Icônica banda americana continua motivada a lançar álbuns e fazer turnês
Após a recente entrada no Rock and Roll Hall of Fame em 2016, o Cheap Trick está empolgado com o atual momento. Com a saída do baterista original, Bun E. Carlos, as baquetas são agora de Daxx Nielsen, filho do guitarrista Rick Nielsen. A banda se animou tanto, que após o álbum “Bang, Zoom, Crazy… Hello” de 2016, lançou “We’re All Alright” e, ainda, um álbum de natal no ano passado, quase à mesma época que tocou no Brasil pela primeira vez.
“Foi ideia do nosso empresário”, disse Daxx sobre “Christmas Christmas” (2017). “Não lembro quem foi, mas alguém teve a ideia de fazer um álbum de Natal e comentou com ele. Aí, nosso empresário pensou na gente, porque temos feito álbuns com frequência e gostamos de trabalhar em estúdio. Se você ignora as letras, acho que é um disco de rock muito legal”, analisou.
O baterista não está no grupo por puro nepotismo, já que Daxx também ralou em bandas menores, como Harmony Riley. “Eu e meu irmão começamos a banda em 1997 e lançamos dois álbuns. Em 2001, passamos o ano inteiro abrindo para o Cheap Trick”, recordou sobre a turnê em que o destino interveio e colocou o baterista ao lado de seu pai. “No meio do verão, Bun E. Carlos começou a sentir dores nas costas e me pediu para tocar no bis em uma das noites”, contou Daxx. “Fiz isso por quatro shows. Só que ele teve que voltar para casa para fazer uma cirurgia e toquei toda segunda metade da turnê. Não houve ensaio, nada. Cresci com essa música minha vida inteira, assistindo a eles e, claro, observando Bun E. Carlos. Eu estava em grande forma com 21 anos de idade, então fazer dois shows não era nada. E funcionou”, acrescentou.
Não só naquela época, como tem funcionado bem durante todos esses anos. No entanto, Daxx não é categórico ao falar sobre tocar para sempre no Cheap Trick ou se pretende formar uma banda para tocar suas próprias músicas. “Talvez. É difícil. Eu componho e tive a oportunidade de compor algumas coisas nos últimos álbuns do Cheap Trick”, explica. “Compunha muito na minha banda anterior, mas quando ela terminou em 2004, não quis um trabalho comum. Queria ser músico e me mudei para Los Angeles. Foi aí que começou minha fase de ‘pistoleiro de aluguel’. Ser um artista sozinho é um trabalho duro. Todos esses clichês de sangue, suor e lágrimas são verdadeiros. Por isso, decidi trabalhar para outras pessoas. É estável”, completou.
Estou para completar oito anos desde que fui oficializado como baterista do Cheap Trick. É duro porque todos querem que os integrantes originais continuem juntos” – Daxx Nielsen
O baterista conseguiu a sonhada estabilidade com o Cheap Trick. Porém, mesmo com o pai como um dos líderes e tendo praticamente crescido com ela, não foi fácil se sentir à vontade. “É difícil. Estou para completar oito anos desde que fui oficializado como baterista do Cheap Trick. Levou um tempo para entender o meu lugar na banda e… É duro porque todos querem que os integrantes originais continuem juntos. É como um casamento: você quer que seus pais fiquem casados para sempre. Eu nunca tentei ser Bun E. Coube ao pessoal do grupo decidir qual seria minha participação”, observou o baterista. “Veja o caso de Darryl Jones (baixista) no Rolling Stones: já faz 25 anos que está ali e nunca saiu em nenhuma foto! Beleza, é assim que funciona. Eles são muito gentis em me usarem nos álbuns. Poderiam ter chamado qualquer um para gravar e me escolheram. Me colocaram nas fotos, estou nos pôsteres. É ótimo.”
Segundo Daxx, o Cheap Trick não era exatamente uma influência musical quando ele era garoto. “Para ser honesto, só fui gostar da banda com uns 20 anos. Acho que porque estava muito próximo de mim. Gostava de Nine Inch Nails, Chilli Peppers, Metallica e muito de Pantera. É claro que ouvia Cheap Trick e ia aos shows o tempo inteiro, mas não era meu estilo. Porém, absorvia tudo aquilo de forma subliminar”, detalhou. “Aí, mais velho, me dei conta de que eles influenciaram Smashing Pumpkins, Pearl Jam, Green Day, todo mundo. Comecei a escutar os álbuns e me tornei fã. É verdadeiro, ótimo rock’n’roll e as músicas são bem compostas.”
