Don Dokken e Jeff Pilson falam sobre os shows de reunião que renderam uma nova música, um álbum e DVD ao vivo

Mick Brown, George Lynch, Don Dokken e Jeff Pilson | Foto Kevin Baldes

Quando se trata de bandas que se separaram de forma não muito amigável, o Dokken é uma daquelas que merece ser lembrada, principalmente por causa das diferenças entre o vocalista Don Dokken e o guitarrista George Lynch. Logo, foi uma surpresa quando se anunciou que a formação clássica – que é completada por Jeff Pilson (baixo) e “Wild” Mick Brown (bateria) – iria se reunir para alguns shows em 2016. Com exceção de um show de aquecimento no estado da Dakota do Sul, nos EUA, as datas foram quase todas no Japão, rendendo, 30 anos após “Beast from the East”, a gravação do CD/DVD “Return to the East Live” e ainda uma música nova, intitulada “It’s Another Day”.

Segundo Don, a explicação para a tal reunião é bem mais simples do que muitos podem pensar. “Foi o momento. Jeff toca no Foreigner, George no KXM (N.T.: projeto de George Lynch com Doug Pinnick do King’s X e Ray Luzier do Korn), no Lynch Mob e outros projetos. Então, nenhum de nós tem folga para se encontrar, ensaiar e fazer um show de aquecimento nos EUA e depois ir ao Japão por uma semana. Dessa vez, as estrelas se alinharam, conversamos, percebemos que havia um espaço nas agendas em outubro do ano passado e aconteceu”.

O encontro exigiu que os quatro integrantes deixassem seus atuais projetos de lado, inclusive a formação atual do Dokken, para fazer uma espécie de retorno aos velhos tempos, embora Don não concorde exatamente com essa afirmação. “Não foi como uma volta ao passado, só não tocávamos há muito tempo juntos e estamos mais velhos agora (risos). Mas, sim, Jon (Levin, guitarrista) está na banda há 22 anos (N.T.: Don perdeu a noção do tempo. Jon Levin entrou na banda em 2003) e estou acostumado com a atual formação. Gravamos quatro álbuns juntos.” E completa: “Mas voltar não foi tão difícil, hoje em dia nos damos bem e tudo aquilo que aconteceu nos anos 80, há muito tempo atrás, é água debaixo da ponte.”

Dokken: "Return to the East Live"

Eu nunca havia visto isso, nem 30 anos atrás. A turnê inteira teve um clima muito agradável com muitas risadas. Não desenterramos o passado e as coisas ruins” – Jeff Pilson

Mesmo assim, Jeff Pilson sentiu sim, certa apreensão: “Eu não tinha muita certeza do que esperar quando acertamos tudo, estava um pouco ansioso, acho que como todos. Mas acabou sendo ótimo. Acho que todos decidiram aproveitar o momento. O fato de voltarmos 30 anos depois e alguém, no caso o Japão, ainda querer nos ver… Tem que se amar isso. E acho que todos tiveram esse tipo simples de apreço.”

Ao que parece, os anos e a maturidade fizeram muito bem a todos. “O resultado é que o clima estava melhor do que jamais esteve. Houve um período na turnê de ‘Back For Attack’ (87-88) que estávamos nos dando muito bem e aproveitando muito e aí, claro, nos separamos! (risos) Mas me lembrou aquela época. No primeiro dia que nos reunimos, nos encontramos no bar do hotel em que estávamos hospedados na Dakota do Sul. E a primeira coisa que acontece é que George vai até Don e eles dão um grande abraço. Aí, os dois foram até um canto do bar e ficam ali sozinhos por duas horas e meia, sentados, conversando. Foi inacreditável!”, revelou o baixista. “Eu nunca havia visto isso, nem 30 anos atrás. Por consequência, a turnê inteira teve um clima muito agradável com muitas risadas. Não desenterramos o passado e as coisas ruins. Nos divertimos, acho que isso passa para as pessoas pelo CD/DVD e fiquei muito feliz.”

Porém, o baixista, atualmente no Foreigner, não tocava essas músicas há anos. No entanto, garante que isso não foi um obstáculo grande a ser superado: “Foi natural. Tive que pensar um pouquinho no início. Em casa tive que ouvir os discos para ‘tirar o pó’, mas a maior parte voltou instantaneamente. Foi mais complicado cantar algumas e usar os pedais. Mas tudo voltou sem problemas”.

Um dos grandes tesouros de “Return to the East” é a presença de uma música nova, intitulada “It’s Another Day”, composta pela formação clássica. Nova mesmo, não alguma que eles descobriram jogada em alguma caixa de fitas dos anos 80. “Não, de jeito nenhum,” diz Jeff enfático. “George e eu nos reunimos bem antes de tudo acontecer. O fato é que sabíamos que ia rolar, mas não exatamente quando. As primeiras conversas aconteceram na primavera (no hemisfério norte) de 2016 e o acordo era que faríamos uma música nova e a tocaríamos e gravaríamos ao vivo. Então, alguns meses antes de tudo começar, George veio à minha casa, fizemos a música e ficou legal. Mandamos para Don e Mick, mas não deu para finalizá-la antes de irmos para o Japão, aí não deu para tocar ao vivo. E, para ser sincero, fiquei feliz de não dar certo, porque prefiro ter uma versão de estúdio de uma música nova”.

