Nova biografia analisa os últimos e essenciais anos da vida do ex-vocalista do AC/DC, muito além do sexo, drogas e rock’n’roll
Costuma-se dizer que rockstars são pessoas diferentes de meros mortais, por isso vivem a vida no limite e, em muitos casos, acabam morrendo. Porém, sempre que vai se analisar a vida deles, o que se descobre é que muito daquela inconsequência vem de vários fatores como insegurança, infância difícil, entre outros problemas. O que acontece é que, em muitos casos, os fãs preferem ficar com a imagem de indestrutível que os artistas passam em suas músicas e nos palcos. Bon Scott é um caso clássico desse exemplo. Sabendo disso, o inglês criado na Austrália, Jesse Fink, resolveu desmistificar o vocalista e escrever uma biografia sobre o homem Bon, com todos os problemas comuns a muitos de nós. Na entrevista a seguir, o simpático Jess fala sobre seu livro “Bon: a Última Highway”, que foi lançado no Brasil, comenta a atual situação do AC/DC e do jornalismo em geral.
Não havia me dado conta de quanto tempo o AC/DC havia passado na América do Norte no período de 1977 a 79, algo que até me surpreendeu. Como você acha que isso afetou Bon?
Jesse Fink: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que sei o quanto Bon Scott significa para muitos brasileiros. E eu adoro o Brasil. Bem, foram turnês incessantes para a banda toda. No final de 79, eles haviam tocado em 36 estados americanos, três províncias canadenses e feito centenas de shows. Logo, foi duro para todos eles, especialmente Phil (Rudd, bateria) e Bon. Mas, provavelmente, foi mais difícil para Bon, porque ele, mais do que ninguém, estava vivendo, noite após noite, a vida clichê de um rockstar fora dos palcos. Isso significava uso de drogas e álcool constante, misturados com surtos de melancolia, solidão e depressão. No início de 1980, ele estava em seu pior momento física e mentalmente. Em dois meses, estava morto. Há uma estrada que Bon percorreu até sua morte e penso que mostrei isso no livro.
Roy Allen diz que recebeu uma ligação de Bon Scott da França, em dezembro de 1979, falando que queria sair da banda (…) Ele sabia que tinha problemas de saúde” – Jesse Fink
Para você, o quanto das letras de “Back In Black” são, na verdade, de Bon? Penso que não há discussão sobre “You Shook Me All Night Long”. No livro, você inclusive fala com a garota que teria inspirado o verso “coxas americanas” (“American thighs”, na letra), que usa o nome Holly X. Na época, Brian Johnson estava no Geordie, e acho que dá para supor que ele ainda não havia tido muito contato com mulheres dessa parte do mundo.
Fink: Eu concentrei mais nessa música do que em outras de “Back In Black” no livro, porque havia pistas de uma história pregressa que jamais havia sido explorada. Agora, ou você acredita na história de Brian Johnson de como essa letra surgiu – de que ele foi possuído pelo fantasma de Bon Scott em seu quarto nas Bahamas (N.R.: “Back In Black” foi gravado no estúdio Compass Point, nas Bahamas) e a escreveu em 15 minutos – ou pode ir mais no sentido de que Bon teve algo a ver com ela. Essa é a minha visão. Holly X, “a coxas americanas”, conta sobre como Bon dizia a ela que tinha olhos “chartreuse” (verdes) enquanto estavam deitados à beira de uma piscina no Newport Hotel, em Miami. Ela acredita que isso tenha sido mudado pelos irmãos Young para “sightless” (N.R.: o verso diz: “She has the sightless eyes”) porque “chartreuse” era inteligente demais para o AC/DC. Holly tinha um cavalo chamado “Doubletime” (“Workin’ double time on the seduction line”) com quem Bon gostava de brincar. Silver Smith, outra namorada dele na Austrália, disse que viu a famosa frase “She told me to come but I was already there” em uma das cartas que ele a enviou em 1976. Os cadernos dele desapareceram após sua morte. Acho que dá para argumentar com bastante razão, com bases circunstanciais e anedóticas, que “You Shook Me All Night Long” é uma das músicas de Bon. Outras músicas – “Back In Black”, “Shoot To Thrill”, “Rock And Roll Ain’t Noise Pollution”, “Have A Drink On Me” – possuem traços da manufatura de Bon, na minha opinião. Não acho que tenham usado todas as letras dele. Penso que elas estão salpicadas através das letras no álbum finalizado. Por qual outra razão se alega que o dinheiro de “Back In Black” iria para o espólio de Bon Scott? Caridade? Não acredito.
Depois de tanta pesquisa e de ouvir tantas horas de entrevistas, acha que Bon era o médico quando sóbrio e o monstro quando bebia?
Fink: Acho essa comparação válida. Com certeza foi comentado por pessoas que entrevistei o fato de Bon mudar drasticamente quando estava bêbado. Podia ficar muito insuportável e imprudente, como muito desanimado, triste e infeliz.
Tem certeza que ele estava pronto para deixar o AC/DC pelo bem de sua saúde?
