Guitarrista diz que se inspira todo dia e precisa de vários veículos para dar vazão a tudo que cria

Def Leppard | Foto: Ross Halfin

Um verdadeiro artista é aquele que, por mais que seja consagrado, nunca se dá por satisfeito. Se fosse assim, Paul McCartney e Stephen King (para ficar em apenas dois exemplos) já teriam parado de produzir há anos, o que não é o caso. Phil Collen também é um desses casos. Apesar da quantidade infindável de hits com o Def Leppard e toda fama e fortuna que encontrou, o guitarrista não se acomoda. Tem projeto de blues, de um rock mais cru que beira o punk e, agora, prepara um álbum solo. Não contente, ainda atacou de produtor no novo álbum do Tesla. O ROCKARAMA foi conversar com ele para saber detalhes de tudo isso e ainda do atual momento do Def Leppard, que se apresentou no Brasil no ano passado.

Vamos começar com a turnê que estão fazendo ao lado do Journey. O que acho interessante sobre essa combinação é que se estivéssemos em 1988, jamais veríamos Def Leppard com Journey, Whitesnake com Foreigner ou Tesla com Styx. O que pensa dessas turnês conjuntas com bandas que trinta anos atrás não fariam isso? E os fãs estão adorando! Vocês estão tocando em estádios de beisebol!
Phil Collen: Com certeza. O que aconteceu foi que nos anos 90, algum promotor americano sugeriu que Bob Dylan saísse em turnê com Willie Nelson. Quase todo mundo achou que o cara estava maluco e isso jamais funcionaria. Só que funcionou perfeitamente. Quando fizemos nossa primeira turnê com o Journey, o manager deles, Howard Kaufman, que faleceu há pouco tempo, sugeriu que fizéssemos uma turnê conjunta. Ficamos em dúvida se funcionaria, mas foi sensacional. Isso foi em 2006. O primeiro show foi em Camden, no estado de Nova Jersey. Havia 23 mil pessoas e mais 3 mil que não puderam entrar. A turnê inteira foi um frenesi. E essa parece que será a mesma coisa. Tocamos em Atlanta outro dia e, apesar de não ter sido em um estádio, foi uma loucura. Logo, esse tipo de coisa [turnês conjuntas] faz sentido. Todos estão na ponta dos cascos e não é aquilo de sempre. Há bastante coisa interessante para quem é fã do Journey e gostaria de ver o Def Leppard e vice-versa. Ambas as bandas estão tocando maravilhosamente bem, o nível dos músicos chega a ser insano e as músicas são “ridículas”. Todos esses hits! São músicas tão famosas que termino o show cantarolando músicas do Journey e eles as nossas. É por isso que funciona! E tudo isso começou com aquela turnê de Bob Dylan, anos atrás.

Phil Collen e o saudoso Steve Clarke | Foto: Ross Halfin

Quando Steve Clark morreu, pensamos quem poderia entrar, teria que ser alguém que soubesse cantar e muitos guitarristas não sabem” – Phil Collen

No final de maio, você teve que se ausentar por causa de uma emergência familiar, e foi substituído por Steve Brown (Trixter), que já havia substituído Vivian Campbell antes. Como foi essa situação e como é poder confiar num cara como Steve, que mantém as coisas funcionando?
Collen: Foi incrível, porque Steve já ia ao show! Minha mulher, Helen, ia dar à luz ao nosso filho, mas havia uma série de complicações. Na verdade, ela chegou a morrer e foi ressuscitada. Teve sangramento interno e foi uma loucura. Obviamente, tive que sair da turnê e ir para a Califórnia. Falei com Steve porque ele sabe todas as músicas e canta muito bem, pode fazer de tudo. Ele aprendeu as minhas partes de guitarra e, especialmente, de vocal, que são mais difíceis ainda. Em nossa banda, os backings são um instrumento. Quando Steve Clark morreu, pensamos quem poderia entrar, teria que ser alguém que soubesse cantar e muitos guitarristas não sabem. Steve [Brown] canta muito bem e sabe até as partes de Joe (Elliott, vocalista). Então, não houve a menor dúvida. Perguntei se ele poderia me substituir e tudo deu certo. Meu filho, Jackson, nasceu e está ótimo. Helen também está bem e estou de volta à estrada. Tudo graças a Steve. Foi maravilhoso!