Don Dokken prepara um novo álbum com a atual formação do Dokken | Foto Kevin Baldes

Acabamos o processo de composição. Temos de 13 a 14 músicas e só estou finalizando as letras, mudando uma coisa ou outra. Aí, vamos fazer as demos” – Don Dokken

As coisas acabaram funcionando melhor, já que os ouvidos de Don Dokken ajudaram a melhorar ainda mais a composição e a acontecer uma sessão de gravação histórica, na opinião de Pilson. “Quando voltamos, Don comentou que tinha adorado a faixa, mas gostaria que fosse bem mais acelerada”, conta o baixista. “Fizemos isso e funcionou muito bem. Mick colocou a bateria, e Don em uma sessão de gravação muito rápida, de apenas duas horas, encaixou os vocais. Ele veio muito bem preparado. Não tinha nada escrito, mas tinha tudo na cabeça. Trocamos algumas ideias, ele gravou, foi embora, eu coloquei as harmonias e acabou. Foi mesmo uma das sessões mais sensacionais que me lembro da história do Dokken em todos os tempos.”

Apesar disso, o Dokken atualmente é mesmo com Don, Mick, Jon Levin (guitarra) e Chris McCarvill (baixo). E essa formação está finalizando a gravação de um novo álbum, como explicou o vocalista: “Acabamos o processo de composição. Temos de 13 a 14 músicas e só estou finalizando as letras, mudando uma coisa ou outra. Aí, vamos fazer as demos. Mas estamos constantemente em turnê, temos datas até agosto. Porém, tentaremos encontrar um espaço. Acho que vamos separar três semanas agora em março ou abril para gravar. Minha vontade, num mundo perfeito, era tê-lo pronto para lançar no meio do verão”.

E quanto à sonoridade, assim como na reunião, parece que haverá uma pequena volta ao passado: “Esse será bem old-school, nossa sonoridade clássica. Pensei e conversamos. Houve algumas aventuras em ‘Broken Bones’ (2012), umas coisas mais na linha do Led Zeppelin e dos Beatles, mas neste estou seguindo mais a linha dos outros álbuns do Dokken.”

Apesar dessa volta ao estilo mais consagrado, a meros 3 anos de completar 40 de carreira, Don acredita e espera não ficar preso a apenas um estilo de composição: “Espero estar sempre evoluindo. O mundo muda, tudo muda e você enxerga o mundo de forma diferente. O modo como enxergava as coisas ao 27, não é o mesmo que aos 37, que é diferente com 47. Logo, espero sempre evoluir. Não acho que os Beatles queriam compor ‘She Loves You, yeah, yeah, yeah’ em todos os álbuns. Eles são o exemplo mais clássico disso. Do primeiro álbum para o ‘With The Beatles’, ‘Sgt. Pepper’s…’, ‘White Album’, ‘Revolver’, estavam sempre e rapidamente, mudando, mudando, mudando… E é isso que os faz interessantes. Suas músicas evoluíam em ritmo muito acelerado”, observou. “Tudo se resume a crescer, envelhecer e observar o mundo e as coisas que acontecem na sua vida. Honestamente, não consigo me imaginar tentando compor outro “Breaking The Chains” (N.T.: álbum de estreia, de 1981), sobre viver no meu apartamento, sem dinheiro e sem comida, tentado fugir de uma situação e ser músico. Essa música é inteira sobre isso. Mas, obviamente não posso compor algo assim agora, porque não estou nessa situação”, acrescentou.

Jeff Pilson atualmente integra o Foreigner | Foto Kevin Baldes

Para ser honesto, não me vejo aposentando. Posso parar de cair na estrada algum dia, isso seria legal, mas não aposentar. Vou continuar fazendo música” – Jeff Pilson

Para atingir essa evolução, o vocalista conta que foi mesmo na raça, sem ninguém para dar lhe alguma dica: “Não tive mentores, foi totalmente tentativa e erro. Ninguém me ensinou nada. Componho de uma forma diferente. Normalmente, tenho ideias e escrevo-as em um pequeno bloco. Poemas, letras, ideias, escrevo meus pensamentos que, infelizmente, sempre me ocorrem entre 2 e 4h da manhã. E num período de dez anos, isso cresceu. O pessoal da banda costumava brincar quando eu precisava de alguma letra, para ir checar no ‘Livro de Don’. Pesquisava nessas letras até achar uma que funcionasse. Ainda faço isso [registrar os pensamentos] quase todo dia, só que agora cantarolo no meu i-phone.”

