiss gostaram, mas os outros não ligaram muito. Quais eram as pressões na hora de gravar? Tinham que substituir um integrante, o cenário musical havia mudado, ninguém mais tocava “hair metal”… Chegaram a pensar que tinham que se redefinir?
Kulick: Não. Há sempre muitos fatores envolvidos quando uma banda vai lançar um álbum. Como você disse, a cena estava mudando um pouco. Acho que o maior impedimento para um sucesso maior de “Revenge” foi a força do grunge. Isso fez com que o álbum fosse mais ignorado do que o normal. Começou com um grande desejo de trabalhar com Bob Ezrin. Vamos lembrar que, tecnicamente, o álbum começou com uma música numa trilha sonora, “God Gave Rock and Roll To You” (N.T.: parte da trilha de “A viagem fantástica de Bill & Ted”), que estava sendo produzida por Bob. O estúdio queria o Kiss e achavam que essa música seria ótima. Gene e Paul mudaram a letra da versão original (N.T.: a versão original é do Argent) e fizemos o arranjo. A música está no álbum e esse foi o sinal de que Bob era o que a gente procurava. No Kiss havia esse drama sobre ele: sempre soubemos que ele era brilhante, mas eu não estava no “Destroyer” ou “The Elder” (N.T.: álbuns produzidos por Bob Ezrin). Gene e Paul diziam que em “Destroyer” Bob estava bem, mas no “The Elder” nem tanto. Mesmo assim, há gente que acha que “The Elder” o melhor álbum. Enfim, Ezrin deixou claro desde o início que iria comandar tudo e ajudaria a compor algumas músicas e produzir mesmo. Demorou quase um ano, porque Eric Carr enfrentava em câncer terrível e não se sabia quem iria tocar bateria. Não dava para colocá-lo no estúdio, pois seria muito pesado para Eric. Não era justo. Pensamos em contratar um baterista de aluguel como Aynsley Dunbar (UFO, Whitesnake, Journey), mas acabou que Eric Singer, da banda solo de Paul, estava em Los Angeles. Ele ainda não era integrante do Kiss, mas serviu para fazermos as gravações. Nessa música especificamente [“God Gave Rock and Roll To You”], por causa de problemas com a agenda, acho que não é ele quem toca. Deve ser Kevin Valentine (The Lou Gramm Band, Cinderella), porque Eric teve que ir fazer shows com Alice Cooper na Costa Leste. Quando Eric Carr morreu, nós ainda estávamos gravando. Fui ao enterro em Nova York e, assim que retornei a LA, a banda havia encontrado um solo de Eric Carr que eu nunca tinha ouvido.
“Carr Jam 1981″…
Kulick: Sim, falaram que era para eu tocar junto, pois seria um tributo a Eric. Liguei minha Les Paul e comecei a fazer uns riffs e, olha, foi a melhor terapia para mim após perder um membro da família menos de um ano depois de ele dizer que não estava bem. Foi dramático. Aí, todos os olhos se voltaram para Eric Singer. Ele tocava bem, mas faríamos dele o novo integrante? Eu não tinha poder de voto nisso, mas sabia que ele seria o cara certo. Além disso, eu sabia que Eric Carr profeticamente havia dito para ele [Eric Singer]: “Você vai me substituir na banda”. Não sei por que ele falou isso, mas falou. E agora ele está na banda há mais tempo do que qualquer outro baterista. Aliás, é o integrante há mais tempo, atrás apenas de Gene e Paul.
Eu sempre achei que Eric Singer se encaixou muito bem, mas você mencionou Aynsley Dunbar e Kevin Valentine, que toca no álbum. Sempre achei que houve cinco bateristas que fizeram teste para tocar em “Revenge”. Lembra quem foram eles?
Kulick: Olha, Aynsley com certeza, porque era uma cara de nome. Eu lembro de ele ir a um dos estúdios de ensaio, porque eu estava lá. E eu também lembro que em uma tarde, fizemos jams com vários bateristas. Agora, se você sabe o nome desses outros eu adoraria saber, porque eu não me lembro. Isso foi provavelmente em 1991, faz muito tempo…
Vinte e seis anos, é incrível!
