Enuff Z’ Nuff: dedicação infinita ao rock and roll

Mesmo após trinta anos de carreira, ainda sobra garra e disposição para o baixista e vocalista Chip Z’ Nuff

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Quase todo mundo tem a seguinte imagem de um músico de rock and roll: milhões de dólares na conta bancária, supermodelos se jogando aos seus pés e (se for do gosto do indivíduo) as melhores drogas e bebidas num estalar de dedos. No entanto, são as exceções que viveram (ou vivem) uma vida assim. A grande maioria rala muito, fazendo turnês em vans que dão problemas mecânicos, ficando em hotéis de segunda linha e tomando calote de promotores. Continuam apenas por amor à arte. E isso é o que o líder do Enuff Z’ Nuff transmite em cada resposta da entrevista a seguir, seja sobre o novo álbum, turnê, fatos da carreira e como ser músico é um trabalho duro.

Enuff Z' Nuff - Clown's LoungeO mais recente álbum, “Clown’s Lounge”, que saiu no início de dezembro do ano passado traz músicas que já estavam prontas, mas vocês ainda não tinham gravado. Elas estavam totalmente cruas e intocadas ou são versões rearranjadas
Chip Z’ Nuff: É um álbum para mostrar como a banda era e como está agora. A Frontiers falou com o Derek Shulman, que era presidente de nossa antiga gravadora, a ATCO/Atlantic, no fim dos anos 1980. Ele é um cara poderoso e foi responsável por contratar algumas das maiores bandas do mundo, como Cinderella, Pantera e Mr. Big. Tem um ótimo ouvido, fez parte do Gentle Giant. Foi ele quem me chamou, disse que queria lançar outro álbum do Enuff Z’ Nuff e perguntou se eu tinha algumas músicas inéditas. Eu disse que tinha e mandei três delas. Eles adoraram e disseram que queriam fazer o álbum. E aí entrei em ‘modo gravação’ e fui revirar meus arquivos. Tenho tudo gravado desde o primeiro dia da banda, provavelmente material para uns cinco ou seis álbuns. No entanto, eu queria algo que fosse poderoso em termos sonoros. Encontrei todo o tipo de música e não quis mexer muito nas gravações originais, para não tirar a autenticidade, pois achei que tinha uma beleza e eletricidade nelas. São músicas muito legais, tocadas ao vivo no estúdio, com o mínimo de overdubs. Bandas como Pink Floyd, Cheap Trick, Queen, Aerosmith e Foo Fighters lançam álbuns com músicas que têm mais de vinte anos, eles só não dizem.

O último do Van Halen foi assim.
Chip: Exatamente. Todas as bandas fazem isso, até os artistas de hip-hop. Quem se importa qual a idade delas desde que sejam boas? E essas não são exceção. São músicas muito boas que estavam esquecidas por um tempo, mas eu as achei e, agora, estão em um grande álbum que conta nossa história. É um material interessante tanto para quem é fanático pelo Enuff Z’ Nuff quanto para quem nem sabe quem somos. É um autêntico power pop de qualidade. Talvez se tivéssemos gravado músicas novas, isso fosse custar uns cem mil dólares. Não dá mais para gravar álbuns demorados com os orçamentos de hoje em dia, e, francamente é difícil para qualquer banda conseguir um contrato. Então, tentei encontrar as melhores músicas possíveis, que fossem musicalmente fortes e se encaixassem no orçamento que nos foi oferecido.

Apenas uma observação para os fãs de Derek Shulman e Gentle Giant: foi ele quem indicou a contratação do Slipknot e a banda canadense Nickelback. Voltando ao assunto, agora que você lançou esse álbum, isso o inspirou a lançar um com músicas novas nesse estilo? Ou, como você mencionou ter uns cinco ou seis álbuns já prontos, teremos algo como um “Clown’s Lounge II”? Aliás, a sonoridade do álbum é ótima, mas você sabe disso, é claro…
Chip: Não sei dizer, é difícil falar. Só sei que há um álbum novo e o que ele me inspirou foi a fazer uma turnê e tocar essas músicas ao vivo. E daí veremos quais serão os planos, porque não há nada planejado, exceto divulgar o trabalho. Não gosto de planejar muito à frente. No entanto, estou sempre pensado em músicas novas. Mas é muito difícil dizer agora. Há material extra e muita coisa boa nos meus arquivos.