Um integrante mais novo, sempre injeta ânimo em uma banda mais antiga e com Daxx Nielsen não foi diferente. “Estava sedento e continuo assim. Faço 38 esse ano e isso é o que amo fazer. Já fazia antes do Cheap Trick e planejo continuar fazendo depois. E sou fã. Assim, quando tive a oportunidade de entrar, quis que eles tocassem algumas músicas que nunca haviam tocado ao vivo.”
Passamos quatro dias no estúdio esse ano e gravamos umas 12 músicas. Duas ou três estarão no álbum. Tentamos gravar qualquer ideia e depois vemos o que utilizar” – Daxx Nielsen
Como o novo baterista fazia as sugestões, os veteranos se mostraram animados. “Ensaiávamos na passagem de som e decidíamos no camarim se iríamos tentar. Todos gostaram disso, pois estavam dispostos a arriscar. Eles nunca tinham tocado uma música como ‘Standing On The Edge’ (N.T.: do álbum homônimo, de 1985). Se não ficasse perfeita, dane-se. Não queremos a perfeição. Somos uma banda de rock que gosta de ir lá e tocar”, comentou sobre a empolgação de todos os integrantes com o atual momento na carreira. “Novo management, nova gravadora, tudo novo. Isso estimula a banda a criar músicas novas e fazer turnês. Tocamos em lugares maiores hoje do que tocávamos duas décadas atrás, porque há os fãs antigos e os novos.”
Daxx se encaixou tão bem ao estilo da banda, que era natural que o próximo passo fosse a gravação de um álbum de inéditas. Foi assim que nasceu “Bang, Zoom, Crazy… Hello”. “Não houve pressão. Sou jovem o bastante para ter contato com mídias sociais e sei como essas coisas funcionam. Está cheio de arquiteto de obra pronta nelas, falando que esse é ruim, esse bom. Mas a banda em si não colocou nenhuma pressão.”
Deu tão certo que no ano passado lá estavam eles de volta ao estúdio para a gravação de “We’re All Alright!”, que contém “Radio Lover”, originalmente vinda de uma demo de 1997: “Essa música e ‘Heart On The Line’ (N.T.: faixa de abertura de ‘Bang, Zoom, Crazy… Hello’), especificamente, são dessas sessões de 1997. E as partes de Bun E. nelas estão perfeitas, logo, não se mexe em time que está ganhado. Copiei exatamente o que ele fez”, explicou. “Tem mais umas duas nesses álbuns que já eram demos de algum tempo atrás, mas todas as outras são novas.”
Além disso tudo, acredite: eles já estão em estúdio preparando novo material para lançamento ainda em 2018. “Já passamos quatro dias no estúdio esse ano e gravamos umas 12 músicas. Dessas, umas duas ou três estarão no álbum. Tentamos gravar qualquer ideia e depois vamos vendo o que utilizar. Acho que dessa vez iremos experimentar um pouco mais, tentar algo que nos deixe um pouco assustados… Talvez algo que nunca feito antes.”
Acabamos de voltar da América do Sul, onde só tinham feito um show em Santiago (CHI) na carreira. Então, queriam muito ir para lá” – Daxx Nielsen
A promessa de inovação pode ser arriscada, mas isso não é algo que os incomode. Além do mais, os dias de gravadoras com poder para exigir um single de sucesso em um álbum se foram há algum tempo. “Pode se tornar o melhor álbum que eles já fizeram, quem sabe? Os Beatles são o maior exemplo disso. Mudavam de estilo a cada álbum. E quando mudavam, os fãs antigos torciam o nariz no início, mas dois anos depois achavam o maior álbum da história. Ele precisa estar pronto em abril ou maio para ser lançado no verão (N.T.: no hemisfério norte), mas faremos a coisa no nosso ritmo. Se não estiver, não tem problema. Lançamos três álbuns em dois anos, não há pressão.”
