Violência e um poema inspiram um grande sucesso do Marillion
Se há uma coisa que fãs de música gostam de fazer é achar músicas ideais para épocas do ano. No Natal, especialmente na Inglaterra, temos as onipresentes “Merry Christmas (War Is Over)” de John Lennon e “Merry Christmas Everybody” do Slade. Quem gosta de ser sarcástico prefere “No Presents For Christmas” (King Diamond) ou “Mistress For Christmas” (AC/DC).
Porém, não há quase nenhum registro no cancioneiro do rock de músicas que tratem da Páscoa. A única que sempre lembro e gosto de escutar enquanto degusto uns chocolates é “Easter”, do Marillion.
A faixa é um dos grandes destaques do álbum “Seasons End”, lançado em 1989 e primeiro com o vocalista Steve Hogarth, que substituiu Fish e é, inclusive, o autor da música. Além do solo e as melodias vocais serem lindas, a letra descreve o que parece ser uma cidade no campo. Referências claras à Páscoa, não há nenhuma. Nunca pensei que essa letra tivesse um significado mais profundo, até que uma rápida pesquisa na internet revelou exatamente o contrário.
O título “Easter” se refere ao poema “Easter 1916”, de W.B. Yeats (William Butler Yeats, irlandês, 13/06/1865 – 28/01/1939), que fala sobre a revolta conhecida como “Easter Rising”, ocorrida a 24 de abril de 1916. O dia era uma segunda-feira após a Páscoa, feriado em alguns países. O motivo do levante foi a vontade de republicanos irlandeses em tornar o país independente da Inglaterra. Apesar de os britânicos estarem envolvidos com a primeira Guerra mundial, os revoltosos foram presos e executados como traidores da coroa, mas acenderam o estopim para a independência, que viria em 1919 com a proclamação da República da Irlanda, ou Eire.
O poema é dividido em quatro partes, mas como aqui o mais importante é a música do Marillion, a mais interessante é a última. Nela, Yeats cita o nome de alguns dos revolucionários que morreram na luta. Na letra música não há essa citação, mas o último verso da segunda estrofe antes do refrão (“Where Mary Donoon’s boy fell”) usa um personagem fictício (o filho de Mary Donoon; a mãe com um nome feminino tipicamente irlandês), que morre nas paisagens descritas no início da faixa, numa clara referência aos soldados mortos na guerra.
Em uma declaração ao site de sua banda antes de entrar no Marillion, The Europeans, Steve Hogarth contou que a letra foi inspirada pelo poema, mas tenta ser uma “carta de amor ao povo da Irlanda.” E explicou que nos anos 80, a Irlanda do Norte ainda estava às voltas com muita violência. “Quando fui fazer uma turnê lá com o Europeans estava com medo de morrer. Mas a população, em geral, foi muito gentil conosco e eu adorei Belfast (capital da Irlanda do Norte). Assim, a música nasceu como um consolo às pessoas comuns que passam por essas situações”, declarou.
A música e o solo se tornaram clássicos na carreira do Marillion. Como curiosidade, no vídeo “Five Years in a LIVEtime”, do Dream Theater, há uma jam muito legal no clube londrino Ronnie Scott’s, em que a banda toca “Easter” com Steve Rothery (guitarra) e Steve Hogarth nos vocais e piano.
Boa Páscoa a todos, ao som de “Easter”!