Demon: minha dúvida entre satã e um misto quente

Aproveitando o Record Store Day, conto como troquei um lanche pelo “Night of the Demon”, um dos discos que mais ouvi na vida

Meu LP do "Night of the Demon", firme e forte até hoje | Foto: arquivo pessoal - Rockarama
Meu LP do "Night of the Demon", firme e forte até hoje | Foto: arquivo pessoal - Rockarama

Lembro-me como se fosse hoje, troquei esse LP por lanche. Explico. Era segunda metade dos anos 80 e eu, assim como outros pré-adolescentes, descobria as maravilhas do rock, hard e heavy. Que época nostálgica. Se nem mesmo o CD existia, quem dera as facilidades de informação de hoje em dia. Assim, a melhor forma de conhecer algo novo era através de amigos, colegas da escola, loja de discos e sebos, esse último muito bom pra quem não tinha grana e não queria ficar pedindo para os pais.

Na época, eu morava no Rio de Janeiro, no bairro do Catete, e ali na Corrêa Dutra tinha um sebo muito legal que seu sempre passava quando guardava a grana no lanche para conhecer algo novo. Assim foi com bandas que amo até hoje e que descobri, literalmente, pela capa do LP. O caso do “Only the Strong”, do Thor, “Dancing Undercover”, do Ratt e inúmeros outros (que revisitarei aqui algum dia), entre eles o “Night of the Demon”, lançado em 1981 pelos britânicos do Demon.

Algum tempo antes eu tinha comprado o “Black Metal”, do Venom, e tinha adorado, tanto o som em si como o doce terror que causou junto aos familiares com aquela capa. Para um jovem daqueles dias aquilo era como pão com manteiga – que combinação! Black Sabbath, Alice Cooper, Venom, Celtic Frost e até mesmo Kiss eram o auge da maldade, do demônio em forma de banda. Claro que não era real, mas não havia fácil esclarecimento, como o de hoje (e olha que a internet é uma genuína fonte de mentiras, hein!), e as pessoas se baseavam em boatos e informações distorcidas, como “o Ozzy come morcego”, “o Kiss esmaga pintinhos no palco”, “Alice Cooper bebe sangue, se corta com facão e usa cobras no palco”… Era daí para pior. Venom, Celtic Frost e outros nem precisavam de conversas a respeito, pois as capas falavam por si. Aquelas bonitas e grandes capas dos LPs já eram suficientes para tocar o terror geral.

A capa do "Night of the Demon". Impactante, não?
A capa do "Night of the Demon". Impactante, não?

Bem, voltando ao Demon, naquele dia não lanchei para comprar algo e me deparei com a capa de “Night of the Demon”. Fiquei maluco e nem quis ouvir para ver se gostava (o sebo tinha uma vitrola pra testar os LPs). Vi que o disco não estava riscado, paguei e fui literalmente correndo para poder curtir aquela “obra da maldade”. Coloquei e logo veio a intro “Full Moon”. Pronto, estavam evocando o capeta! Era algo mais impressionante que o início da “Buried Alive”, do “Black Metal”. Pensei: “nossa, isso vai colocar o peso do Venom no chinelo!”. Só que não.

Começou a seguinte, “Night of the Demon”, e não entendi mais nada. Era um hard/heavy bem típico da NWOBHM, até mais leve que o início do Iron Maiden e Angel Witch, e aquele som foi se relevando nas faixas seguintes. A “frustração pós euforia” inicial virou empolgação e aquele se tornou um dos álbuns que mais ouvi na vida!

Aquilo era um registro dos primeiros dias do Demon, com toda a genialidade que o vocalista Dave Hill, o guitarrista Mal Spooner, o baixista que virou guitarrista Les Hunt, o também baixista Chris Ellis e o baterista John Wright, mostraram neste e nos trabalhos seguintes, “The Unexpected Guest” (1982) e “The Plague” (1983). Era hard/heavy genuíno com influências, nas letras, de filmes clássicos de horror. Depois, a banda continuou por mais alguns anos focada mais no progressivo, ficou parada entre o começo dos anos 90 e o começo dos 2000, e, desde retorno, se mantém ativa até hoje. No entanto, mesmo com trabalhos bem legais, nunca mais repetiu a mágica daqueles dias, entre 1981 e 1984 (mas vale a observação que o mais recente, “Cemetery Junction”, de 2016, é ótimo). Pelo menos para mim, “Night of the Demon” é o melhor, e entra num “top 10” dos meus álbuns favoritos de todos os tempos. Lá em cima.

Chris Ellis, John Wright, Dave Hill, Les Hunt e Mal Spooner | Foto: divulgação
Chris Ellis, John Wright, Dave Hill, Les Hunt e Mal Spooner | Foto: divulgação

“Night of the Demon” não tem música ruim, com as energéticas faixa-título, “Into the Nightmare”, “Liar”, “Fool to Play the Hard Way”, “Decisions”, “Ride the Wind” e “One Helluva Night” – todas com riffs marcantes e linhas vocais fortes -, além das mais cadenciadas (e não menos legais) “Father of Time” e “Big Love”. Esse conjunto é um retrato do florescimento da NWOBHM, de toda a criatividade daquelas novas e empolgadas bandas britânicas, que davam uma nova roupagem para influências do rock dos anos 60 e 70.

Fica aqui este registro em homenagem ao Record Store Day. Hoje em dia tudo está disponível, podemos ouvir músicas em qualquer lugar na internet (este álbum, inclusive, está disponível neste artigo via Spotify, para quem quiser ouvir), mas nada era tão mágico quanto “descobrir” um novo disco… Era como uma caça ao tesouro, que começava na capa e ia até a última música, quando você já estava em casa. E quem chegava primeiro ganhava, enquanto os amigos ou compravam depois ou se contentavam com uma cópia em K-7. Que época!

Spotify à parte, quem quiser ter esta obra prima em mãos poderá comprar a versão em CD, que saiu pela Carrere, Clay Records, Pony Canyon, Sonic Records, Record Heaven e Spaced Out Music (inclusive, tem no site do Demon uma réplica da versão japonesa por £ 6.99), com relativa facilidade ou tentar a sorte em LP em populares sites de itens usados, provavelmente pagando uma fortuna; ou, ainda, em algum desses achados mágicos da vida, em feiras de LPs ou sebos que ainda sobrevivem.

E quer saber mais? Anos depois, ouvi de Andre Matos que ele tinha opinião parecida com a minha sobre esse disco. Não é por acaso que tocava a faixa-título nos tempos de Viper e que sempre disse ter vontade de regravá-la.

Demon, atualmente, em ação | Foto: Edu Lawless
Demon, atualmente, em ação | Foto: Edu Lawless
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