Donnie (N.T.: Vie, vocal, guitarra e teclado, que deixou a banda em 2013) e Johnny (N.T.: Monaco, vocal e guitarra, que saiu no ano passado) cantam em duas músicas. Você teve que entrar em contato com eles para ter permissão para usá-las, mas houve alguma situação chata ou não teve problema algum?
Chip: Claro que perguntei. Eles deram todo apoio. Expliquei que tinha conseguido um contrato com uma gravadora grande pela primeira vez em 20 anos e mostrei as músicas que mandaria. Donnie disse que elas tinham muita energia e não se opôs. Tenho certeza que tem algumas coisas com as quais ele não concorda, como a primeira faixa, ‘Dog On a Bone’, que ele não participa, mas desde que seja pago ele está feliz. Já Monaco lembrou-se que a música que ele participa tinha sido gravada originalmente com Jani Lane (N.T.: vocal, Warrant, falecido em 2011) e ficou feliz de ser incluída. É um álbum legal e estamos todos juntos nele. No início pode ter havido alguma resistência, mas, no final das contas, eles vão dar apoio e ver como têm sorte de estar em um álbum como esse e, de repente, ver uma dessas músicas em uma trilha de filme, programa de TV ou comercial. Outro álbum é mais uma oportunidade.

Sem Donnie Vie, baixista Chip Z' Nuff agora também acumula função de vocalista | Foto: divulgação - Dave Stekert
Sem Donnie Vie, baixista Chip Z' Nuff agora também acumula função de vocalista | Foto: divulgação - Dave Stekert

Você mencionou Jani Lane, que canta em “The Devil of Shakespeare”, faixa que também traz a participação de James Young (N.T.: guitarra e vocal, Styx). Como foram viabilizadas estas participações na época?
Chip: “The Devil of Shakespeare” foi gravada em 2004 aqui em Chicago, em um estúdio que não existe mais. Nossa primeira reação foi quem poderíamos chamar para gravá-la assim que eu a compus com Billy McCarthy, que é um romancista. Ele estava escrevendo um livro, queria uma música para colocar nele e pediu para mim. Ele já tinha o título e eu compus rápido, de uma forma que ele pudesse se soltar como letrista. Depois de gravarmos, nossa primeira ideia era chamar Robin Zander, do Cheap Trick. Assim que o abordamos, oferecemos uma quantia em dinheiro – milhares de dólares, diga-se – e o agente dele estava tentando esfriar o negócio. Robin veio até o estúdio, mas o manager apareceu e perguntou o que estávamos fazendo. Respondi que queríamos que Robin cantasse em uma música. Ele agiu como uma criança, arrancou o microfone da mão de Robin, devolveu para nós e disse: ‘Robin não grava nada enquanto não ouvirmos a música primeiro.’ Isso não deveria acontecer entre músicos! Depois de uma ou duas semanas me evitando, ele disse que Robin estava muito ocupado e não poderia gravar. Aí não tínhamos plano B, até que pensamos em Jani Lane. Grande vocal, bela voz e era nosso amigo há muito tempo. Pedimos a ele e ele topou. Pegou um voo de madrugada de Los Angeles para Chicago, chegou aqui lá pela uma da manhã e foi direto para o estúdio. Adoramos a abordagem mais no estilo Bowie que ele deu à música. Depois disso, liguei para o James Young do Styx, que não é só um grande músico, mas um cara de muita classe. Disse que ficaria muito feliz em tocar na faixa e voilá, uma bela música para o álbum. E também ajudou a elevar nosso nome, porque se somarmos o Styx e o Warrant são 56 milhões de cópias vendidas!