E como foi a tour do G3, que fez no início do ano com Joe Satriani e John Petrucci? Muitos olham para esses caras como os virtuosos, tipo Uli Jon Roth e Yngwie Malmsteen, mas seu nome nunca aparece junto com esse tipo de guitarristas. Como foi fazer esse tipo de apresentação sem uma “Pour Some Sugar on Me” por trás para lhe garantir?
Collen: Em primeiro lugar, obrigado a Joe Satriani, que me convidou. Participei de uma edição do G4 Experience (N.T.: espécie de clínica de guitarra criada por Satriani e que conta com a participação de convidados; a próxima edição acontece entre os dias 3 e 7 de janeiro de 2019 e terá a participação de Kiko Loureiro) e foi lá que essa ideia nasceu. Adoro John Petrucci, que também é uma cara sensacional e um guitarrista monstruoso. No final, as jams com nós três eram muito inspiradoras. Isso me forçou a melhorar, porque esses caras são de outro nível e, então, tive que me esforçar mais do que normalmente. Minha concentração teve que aumentar para conseguir tocar alguns dos licks com mais facilidade. Mas o que foi inspirador, era que, o que um tocava, fazia o outro buscar uma resposta, mas sem querer se mostrar. Zero de ego. E isso se estende a todos que participaram. Tentávamos criar música juntos, que é o que se deve fazer. Muita gente tende a ver tocar guitarra como um esporte olímpico, como algo competitivo. E não é. Se teve alguma coisa que essa tour fez foi elevar muito mais meu modo de tocar guitarra, só por estar ao lado de John e Joe. Me inspiraram a tocar coisas que não tocaria normalmente. E tudo isso ali, na hora, sem precisar me preocupar. É claro que tinha total confiança no meu jeito de tocar, já que faço isso há anos, na frente de milhões de pessoas, mas isso foi diferente. Era ficar inspirado em um nível totalmente diferente, foi lindo, adorei. Gostaria muito de fazer outra!

Isso o inspirou a fazer um álbum instrumental de Phil Collen ou ainda não chegou a esse ponto?
Collen: Eu já comecei! E, sim, foi totalmente inspirado por isso. Tenho algumas músicas prontas e Paul Cook (baterista, Man-Raze, The Professionals, ex-Sex Pistols) também sugeriu isso logo depois da turnê do G3. Aliás, ele disse que o álbum do Man-Raze deveria ser um álbum solo meu. As músicas são bem diversificadas e tem muito de jazz. Essa é uma forma de arte que se perdeu um pouco depois dos anos 70, por causa do fusion. Depois ficou muito indulgente e se perdeu a mão. Quando se ouve as coisas de Stanley Clarke e do Return to Forever, era algo fantástico e eles tentavam chegar a algum lugar. E dentro do formato do jazz, acho que há muito espaço para fazer coisas muito criativas e adicionar funk, rock e uma versão mais comercial disso. Umas das músicas em que estou trabalhando é com meu amigo Scott Wilkie (pianista de jazz), que tocou no novo álbum do Tesla comigo. Estou muito empolgado. Tenho muitas coisas para fazer. Comecei um novo álbum do Delta Deep, que já tem sete músicas. Estou no meio de vários compromissos e há muita coisa acontecendo.

Phil Collen | Foto: Edu Lawless

Já começamos o novo álbum do Def Leppard. Tem muita coisa legal pronta para ser registrada. Nós só não nos juntamos e entramos no estúdio de verdade” – Phil Collen