Kulick: Eu sei. E vou lhe dizer que foi estressante não termos baterista. O nosso estava muito doente para tocar e estávamos comprometidos em ter Bob Ezrin, o orçamento e as músicas. E eu estava ouvindo as músicas que apareciam, Gene estava contribuindo muito. Eu só tinha “Tough Love” até aquele momento, mas achava que era uma grande faixa. Ezrin estava ajudando com as composições porque sempre teve muito talento para isso. As composições eram ótimas e eu sabia que algo de bom estava para acontecer.
Um dos melhores momentos da minha carreira foi ter a oportunidade de trabalhar com Bob Ezrin (…) Eu gosto de descrevê-lo como um professor maluco” – Bruce Kulick
Vamos falar de Bob Ezrin. Claro, seus álbuns com Pink Floyd, Kiss e Alice Cooper são todos ótimos e reverenciados. Eu, pessoalmente, sinto que Ezrin faz álbuns solo e tem bandas diferentes para tocar neles, no sentido de controlar a sonoridade, se envolver na composição, na orquestração… Você também sentiu que quando Bob entra se torna o projeto dele? Gene e Paul são nomes grandes. Houve um toma lá da cá ou foi “Não, vocês vão fazer isso, cantar aquilo”?
Kulick: Olha, tenho que ser honesto com você, pois acho que um dos melhores momentos da minha carreira foi ter a oportunidade de trabalhar com Bob Ezrin por quase um ano nesse álbum. Eu gosto de descrevê-lo como um professor maluco. Gostaria de dizer que ele estava no comando, mas não fez um álbum dele. Fez o melhor álbum do Kiss que Gene, Paul e eu poderíamos fazer. E tudo que precisava ser feito, nós fizemos. Mudança de tom, tocar de uma certa forma. Sim, passei uma tarde inteira com ele criando um solo, descobrindo nota por nota. Quando acabamos, eu dobrei e até tripliquei algumas partes. Fizemos uma pausa e, quando voltamos e ouvimos, ele disse: “Odiei, apague”. E aí começamos tudo de novo. Esse é o professor maluco. Mesmo assim, eu juro para você que quando estávamos fazendo “Revenge” e eu ouvia o que gravávamos, mesmo para um perfeccionista como eu, estava tudo 99% maravilhoso. Eu estava mais empolgado do que nunca que Gene e Paul queriam trabalhar com ele. Eu não acho que houve alguma vez que eles discordaram totalmente do que Bob havia feito. Nada estava tão em controle dele como um álbum solo do modo que você descreveu. Eu acho que ele eleva um artista ao nível mais alto que ele possa chegar. Todos os solos ali eu toquei como se minha vida dependesse disso, e é por isso que quando os toco ao vivo hoje posso fazer igual, porque tenho muito orgulho deles. “Unholy”, “Tough Love”, “Heart of Chrome”… Toquei baixo no álbum também em “Tough Love”, “Every Time I Look at You”… Bob e os outros dois sempre se importaram com o que faz a música funcionar. É um álbum excelente, não há nenhuma música ali para tapar buraco!
Quando as pessoas me perguntam quais são meus três discos prediletos do Kiss, sempre digo: “Creatures of the Night”, “Revenge” e o primeiro autointitulado, porque oito das músicas dele ainda estão no set-list!
Kulick: Sim, estou mais familiarizado com as versões ao vivo do primeiro, mas sem dúvida, foi o álbum que os colocou no mapa.
Vinnie Vincent (N.T.: guitarrista do Kiss no primeiro álbum sem máscara, “Lick It Up”) retornou e compôs com você para “Revenge”. Como foi a ligação entre vocês, se é que houve alguma? Ele estava em um local com vocês ou só mandou alguma coisa “por fax”?