James Young também é de Chicago. Sendo criado lá, você cresceu um grande fã do Styx e de James?
Chip: Claro! Eu o segui por anos quando garoto. Lembro-me quando eles estavam num período de transição e precisavam de um baixista, pensei em tentar a vaga, porque James havia gravado algumas músicas do Enuff Z’ Nuff em seus álbuns solo. Mas acabou não acontecendo e talvez tenha sido melhor, porque estão com um ótimo baixista agora, o Ricky Phillips, que também conheço há muito tempo, desde que tocava no The Babys. Eu e James ainda somos muito amigos e sempre que eles vêm para Chicago vou assisti-los. Ele é a força motriz do Styx, sempre foi. Veja as músicas dele: “Snowblind”, “Miss America”… Tem muita energia, é um guitarrista muito agressivo, possui seu próprio timbre e o considero um bom amigo.

Outro cara com quem você tem tocado é Tony Fennell que fazia parte do Ultravox nos anos 90. Como é trabalhar com ele e como fez para ele fazer parte de sua banda ao vivo?
Chip: Nós trabalhamos muitas vezes juntos. Ele me contratou várias vezes para tocar baixo em sessões de gravação em Nova York. Acabamos ficando amigos porque ele sempre foi fã do Enuff Z’ Nuff e gostava de trabalhar comigo. Quando precisei de um guitarrista/vocalista ele foi um dos primeiros caras em que pensei e, assim que ele entrou na banda, ela mudou exponencialmente. Assim que ele entrou tocamos no M3 Festival, em Baltimore, e mal sabia eu que, depois daqueles shows, iríamos conseguir um contrato para gravação. Não fazia ideia disso. Tony é responsável direto por mudar o direcionamento da banda e nos ajudar muito além do que se imaginava. Ele é uma grande pessoa, com muita disposição, toca todos os instrumentos e canta muito. Até poderia ser o vocalista do grupo. A banda está em ascensão agora e com essas turnês que vêm por aí. Penso que 2017 será um dos melhores anos da nossa carreira nesse sentido.

Vocês têm algum plano sobre essas turnês? Sabem com quem vão tocar?
Chip: Sim, começamos dia 18 de janeiro com Ace Frehley (N.T.: entrevista realizada em 29 de dezembro) e ficamos com ele até o meio de fevereiro. Depois tocamos no Rock and Roll Fantasy Camp ao lado de Alice In Chains, Stone Temple Pilots, Candlebox, Buckcherry e várias outras bandas. Vamos participar até o fim de fevereiro e aí vamos para a Europa. Será nossa maior turnê europeia desde o início de nossa carreira. Ficaremos quase um mês na Europa, uma coisa quase inédita. A maioria das bandas americanas que vão para lá ficam uma semana ou duas, no máximo. Será uma longa turnê europeia para nós. Depois disso, planejamos estar na Rock Never Stops Tour durante o verão. Então, temos trabalho à nossa frente até agosto ou setembro.

Você mencionou a Rock Never Stops Tour. Quem irá participar?
Chip: Não sou eu quem deve lhe contar isso, mas são duas bandas enormes. Estaremos ali no meio, mas tenho certeza que haverá algumas surpresas. As bandas que estão sendo contatadas vendem milhões de álbuns e será um desafio interessante para nós tocar para fãs que talvez não nos conheçam, mas vamos conquistá-los. Fazemos um grande show. Quatro caras tocando e cantando. O público será surpreendido de forma positiva. Os dias de turnê com muitas drogas acabaram, se você quer fazer um grande show atualmente, tem que estar focado, é preciso concentração. Será uma ‘Rock and Roll Party’, mas sem os abusos de substâncias químicas.

