Maracanã recebe 30 mil pessoas em noite de para mostrar que o rock’n’roll está vivo
Fotos: Luciana Pires
Foo Fighters, Queens of the Stone Age e Ego Kill Talent
25/02/2018, Maracanã, Rio de Janeiro/RJ
Nem parecia que o rock vive um momento delicado. Se guitarras não são mais a prioridade dos jovens – lembrem-se da Gibson à beira da falência e da queda de 80% nas vendas de guitarras no Brasil -, o Foo Fighters (com seus três guitarristas) defendeu o gênero para as ávidas 30 mil pessoas (números da produção) que compareceram ao Maracanã numa noite de domingo.
Com vitalidade, graça e hits, muitos hits, a banda fez o estádio cantar por duas horas e meia. O Queens of the Stone Age veio a tiracolo, e por aqui foi angariado o emergente Ego Kill Talent para aquecer a noite.
Capitaneado pelo ex-baterista do Sepultura Jean Dolabella – também na guitarra -, o Ego Kill Talent e seu som pesado e melódico, porém genérico, não fizeram feio, e o grupo serviu de antepasto bem digerido pelos presentes. No entanto, depois de 30 minutos de apresentação, com direito aos tradicionais “faz barulho, porra!” e “do caralho, véio!”, estavam esquecidos. Hora de algo mais consistente.
1. Just to Call You Mine
2. Sublimated
3. We All
4. The Searcher
5. Heroes, Kings and Gods
6. Still Here
7. Last Ride
O Queens of the Stone Age não brinca em serviço e costuma entregar opções sônicas intrincadas e de saciedade duradoura.
Em sua quinta passagem pelo país, Josh Homme (voz e guitarra) optou por músicas com mais groove para abrir a apresentação. ‘If I Had a Tail’ e ‘Smooth Sailing’ mexeram pés tímidos em algum tipo de dança sincopada, que fez mais sentido em ‘My God is the Sun’. O clima de “festa estranha com gente esquisita” permaneceu nas novatas ‘Feet Don’t Fail Me’ e no quase hit dançante ‘Way You Used to Do’.
Extraídas de “Villains” – mais recente álbum do grupo, produzido por Mark Ronson (Amy Winehouse) -, elas trazem esse encontro do rock com grooves oblíquos.
Deixando esse último de lado, a banda atacou com a ensandecida ‘You Think I Ain’t Worth a Dollar, But I Feel Like a Millionaire’, que, emendada no hit ‘No One Knows’, replicou a abertura do clássico “Songs for the Deaf” (2002).
A dobradinha deu a falsa impressão de que o show decolaria para o lado mais direto e pesado. No entanto, o Queens of the Stone Age diminuiu o ritmo com canções mais cadenciadas, ‘I Sat By the Ocean’ e ‘Make it With Chu’, e novas mal escolhidas ‘Evil Has Landed’, ‘Domesticated Animals’ e ‘Villains of Circumstance’, o que acabou por dispersar boa parte do público.
Nem os gracejos de Homme, “Vocês estão se divertindo?” e “Nós amamos vocês”, pareciam surtir efeito. Mas bastou soar as primeiras batidas de cowbell de ‘Little Sister’ para o entusiasmo reaparecer e aumentar, conforme o fim matador foi enfileirando ‘The Lost Art of Keeping a Secret’, ‘Go With the Flow’ e a derradeira ‘Song for the Dead’.
Tivesse optado por músicas mais energéticas, o grupo, completado por Troy van Leewuen (guitarra), Michael Shuman (baixo), Dean Fertita (teclados e guitarra) e Jon Theodore (bateria), poderia ter sido um suculento concorrente a prato principal.
1. If I Had a Tail
2. Smooth Sailing
3. My God is the Sun
4. Feet Don’t Fail Me
5. The Way You Used to Do
6. You Think I Ain’t Worth a Dollar, But I Feel Like a Millionaire
7. No One Knows
8. The Evil Has Landed
9. I Sat By the Ocean
10. Make it Wit Chu
11. Domesticated Animals
12. Villains of Circumstance
13. Little Sister
14. The Lost Art of Keeping a Secret
15. Go With the Flow
16. A Song for the Dead
“Vocês estão prontos?”, a convocação inicial do ex-baterista do Nirvana foi atendida em uníssono pelos fãs. Eis que ‘Run’, faixa do mais recente álbum, “Concrete and Gold”, e responsável pelo Grammy de melhor performance rock dado ao sexteto, caiu como um petardo rítmico, sem deixar qualquer dúvida de quem era o banquete.