Como mencionou o Man-Raze e o Delta Deep, fale sobre a necessidade criativa de deixar de lado o que o Def Leppard faz e mostrar que tem mais a oferecer. Man-Raze é bem mais agressivo e Delta Deep mais blues e rhythm & blues do que o que o Def Leppard faz. Seria cômodo só descansar no Havaí e daí sair em turnê quando o Def Leappard chamar…
Collen: Eu comecei a tocar guitarra depois que vi o Deep Purple. Eu gostava das coisas da Motown, reggae, jazz, fusion… Só pensei totalmente em composição depois de conhecer [o produtor] “Mutt” Lange e ele, basicamente, me ensinar a compor e cantar. Como eu disse em relação à Satriani e Petrucci, você vai aprendendo no dia a dia e se torna melhor do que no dia anterior. Então, quando tem tudo isso junto, precisa de uma válvula de escape. Se você é um artista, quanto mais coisa entra, mais coisa sai e eu tenho inspiração vindo a mim diariamente. O interessante sobre o Def Leppard, especialmente após a trilogia “Pyromania”, “Hysteria” e “Adrenalize”, é que fazíamos sempre a mesma coisa e precisávamos ser mais abertos. Por isso fizemos o “Slang”. Ninguém gostou, mas nós adoramos!

“All I Want Is Everything” é uma das melhores músicas da carreira de vocês!
Collen: Obrigado! Eu adoro aquele álbum, todos nós adoramos. Foi muito importante. Mas também revelou muita coisa. Não podíamos seguir aquela direção, a maioria dos fãs ia nos largar. Eles queriam coisas mais parecidas com aquelas outras. Isso deixa ainda mais desafiador fazer músicas para o Def Leppard. Nos divertimos muito compondo para o último álbum, autointitulado porque jogamos tudo pela janela. Trabalhamos em cima de um tema, mas não como fazemos normalmente. Acho que acaba sendo natural fazer outro tipo de música em outra banda. Eu tenho os meus projetos, Joe tem o Down ‘n’ Outz. É essencial para mantermos nosso fluxo criativo funcionando. Podemos fazer no Def Leppard, mas como eu disse, é mais difícil. Já começamos o novo álbum do Def Leppard. Aliás, compus uma música para ele outro dia. E tem muita coisa legal pronta para ser registrada. Nós só não nos juntamos e entramos no estúdio de verdade. Temos gravado durante a turnê. A tecnologia da forma que está agora, dá para gravar no camarim, no hotel, no ônibus. É muito inspirador fazer as coisas assim.

Já que mencionou, vamos falar sobre o novo álbum do Def Leppard. Primeiro, qual a necessidade de se fazer um novo disco?
Collen: Seria muito ridículo não fazer isso. Por exemplo, a música que comentei que estou compondo. Será magnífica. Já consigo ouvir os backing vocals e as guitarras juntas. Será algo na linha de “Photograph” e “Promises”. É, obviamente, uma música para o Def Leppard e o que iria fazer com ela se não tivesse isso? Preciso dessa opção para criar. Vou contar uma história: “Mutt” Lange estava constantemente tentando compor a melhor música de sua carreira. Era sempre assim. Um dia eu estava em Dublin e apareceu uma freira na TV. Uma freirinha irlandesa com um violão. E ela disse: “Hoje vamos aprender a tocar ‘Still the One’ de Shania Twain”. Chamei o “Mutt” para ver (N.T.: “Mutt” Lang foi produtor e marido de Shania Twain de 1993 a 2010) porque era uma música dele e mostrar até onde ele tinha chegado. Mas, mesmo assim, não era o bastante para “Mutt”. Ele estava constantemente atento. Aparecia alguma coisa e ele já se inspirava para compor. E é assim com o Def Leppard. Só de falar com Joe já me inspiro. Joe tinha essa ideia para uma música sobre a qual conversávamos no início do ano, e também estou empolgado por trabalhar nela. Estamos felizes com a banda e, se não estivéssemos, você saberia. Perceberia quando fizéssemos a tour, tocássemos e tudo mais. Estamos animados com essa turnê. A produção, as luzes. E quando você compõe também é assim. É absolutamente essencial que façamos músicas novas do Def Leppard. Temos essa coisa dentro de nós, que precisa sair. E os nossos fãs também desejam isso. Quando não tivermos mais isso, será hora de parar.