Kulick: É, tenho grandes histórias sobre isso, mas tudo se resume a um encontro que tive uma vez na casa de Gene e ele já estava indo embora e fez questão de mostrar as bolachas que tinha levado para Gene, o que achei bem engraçado. Agora, qual música eles trabalharam ou que tentavam desenvolver, eu não faço ideia, não ouvi nada. Eu sei que há histórias sobre ele estar no estúdio, mas nunca o vi por lá. Poderia ser em um estúdio para demos com Gene em algum momento? Com certeza. Eu nunca o vi no estúdio. Quando ele trabalhava com Bob e Paul – e eles sempre trabalhavam juntos – eu não estava lá, então não sei, mas tenho certeza que era na casa de Paul. A contribuição dele foi ótima, mas me lembro de ficar incomodado de citarem que ele disse ter feito o solo de “Unholy”.
Eu ia perguntar sobre isso porque a história é que o início de “Unholy”…
Kulick: (interrompendo). Isso pode muito bem ser ele, porque eu não fiz aquilo e estava na demo de Gene. Eu nem liguei quando ouvi, mas perguntei para Gene quem tinha feito e ele disse que tinha sido ele [Gene]. Agora, ele pode ter dito isso porque não queria me chatear dizendo que foi Vinnie Vincent, mas você chamaria aquilo de solo? O solo é aquele no meio da música! O efeito sonoro do início é assustador e sensacional? Sem dúvida. Foi Vinnie Vincent? Pode ser. Não estou nem aí, mas a história de que ele tinha tocado o solo ficou meio esquisita. Lembro que a primeira vez que ouvi isso, me senti “estuprado” por assim dizer.
É interessante que, depois de tudo que aconteceu em “Lick It Up”, eles o chamassem de volta e lhe dessem uma segunda chance.
Kulick: Entendi completamente, porque foi um chamado de compositor. Se não fosse pelo que Vinnie fez em “Lick It Up” eles não o chamariam de volta. Não eram lá muito empolgados com o modo como ele tocava ou o modo como trabalha em equipe, mas a questão é que eles sabiam que ele era talentoso. Gene e Paul são homens de negócios bem espertos o bastante e vai saber quem o chamou de volta? Não sabemos se foi um deles ou Bob que lembrou dele e disse: “Que tal Vinnie? Vocês compuseram alguns hits com ele”. Isso eu não sei, mas sei que o que ele contribuiu para o álbum foi valioso. Sempre dou crédito para quem merece, independentemente do que ele tocou ou não em “Unholy”.
É engraçado que durante os anos eu sempre disse que Vinnie Vincent não pertencia ao Kiss e as pessoas reagiam dizendo que ele é muito talentoso. Eu respondia que sim, mas sempre fazia a comparação de que você não ia querer o Neil Peart (bateria, Rush) tocando no Kiss porque não ia encaixar. Vinnie é um ótimo músico e compositor, não dá para negar isso. Só não acho que ao vivo faça sentido tocar milhões de notas naquelas músicas simples do Kiss, para mim não funcionou.
Kulick: Sem querer passar mais tempo falando de Vinnie, mas eu sei que em “Revenge” o foco foi na grande capacidade de compositor que ele tem, que era valiosa. Ao vivo ou qualquer outra coisa não tinha nada a ver com o álbum. Mas você fala algo interessante, porque na época não era fácil substituir Ace Frehley e eles escolheram o que deu para escolher. Foi difícil para eles. Veja a escolha seguinte, Mark St. John. Essa também foi bem estranha.
Paul disse que queriam que eu fosse o guitarrista, que sabiam como estava a cena e que era para eu tocar todos os estilos” – Bruce Kulick
É, penso que com Vinnie Vincent e Mark St. John o que aconteceu foram as forças do mercado. Tinha Randy Rhoads, Eddie Van Halen… O Kiss tinha que ter alguém nesse estilo.
Kulick: Sim, essas foram minhas instruções quando eu entrei. Paul disse que queriam que eu fosse o guitarrista, que sabiam como estava a cena e que era para eu tocar todos os estilos. Em outras palavras: seja moderno e mantenha um pé no passado. Eu disse que tudo bem e achava que tinha um bom equilíbrio entre essas coisas. Mark era muito talentoso, mas tinha um lance “fusion” demais para tocar no Kiss. E Vinnie provavelmente conseguia tocar qualquer coisa, mas eles não conseguiam controlá-lo.