Fink: Essa é a história que o amigo dele, Roy Allen, conta no livro. Diz que recebeu uma ligação de Bon da França, em dezembro de 1979, falando que queria sair da banda, pelo menos temporariamente. Bon sabia que tinha problemas de saúde. Vince Lovegrove, companheiro de banda dele no The Valentines (N.R.: banda de Bon pré-AC/DC) disse a mesma coisa sobre ele querer deixar o AC/DC há muitos anos. Logo, é uma história que agora está registrada duas vezes e eu acredito nela. Não tenho razão para não acreditar. Ele estava morto em fevereiro de 1980.
Fãs que continuam culpando outras pessoas não entendem a própria personalidade de Bon Scott. Era inconsequente, impulsivo e podia ser destrutivo para ele mesmo e para os outros” – Jesse Fink
O livro é claro: álcool e drogas mataram Bon Scott. E, mesmo assim, as pessoas deixam bebida alcoólica em seu túmulo. Isso não é um desrespeito? Aliás, conversei com um motorista de táxi em Boston uma vez e ele disse que fazem a mesma coisa no de John Belushi em Massachussets.
Fink: Sim, é incrível, né? E esses idiotas continuam fazendo isso. É um desrespeito e simplesmente imbecil. O homem foi morto por álcool e drogas, então vamos deixar uma garrafa de bebida em seu túmulo! É inacreditável. Eu digo isso no livro também. Mas, infelizmente, muitos dos fanáticos por Bon não querem saber das falhas de seu herói e querem perpetuar um mito caricato.
Qual sua opinião sobre Joe Fury, Alistair Kinnear, Silver Smith e Xenoulla “Zena” Kakoulli quando se trata da morte de Bon? (N.R.: Todas pessoas, de uma forma ou de outra, ligadas à morte do vocalista)
Fink: Eu não acho que qualquer uma dessas pessoas tenha responsabilidade direta pelo que aconteceu com Bon ou sua morte. O ponto que exploro no livro é que ele era um adulto e tomou suas próprias decisões, incluído usar heroína naquela noite. Ele é responsável por sua própria morte. Todos os fãs que continuam culpando outras pessoas por isso não entendem a própria personalidade dele. Era inconsequente, impulsivo e podia ser destrutivo para ele mesmo e para os outros.
Depois de tudo que veio a saber sobre a banda durante o processo de escrita de “Bon: a última highway” – incluindo como o grupo, de certa maneira, não se importava com ele da forma que tenta passar ao público -, essas informações chegaram a diminuir sua paixão pela banda?
Fink: Não, de forma alguma. Ainda gosto de AC/DC da fase Bon Scott tanto quanto sempre gostei. Sinto que, como fã, é perfeitamente normal querer conhecer o lado bom e ruim de seus heróis. Havia uma grande história para se contar sobre Bon Scott. O AC/DC nunca a contou e, provavelmente, não sabiam nem metade dela de qualquer forma, então, eu mesmo contei.
Sem Malcolm Young, Phil Rudd, Brian Johnson e Cliff Williams, não é mais o AC/DC. Para mim, Axl Rose representa tudo aquilo que Bon Scott não era” – Jesse Fink
E quanto ao material da banda no período Brian Johnson? Gosta?
Fink: Não me incomodam até o “Flick Of the Switch” (1983), mas mesmo nessa época, não são nada comparado com os álbuns da fase Bon Scott. Brian não era um grande letrista como Bon e simplesmente não tinha aquele algo a mais que Bon tinha. Estou cansado de pedir desculpas por dizer que prefiro Bon Scott a Brian Johnson. Se você não consegue ver que Bon era melhor que Brian, em todos os quesitos imagináveis como vocalista, performer, letrista e frontman, eu não me importo!
Qual sua reação à Axl Rose cantando no AC/DC?
Fink: Eu parei mesmo de me importar com o AC/DC. Sem Malcolm Young (guitarra), Phil Rudd (bateria), Brian Johnson e Cliff Williams (baixo), não é mais o AC/DC. Para mim, Axl Rose representa tudo aquilo que Bon Scott não era. Isso não é uma coisa boa.
Por último, gostaria de parabenizá-lo pelo livro, porque é jornalismo de verdade. Ultimamente, assistimos a filmes que falaram sobre esse tipo de reportagem como “Spotlight: Segredos Revelados” e “The Post: a Guerra Secreta” e penso que “Bon: a Última Highway” se encaixa na mesma categoria: trabalho investigativo. Tenho certeza que não obteve contato com todas as pessoas que conseguiu apenas com o Google. Qual sua opinião sobre o atual estado do jornalismo e como abordou seu trabalho?
Fink: Muito obrigado. Acho que o jornalismo nunca esteve pior do que está agora. Os jornalistas só se fiam na Wikipedia e no Google para informações, ou reescrevem press-releases e acham que isso se qualifica como “fazer reportagem”. Meu livro demorou quatro anos para ser escrito, do começo ao fim, e embora muito tenha sido tirado de centenas de novas entrevistas e minha própria pesquisa, muito da segunda parte dele (a investigação sobre a morte de Bon), baseou-se em informação já existente. A chave foi encontrar as pistas nessas informações e trabalhar como um detetive para descobrir a verdade. Meu conselho para qualquer jovem jornalista, em qualquer matéria que for escrever, é sempre procurar todas as visões possíveis e checar toda fonte que tenha. Não tenha medo de voltar a fontes antigas e perguntar se algo foi esquecido da primeira vez. Com frequência, algo foi esquecido e pode ser a grande descoberta que precisa para resolver o mistério.