O Dokken sobreviveu à saída de um guitarrista do nível de George Lynch, mas foi apenas em 2003, com a entrada de Jon Levin, que as coisas realmente se acertaram de vez. “Ele foi um feliz acidente. Era meu advogado (risos). Entrou na banda porque um dia eu estava no estúdio, trabalhando em um álbum e ele foi até lá com alguns documentos para eu assinar, estava de terno e gravata. Me lembrei que Jeff havia dito que ele tocava guitarra e recordei de vê-lo com o Warlock e Doro Pesch. Perguntei se gostaria de fazer alguns solos em uma música só por diversão e ele aceitou. Quando terminou, vi que era um guitarrista incrível. A hora que percebemos, no ano seguinte, entrou na banda.”

Ultimamente, e infelizmente, muitas bandas têm anunciado suas turnês de despedida e, como já foi mencionado antes, o Dokken está na estrada há quase 40 anos. Como os dois se vêm daqui há, digamos, 5 anos? “Provavelmente aposentado”, afirmou Don. “Mas, veja bem, Chuck Berry ainda tocava com 92. Paul McCartney está com 75. Alice Cooper, 70. Mick Jagger, 70 e poucos. Há vários com essa idade. Não posso prever o futuro e todos estaremos gratos por ainda estarmos vivos depois de todas as imbecilidades que fizemos com relação a álcool, drogas ou dirigir minha moto a 190 km/h numa estrada, imaginando que o pneu não iria estourar. Não sei o que o futuro reserva.”

O baixista, no entanto, não se vê de forma alguma afastado da música, ainda que possa diminuir o ritmo nas turnês. Porém, deixa claro que não pode dar essa resposta de forma definitiva. “Honestamente, eu não sei. É claro que penso sobre isso, não seria humano se não pensasse. O corpo começa a doer mais, viajar se torna mais difícil, mas enquanto eu estiver em uma grande banda, que toque bem e corresponda às expectativas das pessoas, continuarei. Adoraria diminuir o ritmo e trabalhar mais em estúdio, sem dúvida, não posso negar isso, mas veremos. A questão é que tem que se aproveitar quando o momento está bom e ele está ótimo para tocar ao vivo agora. Por causa disso, eu não me importo nem um pouco. Para ser honesto, não me vejo aposentando. Posso parar de cair na estrada algum dia, isso seria legal, mas não aposentar. Vou continuar fazendo música e tendo atividades. Não haverá turnê de despedida para mim.”

Dokken nos shows de reunião: Jeff Pilson, Mick Brown, Don Dokken e George Lynch | Foto Kevin Baldes
Dokken nos shows de reunião: Jeff Pilson, Mick Brown, Don Dokken e George Lynch | Foto Kevin Baldes

Fizemos essa turnê no Japão, 20 anos depois, fizemos um DVD, compusemos uma música nova, regravamos duas e isso deve acalmar os fãs até eu decidir o que fazer” – Don Dokken

O guitarrista George Lynch deixou claro que gostaria de tocar mais datas com a formação clássica no ano que vem, fato que também agrada Pilson: “Claro, adoraria que acontecesse da forma correta. É claro que o obstáculo são sempre as agendas, porque a minha com o Foreigner é bem intensa e meio que não fica mais leve. Por isso, é difícil encontrar datas. Mas é claro que gostaria de fazer mais, é uma coisa legal. Eu gostei muito meu tempo no Dokken e o fato das pessoas ainda quererem ouvir a gente depois de tantos anos é lisonjeiro. Sim, adoraria fazer mais. Veremos, espero que sim.”

Já Don não parece tão entusiasmado e abre o jogo sobre qual seria a motivação em fazer isso. “Uma reunião com a formação clássica não está no meu radar, só estou focado na formação atual e no próximo álbum. Não posso pensar assim tão na frente. Só me importa lançar esse novo CD com Levin, McCarvill e Mick Brown. E não consigo imaginar por que Jeff iria querer deixar o Foreigner, é um ótimo trabalho. Se fôssemos fazer esses shows, ficaria óbvio: provavelmente pelo dinheiro. Essas ofertas têm chegado até mim durante todos esses anos. Quantidades malucas de dinheiro para tocar, mas não tenho vontade agora.”

Todavia, o foco desse depoimento deve ser na palavra “agora”. O vocalista não gosta de planejar coisas com tanta antecedência e acredita que os fãs já tiveram seu apetite saciado por um certo tempo. “Fizemos essa turnê no Japão, 20 anos depois, fizemos um DVD, compusemos uma música nova, regravamos duas e isso deve acalmar os fãs até eu decidir o que fazer. E todos estão bem ocupados. George falou em shows em 2019 e nós ainda temos uma oferta da Frontiers para fazer mais um álbum do Dokken e um com a formação original. Porém, ainda falta muito tempo, não está nos meus planos imediatos.”

Atual formação do Dokken, com Chris McCarvill, Don Dokken, Mick Brown e Jon Levin | Foto: Larry Marano
Atual formação do Dokken, com Chris McCarvill, Don Dokken, Mick Brown e Jon Levin | Foto: Larry Marano

Transcrito e traduzido por Carlo Antico.

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