A incansável busca por conhecimento e referência é um dos motivos que colocam o nome do baterista entre os grandes do metal nacional
Edu Garcia é o tipo de músico que não para. Passa boa parte de seu tempo conectado ao que pode somar ao seu trabalho e ampliar seu repertório. Não à toa, está na lista de referências da bateria do metal nacional. Velocidade, peso, técnica e criatividade são qualidades que aparecem, facilmente, ao lado de seu nome. É o atual baterista da banda John Wayne, mas se dedica, com a mesma intensidade, a projetos paralelos (e de peso). Ao John Wayne, chegou em 2013, durante a turnê de divulgação do álbum “Tempestade” (2012). Com a banda, formada também por Rogerio Torres (guitarra), Junior Dias (guitarra), Fabio Figueiredo (vocal) e Denis Dallago (baixo), lançou “Dois Lados – Parte I” (2015) e o single “Vida” (2016), faixa de um EP que está para ser lançado ainda neste ano. Com ROCKARAMA, ele falou de suas referências, projetos, deu dicas e soltou algumas novidades que estão chegando por aí.
Como se juntou à banda e como foi o período de interação com os outros músicos antes da gravação de “Dois Lados – Parte I”?
Edu Garcia: Eu estava sem banda na época e já tinha ouvido falar do John Wayne. Vi um anúncio da banda procurando um novo baterista, já que o antigo saiu logo após o show de lançamento do álbum “Tempestade”. Fui atrás para conhecer melhor, perguntei para amigos em comum, e achei que seria uma boa conversar com os caras. A banda pedia um vídeo tocando a música “Solaris”, mas eu era (e ainda sou) bem ruim, apesar de estar aprendendo agora, com tecnologia, e não teria capacidade de fazer o que eles pediram, então mandei um e-mail com meu “curriculum” (risos). Pedi para marcarem um ensaio e eles toparam. Foi bem legal o resultado. Para mim, era um desafio já que vinha de outro estilo do metal e me surpreendeu a técnica que teria que desenvolver para tocar aquelas músicas. O ensaio rolou mais ou menos, mas viram meu potencial e ralei para conquistar essa técnica, pois foram três meses escutando e estudando sem parar o EP “2011” e o álbum “Tempestade”. Tive que entender a linguagem do estilo e não apenas sair tocando igual. Foi um grande aprendizado. Para a gravação do álbum “Dois Lados – Parte I”, a banda resolveu fazer à moda antiga e nos internamos no estúdio até sair. O Rogério Torres e o Junior Dias fizeram algumas bases e foram sendo transformadas. Todos contribuíram e curtimos muito fazer.
Como descreve a sua contribuição para essa nova fase da banda?
Garcia: Não sei dizer ao certo, apesar de estar numa banda relativamente nova, que já tinha um grande respeito na cena nova de metal/metalcore/hardcore. Toco há muitos anos e acho que pude agregar mais experiência em alguns aspectos, assim como a banda me agregou também. A mentalidade da banda é igual à minha: amor, respeito e humildade. Tudo que fazemos é porque gostamos e o diálogo vem em primeiro lugar. Outra coisa que acho legal é que existe uma organização muito grande. Sempre fui acostumado a fazer tudo e ao ver que todos ajudam em tudo podemos colaborar por igual e manter o processo criativo sempre em dia.
“Dois Lados – Parte I” foi inspirado em “A Divina Comédia – Inferno”, de Dante Alighieri. Por que a escolha do tema e como chegaram ao conceito final, que se funde com a nossa realidade?
Garcia: Essa foi uma ideia do Rogério, o guitarrista. Ele escreve as letras e já veio com a ideia do CD na cabeça. Curtimos e achamos bem legal essa associação com a realidade. Tentar analisar a vida que temos, mostrando um lado otimista e crítico, mas tentando ser pensante e não jogar palavras óbvias pra rimar. Como o próprio Rogério fala: “Não dá pra rimar caneta com bombeta” (risos).
Comente um pouco sobre a elaboração das faixas e como foi pensada a sequência do repertório, que começa com a faixa “Passagem” e logo é “invadida” pelo peso de “Quatro Velas”, causando um impacto nos ouvidos.
Garcia: As músicas levaram um certo tempo para ficarem prontas. Ao todo foram seis meses de muita dedicação entre ensaios e gravação. Fomos fazendo os sons e o Rogério foi organizando dentro da ordem que ele tinha na cabeça. A “Quatro Velas”, por exemplo, veio de um riff do Rogério que, no começo, não entendi bem, mas que aos poucos foi tomando forma. Foi assim com muitas outras. Mas o legal foi contar com a ideia de todos na hora de mudar os sons quando precisávamos. A “Caim” foi o último som a ser feito e saiu de um skank beat que fiz e dei uma ideia ridícula (sic) de guitarra. Rogério pegou na hora e, em dois dias, tínhamos a música praticamente pronta. Sobre a sequência das faixas, o Rogério tinha tudo na mente dele, tanto que Adair (Daufembach) quis dar umas opiniões, mas não conseguiu (risos) e a banda toda curtiu a ordem como está.