Assim como várias outras bandas, o Cheap Trick é uma marca famosa e, se quisesse, não precisaria ficar se preocupando em compor novas músicas, gravar e ensaiar. Dava para viver do catálogo acumulado durante os anos. O baterista explicou o estímulo para os veteranos continuarem compondo. “É o que eles são: compositores. É simplesmente pelo amor à arte. É desejo e determinação. Isso nunca mudou! Jamais pensaram que ‘I Want You to Want Me’ seria um grande sucesso ou que ‘Live At Budokan’ mudaria a vida deles. Só continuavam fazendo música. Eles adoram tocar”, afirmou. “Eles querem tocar em clubes, no Japão, na Europa. Acabamos de voltar da América do Sul, onde só tinham feito um show em Santiago (CHI) na carreira. Então, queriam muito ir para lá.”
Se a diferença de idade de Daxx para os outros integrantes é significativa, quando seus companheiros de banda não aguentarem mais, ele não pretende continuar o legado como uma banda-tributo. “De verdade, eu nunca pensei nisso. Não sei se haveria interesse do público em que eu fizesse isso. Mas é complicado. Teria que achar um vocalista como Robin (Zander) e alguém com o estilo de Tom (Petersen, baixista). Acho que a banda é o que é por causa dos integrantes. Se Rick (Nielsen, guitarrista) se aposentasse e contratassem um cara de cabelos encaracolados que fosse um virtuoso, não ia ficar legal. Acho que quando acharem que acabou, é o fim. Ainda se poderá tocar músicas do Cheap Trick, mas não como um novo formato da banda. Eu não tenho vontade de tocar essas músicas assim.”
Rick é um gênio, muito inteligente. Aprendeu muito com a forma de Jeff Beck tocar. Mas ele é antes de tudo um compositor” – Daxx Nielsen
Mesmo sabendo que Jason Bonham (N.T.: filho do baterista John Bonham) fez algo similar com o Led Zeppelin, Daxx acredita que são dois universos diferentes: “É o seguinte: John Bonham morreu muito cedo, o que fez o Led Zeppelin acabar logo. Assim, muitas pessoas não puderam ouvir aquelas músicas ao vivo. Então, acho ótimo que Jason faça isso, porque as pessoas conseguem quase sentir como era a banda ao vivo. O Cheap Trick ainda toca e se você não for vê-los antes de acabarem, é um idiota (risos).”
Falar que um filho admira o pai é chover no molhado. Mas Daxx sabe sim, olhar para seu progenitor analisando apenas o aspecto musical. “Acho que trabalhou muito quando era garoto. Chegava a tocar três sets por noite, cinco noites por semana em outras bandas. Aprendeu muito com blues, com a new wave inglesa e as bandas britânicas dos anos 60. Aliás, Rick é um gênio, muito inteligente. Isso fez com que aprendesse o que tinha que aprender mais do que alguém comum sobre tocar guitarra. Aprendeu muito com a forma de Jeff Beck tocar. Mas ele é antes de tudo um compositor. Acho que desde o primeiro dia que começou, não queria ser um guitarrista solo, o cara ali na frente. Ele coloca acordes no modo como faz seus solos, é maluco. Estudou muito. Não no sentido de ter aulas, mas tirou um tempo para aprender a tocar guitarra com o máximo de detalhes possível e somou sua personalidade e capacidade de composição para o modo como aborda o instrumento”.
Claro, a outra parte fundamental da engrenagem do Cheap Trick é o vocalista Robin Zander, que possui uma capacidade muito acima de média para cantar de diferentes formas. E o baterista não economiza nos elogios: “Ele é único. É uma dessas coisas que é genética, está no corpo dele. Ninguém mais consegue fazer o que ele faz depois de tantos anos. Muito poucas pessoas. Talvez seja sorte ou ele sabe cantar, foi ensinado da forma correta como usar a voz com propriedade, então nunca estourou. Mas, ao mesmo tempo, teve muita sorte que seu corpo nunca o deixou na mão. Grita muito alto quando está aquecendo para o show. Não faz aqueles exercícios típicos. Não exagerou nas festas, acho que viveu a vida de forma que pudesse manter a voz e funcionou”.
Para finalizar, Daxx explica o porquê de Bun E. Carlos ser um baterista único: “Em primeiro lugar e mais importante: Bun E. tem suingue. Ele não é travado. É um canhoto que toca bateria para destros, assim como Ringo. Isso faz a bateria soar diferente. Quando o som começa, é meio diferente do normal, e é por causa disso. O que sempre foi típico dele foi bater na caixa com a mão esquerda, o que produz o que se chama de notas fantasmas (ghost notes). Somando-se o swing, as ‘ghost notes’ e suas influências, ele tem um som próprio.”
Transcrito e traduzido por Carlo Antico.