Sim, seria como ter Yngwie Malmsteen na banda. Ele é ótimo, mas não tem a ver. Então vamos falar sobre as guitarras e você, porque para mim como fã naquela época, eu adorei o que fez em “Crazy Nights”. Mas “Revenge” na minha cabeça é aquele que me fez escutar e dizer: “Esse é o cara. Bruce é o guitarrista do Kiss”. Você sentiu que esse era o álbum em que você deixou sua marca? A partir de agora seria Ace e Bruce e não mais Ace, Ace, Ace…?
Kulick: Olha, eu tive grandes momentos nos outros álbuns, mas esse foi um em que eu deixei uma grande marca como um todo. Claro, o “Carnival of Souls” tem ainda mais minha marca por causa de várias composições em conjunto, mas aquele é um álbum muito diferente e aquela banda nem existia mais quando ele foi lançado. Mas sou muito orgulhoso de “Revenge” e quando me perguntam qual meu álbum favorito do Kiss, eu tenho que dizer que é ele. Ele é muito honesto e faminto. E que título! Ele foi específico para quantas vezes as pessoas desprezaram o Kiss, especialmente na fase sem maquiagem.
Sim, a cada seis meses. A maior banda é o Poison, o Kiss não existe; a maior banda é o Bon Jovi, o Kiss não existe… Era isso o tempo inteiro. Uma última sobre guitarrista: Tommy Thayer tem créditos nos backing vocals e, com o passar dos anos, histórias apareceram sobre os backings dele em “Revenge”. Qual foi o papel dele? Ele realmente só chegava para fazer os backings ou lhe ajudava com seu equipamento?
Kulick: Não, na época Tommy estava trabalhando muito com Gene, arquivando as coisas, porque ele é muito confiável, algo necessário em uma banda como o Kiss. Você não quer soltar uma raposa no galinheiro. E Tommy sempre estava disposto, é muito inteligente e acho que ajudava a organizar as coisas para o Kisstory (N.do R: gigantesco livro oficial do Kiss). Eles o usavam de vez em quando, tem alguns créditos de composição no “Hot In the Shade”. Eu não lembro dele no estúdio, mas isso não significa que não tenha feito backings. Mas ele era uma das pessoas bem próximas ao círculo do Kiss que era respeitado e útil.
Sobre a faixa “Every Time I Look At You”, Dick Wagner, que tocou com Lou Reed e no álbum “Welcome To My Nightmare” de Alice Cooper, estava no estúdio ao lado. Bob Ezrin, por algum motivo, não gostava do seu solo nessa música e chamou-o. Em primeiro lugar, qual foi sua reação quando ficou sabendo disso? Pediu outra chance ou aceitou tranquilamente?
Kulick: Não, você está bem próximo do que me lembro, mas o que aconteceu foi que num fim de semana de feriado em julho eles continuaram trabalhando. Há uma parte muito importante da história que muita gente não sabe: nesse ponto, eles [Gene, Paul e Bob] sabiam que tinham um grande álbum nas mãos. O single para “God Gave Rock and Roll To You” havia saído por outro selo, mas conseguimos usar em um lançamento da Mercury. Acho que [o outro selo] foi a A&M, que era considerado um selo maior e melhor na época. Às vezes, quando você faz algo bom para outro selo eles tentam te fisgar, entende onde quero chegar? O que eu lembro que aconteceu foi que eu não tinha feito nada em termos de solo para essa música e ela precisava de algo especial. Eu não sei o que eu teria feito, mas a questão é que eu tirei uns dias de folga para o feriado de 4 de julho (N.T.: independência americana) e Dick Wagner estava trabalhando lá. Eles queriam mostrar aquela música para o pessoal da A&M para seduzí-los a dizer: “Amamos o Kiss e queremos o Kiss” para tentar algum tipo de manobra com selos. Você já ouviu falar de coisas assim.