Já que citou Adair Daufembach, assim como “Tempestade”, “Dois Lados – Parte I” foi mixado e masterizado por ele. Como descreve a contribuição do trabalho dele para o álbum?
Garcia: Esse foi meu primeiro trabalho com o Adair e foi incrível. Praticamente nos internamos no estúdio. Ele fez a pré-produção e aprendemos muito, gravando ao vivo e transformando tudo. Ele teve uma visão dos sons muitas vezes diferente da nossa e a coisa toda foi mudando, tanto que duas semanas depois, na gravação pra valer, eu nem lembrava de algumas partes porque tínhamos mudado na pré (risos). Mas rolou super bem. Adair é uma das pessoas mais dedicadas que já vi trabalhar e foi uma época de grande aprendizado. Fora que o som que ele tirou ficou demais.
O conceito do álbum foi pensado para ser lançado em duas partes. Em que pé está o desenvolvimento do conceito e qual a previsão de lançamento?
Garcia: Sim, mas sentimos que poderíamos complementar e resolvemos preparar um EP nesse meio tempo. O clipe do single já foi lançado no final do ano passado e chama-se “Vida”. A ideia é tentar fazer algo mais completo sobre o tema e pensamos em falar sobre o Purgatório antes da chegada ao Céu. Esse single mostra uma fase de experimentação e achamos que deu muito certo. Trabalhamos com a produção de Diego Castro, do Studio Hard Base, mas gravei a bateria com meu amigo Rodrigo Oliveira no Dharma Studios. O resultado ficou demais! Logo, temos planejado para lançar o EP ainda esse ano e o CD com a parte II em 2018, se tudo der certo.
No ano passado, o John Wayne abriu para o show da banda sueca Meshuggah em São Paulo. Imagino que essa seja uma influência da banda, certo?
Garcia: Não sei se é influência da banda, os gostos são bem diferentes. O ‘metaleiro’ na banda sou eu (risos). Rogério é ‘metaleiro’ também, mas me mostrou muita coisa moderna e curte bastante hardcore; o Fah e o Denis curtem rap, deathcore; e o Juninho é o mais hardcore da banda. Enfim, aprendi a curtir tudo isso e acho legal demais ter essas influências no John Wayne. Mas, sim, eu sou fã de carteirinha, tanto que fiz um cover de “Destroy Erase Improve” com um projeto que montei chamado Defiance Brothers, que conta com o Felipe Andreoli (Angra), Thiago Sierra (Worst) e Jean Patton (Project46).
Vinnie Paul foi uma dos nomes que o levaram a escolher a bateria como meio de se expressar. Comente um pouco sobre essa sua referência e que outros nomes te inspiram?
Garcia: O Pantera me chocou quando ouvi, escutei, em uma fita K7, o “Vulgar Display Of Power” e fiquei pensando na “A New Level” por dias e foi então que decidi que queria tocar. Fui atrás de mais coisas e não parei mais. Acho Pantera genial. Comecei tirando “One”, do Metallica, “Tom Sawyer”, do Rush. Sempre fui mais pro lado do progressivo, tanto que comecei tocando progressivo com o Fernando Costa, ex-guitarrista da banda Inox e ex-tecladista do Golpe de Estado. Gravei um projeto chamado The Crow’s Band, que era bem Emerson, Lake & Palmer (quem quiser ouvir é só clicar em www.edugarcia.com.br/index.php/disco e depois em cima da capa do álbum) e outro trabalho, chamado Homeleth, que era mais Gentle Giant, Yes, que infelizmente nunca foi lançado. Além disso, inúmeros bateras me inspiraram. Entre eles, Neil Pearl, Lars Ulrich, Paul Bostaph, John Tempesta, Dave Lombardo, Bill Bruford, Steve Smith, Tim Alexander, Jojo Mayer, Vinnie Colaiuta, Billy Cobham, Gregg Bissonette, entre muitos outros. Atualmente, Tomas Haake e Thomas Lang, mas o maior deles é o Vinnie Paul.
Recentemente, você o entrevistou para a matéria de capa da revista “Modern Drummer Brasil”. Tendo um projeto tributo ao Pantera, a banda Unscarred, e sendo fã declarado deste músico, o que representou essa experiência pra você?
Garcia: Realizei um sonho. Eu estava tão nervoso que, ao saber que seria no Family Mob, liguei para Jean Dolabella e pedi para ele me ajudar no inglês, mas acabou saindo tudo bem e confirmei que valeu à pena ser fã dele. Ele tem conceitos musicais muito fortes, não apenas baterísticos, e acho que esse é o segredo do sucesso dele. A entrevista foi incrível.
Ainda em relação às suas referências, de que maneira assimila as informações e como as aplica no seu modo de tocar?