Soa original ouvir uma banda hoje em dia dizendo que irá tocar ao vivo, porque ultimamente sei de muitas que são 95% pré-gravado e 5% ao vivo. Você mencionou que está cantando, que é um tipo de ‘frontman’. Esta foi uma decisão difícil? Você teve Donnie com aquela voz, mas em algum momento pensou que precisavam de um novo vocalista ou concluiu que já era hora de fazer isso?
Chip: Bem, Donnie deixou a banda algumas vezes. Uma vez após aquela turnê com o Poison em 2002, depois voltou em 2004 ou 2005. Daí saiu de novo porque a turnê não foi boa para ele. Daí, em 2013, depois de uma turnê cansativa de 14 shows em 15 dias pela Inglaterra dentro de uma van com uma equipe pequena, acabou de vez para ele. No início de 2016, depois de tentar falar com ele por algum tempo e não conseguir, sabia que tinha alguma coisa errada. Depois de mais algum tempo, recebi uma mensagem de texto de Donnie dizendo que tinha dedo em gatilho (N.T.: tipo de inchaço que envolve o tendão do dedo da mão) e tinha que ficar fora da banda por seis meses. Fiquei muito bravo e aí ele me sugeriu que eu cantasse, já que as músicas também são minhas e as gravei com ele no estúdio. Aí eu decidi fazer isso. O modelo que tenho para o Enuff Z’ Nuff é o Genesis, quando o Peter Gabriel saiu e o Phil Collins assumiu os vocais.

Steven Adler e Chip Z' Nuff nos tempos de Adler's Appetite | Foto: Claudia Christo
Steven Adler e Chip Z' Nuff nos tempos de Adler's Appetite | Foto: Claudia Christo

Como foi tocar no Adler’s Appetite, ao lado de Steven Adler, por mais de seis anos? Você mantém contato com ele hoje em dia?
Chip: Foi muito legal trabalhar com ele e sim, falo com Steven de tempos em tempos. É um baterista muito preciso e tocou em uma das maiores bandas do mundo. Participei do Rock and Roll Fantasy Camp em Los Angeles no último verão e o convidei para participar da minha aula. Ele disse que não estava se sentindo bem e pediu desculpas, mas eu insisti dizendo que só estaria na cidade por cinco dias. Instiguei-o falando para ir até lá, falar oi para o Paul Stanley, os caras do Eagles, o Vinny (Appice) do Black Sabbath. E não é que ele apareceu lá à tarde? Estava ótimo, soando matador e dava para ver que está limpo. Depois à noite, ele foi ao ensaio do Enuff Z’ Nuff que ia tocar no Whisky (a Go Go, tradicional casa de Los Angeles) e ficou assistindo desenhos na TV o tempo inteiro. Depois conversamos sobre a volta do Guns N’ Roses e a única coisa que ele quer na vida é voltar a tocar com eles. Alguns dias depois, ele me ligou aqui em Chicago de Cincinnati, estava em um dos shows da volta do Guns, dentro do ônibus do Slash. Soava empolgadíssimo. Acho que em 2017 ele fará parte da turnê, tocará umas duas ou três musicas por noite. É um processo de cura para ele poder subir no palco com aqueles caras.

É incrível se pensarmos na quantidade de bandas que vemos em bares com o sonho de chegar lá e são poucas que conseguem. Você ainda está na ativa depois de 30 anos. Há algum plano de aposentadoria para daqui uns dez anos, quando você quiser ficar em Chicago vendo as flores crescerem ou vai tocar até quando puder?
Chip: Sim, é isso mesmo. Não há plano de aposentadoria. Somos músicos, é o nosso trabalho. Lançamos discos e já são 20 agora, contando todos os nossos lançamentos. Isso sem contar os que gravei com outras pessoas, porque aí deve dar uns 60 ou 70. Esse é o meu legado. Tocar, gravar e sair em turnê pelo país. Planos de aposentadoria servem para bandas como os Stones, por exemplo, que ganharam rios de dinheiro, ou qualquer outra que vendeu milhões de álbuns e pode se dar ao luxo de planejar algo assim. Deus os abençoe por isso. Mas para uma banda como a nossa não dá, temos que continuar trabalhando porque se eu não receber meu pagamento posso acabar morando na rua.

Transcrito e traduzido por Carlo Antico

Enuff Z' Nuff | Foto: divulgação - Dave Stekert
Enuff Z' Nuff | Foto: divulgação - Dave Stekert
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