Sim, claro, faz parte do processo.
Kulick: E havia uma conexão: como eles conheciam o pessoal da A&M? A trilha sonora de Bill & Ted! E os caras foram atrás do Kiss pedir a música. Enfim, voltei da minha folga e eles me disseram que eu precisava gravar o solo que Dick Wagner havia feito. Aliás, Dick é um dos meus guitarristas prediletos, não vou negar isso. Meu irmão fez uma turnê com Alice Cooper e ele, conheço bem seu trabalho com Alice Cooper, conheço até o álbum solo dele que, ironicamente, meu irmão gravou e um álbum solo de Mark Farner (N.T.: ex-guitarrista/vocalista do Grand Funk Railroad), que Dick produziu e meu irmão foi o outro guitarrista. Mais uma ironia, o envolvimento de Mark Farner. Eu ouvi o solo e sei que é incrível, mas ainda estava chateado com isso. Aí, eles concederam meu desejo e deixaram eu tentar o meu. E foi imbecil da minha parte sequer tentar. Eu não estou falando que tenho um ego grande, porque não tenho, mas a questão é que estava magoado porque não tive a oportunidade. Porém, sejamos justos, o que ele fez foi mágico para a música. E foi em uma guitarra minha que ele fez, a mesma usado no início de “Domino”. E eu o aprendi nota por nota para tocar no acústico o melhor que eu pudesse. Eu digitalizei as coisas que Bob me deu para trabalhar naquela época e encontrei o solo isolado, foi muito útil para tocar ao vivo e no “Kiss Unplugged”. Os fãs não sabiam disso e sempre há uns “guitarristas fantasmas” em álbuns do Kiss. Eu pedi por favor para que não contassem a ninguém. Demorou alguns anos para que isso viesse a público. Eu não me importo com isso hoje. Como disse, ele é um dos meus heróis e fiquei muito triste com a morte dele há alguns anos. Se era para me substituir, ainda bem que foi ele e não outra pessoa.
E os fãs do Kiss não esquecem, ele tocou no “Destroyer” também. As partes acústicas de “Beth”. E sendo Dick Wagner… Se fosse algum garoto prodígio de Nova York ou LA…
Kulick: Aí seria muito pior. Muitos anos depois, houve um show do Grand Funk Railroad com a banda de Dick em Michigan. Pude vê-lo ao vivo, ele estava tocando com seu filho. Foi alguns anos antes de ele morrer. Eu até dei uma guitarra minha para ele de tão feliz que estava em vê-lo. Nunca o tinha conhecido pessoalmente como meu irmão, que foi próximo dele por um tempo. Essa é a verdade e foi isso que aconteceu. Hoje em dia, quando ensaio a música com a Lisa, eu penso: “Lá vem aquele belo solo de Dick Wagner”. Vou ser sincero, eu interpreto uma boa parte dele, não toco 100% igual, mas próximo o bastante.
Eu ouvi Gene dizer que irão celebrar ‘Revenge’ e ‘Carnival of Souls’ vamos ver. Eu adoraria. Eles têm meu apoio muito mais do que 100%” – Bruce Kulick
A música sobre qual todos falam e se tornou mítica no universo do Kiss é “Do You Wanna Touch Me Now”, composta por Dave Sabo (N.T.: guitarrista do Skid Row) e acho que Paul. Ela chegou a ser completada, é só uma demo, não se encaixava no álbum, o que aconteceu?
Kulick: Eu tenho a versão completa da música, sem os vocais. Acho que não tem solo. Eu dei a faixa para Tommy quando eles estavam fazendo a box-set. Ela deve estar nos arquivos do Kiss. Essa música é demais. Porém, há algo no título, na melodia e no modo como está o refrão que não empolgou Ezrin e Paul o bastante para quererem gravá-la. Eu acho que se tivéssemos gravado como estava seria muito bom, mas para eles faltava algo. E foi muito frustrante especialmente para Eric Singer e eu porque achávamos uma ótima música. Não era uma música de Gene, então não sei o que ele achava. Fiquei muito surpreso de não entrar nem no box-set. Nunca diga nunca, tenho certeza que Tommy ainda a tem, tem uma em segurança comigo e se houver outra box-set nos próximos anos… Para ser honesto, poderiam lançar até como instrumental. Não tenho uma versão com vocal, mas sei qual era a ideia de Paul e me irrita até hoje que ele não tenha ido em frente com ela. Veja o que aconteceu com a “Sword & Stone”. Não entrou no “Crazy Nights”, mas várias pessoas fizeram cover.