Garcia: Busco escutar de tudo, assimilar o estilo e tentar colocar a minha personalidade. Tento me organizar nos estudos para aproveitar ao máximo a informação que quero e tento colocar junto da música. Hoje em dia, busco melhorar dinâmica, não tocar tudo forte, mesmo entendendo que existe pouca dinâmica no metal, mas acho que isso ajuda a manter o groove e é o que quero, não quero ser um robô tocando.
Você curte correr pela manhã ouvindo, a cada dia, um álbum diferente de vários estilos musicais. No que essa variedade contribui na hora de tocar e o que mais tem rolado no seu fone ultimamente?
Garcia: Estão bem informados, hein? (risos). Sim, fiz um post uma vez sobre isso. Escutei isso do mestre Joe Moghrabi. Ele dizia: tente ouvir o máximo de CDs possíveis, separe um por semana e aprecie bem ele, absorva. Um músico é feito de música e não de licks. Informação é tudo. Então, tentei unir o útil ao agradável. Ao correr, entro em um estado de “piloto automático” e consigo absorver bem as músicas. Tanto que, às vezes, encho a paciência dos meus amigos de banda, mandando ouvir também certos álbuns (risos).
Aproveitando que falamos de atividade física… Para manter a pegada, a velocidade e a precisão com os dois bumbos, além de praticar muito, você faz exercícios físicos. Qual é a importância de uma rotina dedicada ao físico no play?
Garcia: Eu comecei a fazer atividade física por conta de alguns sustos com a saúde. Colesterol alto, dores nos ombros e coluna foram algumas das causas da minha mudança de vida e tudo isso graças à obesidade. Então tive que mudar e me organizar. Hoje tenho mais resistência e força, que me ajudaram no play, mas foi apenas a organização com os estudos na bateria que me fizeram realmente melhorar na parte técnica e criativa.
Em setembro de 2016, você e mais um time de peso, Antônio Araújo (guitarra, Korzus), Felipe Andreoli (baixo, Angra) e Rodrigo Fantoni (guitarra), lançaram o álbum “Carpe Ludus”, do projeto One Arm Away. Como rolou esse encontro e a idealização desse projeto?
Garcia: A ideia do projeto é do Antônio Araújo e virou uma banda. Somos amigos e admiro todos eles como músicos, logo, é uma banda fácil de se lidar, todos talentosos. Em 2017, começam os shows, sendo o primeiro no festival Abril Pro Rock.
Em 2013, você lançou o DVD “Explaining The Secrets Of Skank Beat”. Comente um pouco sobre o conteúdo do material e de que maneira ele auxilia os interessados em dominar o assunto “skank beat”?
Garcia: Eu sempre curti thrash metal. Assim, sempre quis me aprimorar na levada que é bem característica do estilo, porém tinha dificuldade. Comecei a buscar algo específico e não achava. Com o passar dos anos, fui observando os bateras e melhorando a minha técnica, buscando uma forma mais didática de como executar o movimento e algumas variações. Olhei ao redor e me vi cercado de bateras e fui atrás, perguntando, observando (muito). Aproveitei minha fase de drumtech, e pude conviver com muitos bateras legais, como Nick Barker, Eloy (Casagrande), Paul Bostaph, Tom Hunting, entre muitos outros. Isso foi me agregando informações para fazer esse método, já que nunca vi algo específico. Embora exista um livro do Derek Roddy e do Dave Lombardo, não se trata especificamente do assunto. Nele, explico a história do skank beat, algumas técnicas para melhorar a mão direita, que é o grande segredo da levada, e muitos exemplos de levadas. No total são mais de 70 exercícios que também o levam a mais possibilidades. Toco também alguns sons, mostrando a aplicação de algumas levadas do DVD e, por fim, uma homenagem ao Vinnie Paul, mostrando e explicando duas levadas icônicas que ele fazia no Pantera.
Você está envolvido em outros projetos no momento?
Garcia: Por enquanto estou focado no One Arm Away, John Wayne e Unscarred, mas tenho um projeto por diversão com meus amigos Felipe Andreoli, Jean Patton e Thiago “Monstrinho” chamado Defiance Brothers, que foi uma ideia muito antiga que tive com o Jean e finalmente conseguimos colocar em prática. Consiste em juntar amigos e escolher dois sons que amamos e sejam desafiadores. Foi uma experiência bem legal gravar os dois covers que escolhemos. Os vídeos estão disponíveis em www.youtube.com/defiancebrothers. Fora isso, estou preparando alguns vídeos e, futuramente, um canal no YouTube, com dicas tanto da parte baterística como da parte de saúde, onde pretendo contar um pouco da minhas experiências como baterista e drumtech. Isso foi em primeira mão e acho que nem deveria ter falado (risos).
Links:
Site oficial Edu Garcia: edugarcia.com.br
John Wayne: johnwayne.com.br
Assista ao clipe de “Vida”, single do próximo EP que será lançado, ainda neste ano, pelo John Wayne.