Def Leppard na fase "Hysteria" | Foto: Ross Halfin

Aprendi muito com ‘Mutt’ Lange, que para mim é o melhor produtor que existe (…) Como uma música deve soar, como levar lágrimas aos olhos das pessoas” – Phil Collen

E o bom de estarmos em 2018 é que não há pressão. Não existe uma gravadora atrás exigindo um hit ou querendo que fique pronto até o Natal. Isso também deve ser um alívio quando está se fazendo um novo álbum. Pode fazer uma música como “Man Enough”, um álbum como “Slang” e fazer coisas diferentes.
Collen: É demais. E devo dizer: nosso último álbum foi exatamente assim. Não havia nenhum outro motivo, nenhuma razão econômica para fazer. Foi uma decisão puramente artística. E a sensação foi ótima. É provavelmente o álbum mais puro que já fizemos. Porque com “Slang” queríamos negar os três anteriores. Com o que veio depois, negar “Slang”. Com esse último, não. Fizemos de uma forma que valia tudo, desde que se encaixasse no formato do Def Leppard. É assim que estamos agora, com quase 40 anos de experiência.

A “Def Leppard CD Collection 1” saiu recentemente e traz a música “Good Morning Freedom” (N.T.: “Good Morning Freedom” é o lado B do primeiro single da banda, “Hello, America”, e estava indisponível em qualquer outro formato até agora). Isso significa que em algum momento teremos uma parte 2? O que está à espera de ser lançado que irá nos surpreender?
Collen: Haverá, sim, uma segunda parte da coletânea. E isso já está sendo trabalhado. Há outras coisas. Coisas das quais esquecemos. Você encontra e nem se lembrava que existia. Fica tão envolvido com as coisas que nem se lembra. Meu primeiro show com o Def Leppard foi no Marquee em Londres. Alguém arrumou um bootleg desse show e deu para Joe. Estávamos o ouvindo juntos e, de repente, Joe anuncia a entrada de Brian Robertson (guitarra) do Thin Lizzy para tocar uma música conosco! Tínhamos esquecido completamente disso! Amamos o Thin Lizzy, é uma das minhas bandas prediletas. O fato de termos nos esquecido de que isso aconteceu foi esquisito. Há versões sensacionais em quatro canais de músicas de “Hysteria”. “Love Bites” com outra letra. Temos muita coisa esperando para ser usada.

Para finalizar, como foi ser os “ouvidos” de uma banda como o Tesla e ajudá-los a formatar a sonoridade? Produção é algo que lhe interessa e gostaria de começar a fazer mais?
Collen: Eu faço isso o tempo inteiro. No Def Leppard, no Man-Raze… Aprendi muito com “Mutt” Lange, que para mim é o melhor produtor que existe. A composição e o que deve ser usado, onde você deve estar nesse ponto da carreira, como uma música deve soar, como fazer uma música pesada, como levar lágrimas aos olhos das pessoas. Coisas assim. Passamos por todo um processo. Fiz uma música com eles há alguns anos atrás e ficou muito boa. Basicamente, eu entrei na banda. Eu falei olhando direto nos olhos deles, que se fosse para fazermos isso, queria participar mais do que 100%. Vou com tudo, como sempre tento fazer. Então, precisava do apoio deles. E eles apoiaram. Nunca ouvi Jeff Keith cantar tão bem. Adicionamos texturas à banda. E as músicas. Compusemos juntos e nos certificamos que fossem ótimas. É uma das melhores coisas que já fiz. Se alguma coisa não fosse tão boa, não passaria na seleção. E as influências nesse álbum são incríveis: Beatles, Stones, Aerosmith, AC/DC, Queen e, claro, um pouquinho de Def Leppard, obviamente, porque eu componho, toco e canto lá, então vai ouvir isso. E, lógico, o Tesla com anabolizantes. Foi algo muito legal que fizemos e sou muito grato dos caras terem fé em mim para ir em frente e tentar algo que eles não teriam feito.

Def Leppard: Rick Savage, Rick Allen, Joe Elliott, Phil Collen e Vivian Campbell | Foto: Gittie Meldgaard
Def Leppard: Rick Savage, Rick Allen, Joe Elliott, Phil Collen e Vivian Campbell | Foto: Gittie Meldgaard

Transcrito e traduzido por Carlo Antico.

Rock Talk with Mitch Lafon
The Secret Society 300

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