Nesse aniversário de vinte e cinco anos seria legal ter um lançamento deluxe de “Revenge”. Os fãs do Kiss nunca estão satisfeitos…
Kulick: Eu ouvi Gene dizer que irão celebrar “Revenge” e “Carnival of Souls” vamos ver. Eu adoraria. Eles têm meu apoio muito mais do que 100%. Eu posso lhe dizer que sei muito bem quantos “Revenge” eu já autografei. As pessoas adoram esse álbum!
Vamos falar sobre a turnê. Eu vi as turnês de “Lick It Up”, “Creatures of the Night”, “Dynasty” e “Sonic Boom”, mas aquela de “Revenge” se destaca. Musicalmente, a banda englobou todas as fases, ia de “Parasite” a “Take It Off”. Em termos de vendas de ingressos, talvez pudesse ter sido melhor, mas, e daí? Musicalmente, como foi para você, porque na turnê de “Crazy Nights” vocês tocavam as coisas mais trabalhadas, essa foi mais crua. Como foi aquela turnê?
Kulick: Sim, acho mesmo que complementamos o que alcançamos em “Revenge” e fomos além com o visual e o palco. Era como se Nova York tivesse sido destruída, havia a estátua da liberdade perdendo o rosto. Foi divertido, clichê, pesado, no limite e real. Adorei toda aquela vibe e o set-list era incrível. Acho que todos nós tocamos muito bem. E foi o que causou a gravação do “Alive III”.
Certo e que não tem o reconhecimento merecido. É um álbum fantástico!
Kulick: Acho que captura o que você estava falando, apesar de “Parasite” não estar nele. Mas só o fato de ter “Watchin’ You”… Eu o uso como base para os shows que faço quando me apresento solo. A ordem para a banda que me acompanha é: vamos usar o “Alive III” como referência. Eu embelezo um pouco, já que coloco “Tears Are Falling”, mas ele é o pilar. Acho que é o que representa melhor o que era o Kiss sem maquiagem.
Foi um turbilhão de coisas que causou a reunião. E foi frustrante porque estávamos em um certo ápice musical para a banda. E isso foi atirado na parede” – Bruce Kulick
No mundo dos fãs do Kiss, muito se fala sobre o Kiss na época de “Revenge”. Fala-se que era a melhor formação, mas durou apenas três anos. Olhando hoje, a “Reunion Tour” ia acontecer de qualquer forma, mas há alguma decepção sobre a banda não ter feito mais coisas?
Kulick: Olha, nós batemos de frente com um monstro que começou com o “Unplugged”. Começamos a fazer shows nas convenções de fãs porque a turnê de “Revenge” e o álbum não renderam o que se esperava. O fato de “Revenge” ter se tornado disco de platina só agora é obsceno, para ser honesto. Enfim, esses shows nas convenções mostravam um pouco do passado e acho que Gene e Paul reconheceram que as pessoas clamavam por coisas da época com maquiagem. Tocávamos uma ampla gama de músicas de forma acústica, conversávamos com os fãs, foi uma ideia inovadora e bem interessante. A entrada custava 100 dólares e soava como um absurdo na época. Hoje é dinheiro de pinga para algo assim. Acabou chegando aos caras da MTV que havia fãs e aí eles nos propuseram o acústico com uma condição: tinha que ser algo maior e isso era a participação de Ace e Peter. O que estou dizendo é: se não houvesse a MTV e não houvesse a turnê nas convenções… Não estou dizendo que a reunião jamais aconteceria, mas não sei o que levaria isso a acontecer, é simples assim. Pense bem: Gene e Paul tinham uma banda que funcionava e trabalhava bem. Em Eric e eu, eles tinham os soldados certos na tropa. Mas de repente apareceu essa oportunidade de estar na MTV, o que ainda era muito importante para a banda que não era exatamente a última moda. E a condição era conseguir Ace e Peter de volta. Começaram a negociar e os dois viviam implorando para voltar para a banda desde que eu entrei. Foi um turbilhão de coisas que causou a reunião. E foi frustrante porque estávamos em um certo ápice musical para a banda. E isso foi atirado na parede.
Mas também podemos argumentar que se não houvesse a reunião, talvez o Kiss em 2017 não existisse.
Kulick: Não duvido disso. Olha, tudo aconteceu como deveria acontecer. E vi que tinha chegado o fim quando, por mais que eles dissessem que só iam fazer aquilo por um ano, eles esgotaram o Tiger Stadium em Detroit. Aí eu vi que não tinha mais jeito. Mas eles me pagaram por um ano, dei todo apoio, mas não esperei mais. Saí porque isso era uma coisa muito grande, como a volta de “Star Wars”. Foi isso que aconteceu.
Porém, seria legal, antes que eles encerrem tudo se fizessem pelo menos um momento em algum show do Kiss hoje em dia para você e Eric tocarem umas duas músicas.
Kulick: Já ouvi isso de muitos fãs, mas até que Gene e Paul queiram, não há nada sobre o que se falar. Olha, tenho um ótimo relacionamento com eles e quando acharem que algo assim tem valor e é uma experiência que eles gostariam de fazer, vai acontecer. Não encaro o fato de isso não ter acontecido como uma ofensa, eu sei do respeito que sempre demonstraram por mim e eles sabem do respeito que tenho por eles. Não prestam muita atenção à minha época [nos set-lists], mas entendo o motivo. É uma fase muito diferente de como eles são hoje e o que estão celebrando. Hoje é uma homenagem ao lance da maquiagem.
Mas no Kiss Cruise, me parece que a noite de sábado poderia ser do Kiss sem maquiagem.
Kulick: Eu gosto de dizer que não descarto nada, mas até certeza de que algo é real, não é do meu feitio pensar em teoria. Mas você falou uma coisa interessante que eu não penso muito, contudo você tem razão. Sem a turnê de reunião… É incrível que atualmente, eles estão em turnê na Europa e recebo muitos e-mails de fãs de lá falando disso. Eles não se esquecem de mim. Uma banda da Finlândia mandou uma foto deles tocando “Crazy Nights” com camisetas minhas. Aí eu pensei: será que se o Kiss não fosse para lá, eles teriam alguma motivação para fazer isso? E conheço fãs de 16 anos em Kiss Expos que participo. Eles nem eram nascidos quando eu estava na banda, e mesmo assim tremem para falar comigo porque me conhecem da época do Kiss.
Acho que se tivessem ido de “Revenge”, sem “Unplugged”, direto para o “Carnival of Souls”, dado o mercado e não os músicos ou a banda, poderia ter acabado ali.
Kulick: Não faço ideia do que teria acontecido.
É o que é, você tem um ótimo trabalho com o Grand Funk Railroad há catorze, quinze anos…
Kulick: São dezessete.
Nossa, você entrou em 2000. Isso significa que estou ficando velho mesmo! (risos). Bem vamos finalizar dizendo Lisa Lane Kulick está disponível no Spotify, i-Tunes…
Kulick: YouTube também e todas as plataformas digitais. E meu site que logo irá mudar de kulick.net para brucekulick.com porque uma pessoa na Noruega foi muito legal em ceder para mim. Só não tive tempo para redesenhá-lo para colocar no ar porque estou muito ocupado fazendo shows, o que é ótimo.
E você fez uma série no seu site contando suas histórias da época de “Crazy Nights” e “Revenge”.
Kulick: Eu guardei algumas porque quero lançar um livro no futuro e incluir todos meus insights em retrospectiva. Afinal, eu estava lá.
Transcrito e traduzido por Carlo Antico.