Não houve tempo para respirar, porque três hits foram encadeados em sequência: ‘All My Life’, ‘Learn to Fly’ e ‘The Pretender’. Ufa! Poucas bandas podem queimar sucessos logo de cara e não ficar sem munição.
Em 24 anos de existência, o Foo Fighters amealhou um grande número de canções radiofônicas sem fazer concessões ao mercado. O mesmo mercado que preconiza a morte do rock baseado apenas em números. Mas Dave Grohl (voz, guitarra e bateria) conhece bem seu intuito: “Que fique claro: isso aqui é um show de rock, ok?” Bandeira fincada, hora de apresentar mais duas novas.
A semipsicodélica ‘The Sky is a Neighborhood’ trouxe três backing vocals para emoldurar a influência dos Beatles. Já ‘Sunday Rain’, cantada por Taylor Hawkins (bateria), evocou o rock clássico de Tom Petty e Aerosmith, com pitadas, novamente, de Beatles. Uma das melhores composições do grupo denota a guinada em direção a uma sonoridade de tintas anos 70 e mostrou, pela primeira vez na noite, os dotes vocais do baterista.
Que Dave Grohl é o boa-praça do rock, não há dúvidas. Faz piadas com músicos e público, canta, toca guitarra e bateria. Tudo com incansável simpatia enquanto hits vêm e vão: ‘My Hero’, ‘These Days’, ‘Walk’ e ‘Breakout’.
Mas é no momento de apresentar a banda que sua generosidade se escancara e os fiéis escudeiros brilham. Chris Shiflett (guitarra solo e voz) segura muito bem ‘Under My Wheels’, clássico de Alice Cooper, desconhecida por boa parte dos presentes. Na vez do tímido Nate Mendel (baixo), o solo é um trecho de ‘Another One Bites the Dust’ (Queen), cantada pelo baterista, mega fã de Mercury, Taylor, May e Deacon.
Uma banda que pode se dar ao luxo de divertir seus fãs com covers bem sacados está muito segura do seu lugar no panteão do rock. Pat Smear (guitarra), ex-companheiro de Grohl no Nirvana e fundador do influente grupo punk The Germs, não traiu o movimento e cuspiu o riff de ‘Blitzkrieg Bop’, do Ramones. O que era para ser apenas uma pequena introdução ganhou a versão integral graças ao entusiasmo do público. Último a chegar à banda, Rami Jaffee (teclados) brincou como pôde e ganhou uma piada do patrão: “Isso é bonito, mas nunca estará em uma música do Foo Fighters”, disse Grohl.
“Por último, mas não menos importante”, bradou o líder, “Taylor Hawkins!” A capella, a dupla brincou com a antológica versão de ‘Love of My Life’ (Queen) apresentada no primeiro Rock in Rio (1985). Lindo! E daí emendou o dueto entre Freddy Mercury e David Bowie em ‘Under Pressure’, que fez Dave e Taylor trocarem de lugar. De pé, na posição central do palco, Hawkins teve desenvoltura e segurança para entoar a brilhante composição dos ingleses. Mais um baterista a deixar o banquinho em direção ao estrelato solo? Não seria surpresa alguma. Mas a julgar pelo sorriso largo, Taylor parece bem ajeitado em seu papel na banda.
Shows nos quais os músicos se divertem e não cumprem contrato contagia quem assiste. Parece óbvio, mas no mundo do rock cada vez mais corporativo a espontaneidade é artigo de luxo. Grohl aprendeu muito bem a lição em seus anos de ‘underground hardcore’ e estrelato grunge: faça com sinceridade e emoção. E o Foo Fighters tem isso de sobra, além, é claro, de hits explosivos. Hora de mais três cantorias, e a primeira parte do show é encerrada com uma emocionante ‘Best of You’. Seu coro ecoou pelo estádio mesmo depois de a banda ter deixado o palco.
Intervalo encerrado, ‘This is a Call’ alegrou os fãs de primeira hora. ‘Let There Be Rock’ (AC/DC) fez não só uma bela homenagem a Malcom Young (guitarrista do grupo australiano falecido ano passado), como também foi mais uma afirmação de que o rock é a profissão de fé do grupo.
O ponto final da celebração do Foo Fighters ficou com ‘Everlong’, e sorrisos largos deixaram o estádio atestando que, enquanto houver emoção amplificada em acordes e riffs de guitarra, o rock está salvo.
1. Run
2. All My Life
3. Learn to Fly
4. The Pretender
5. The Sky is a Neighborhood
6. Rope
7. Sunday Rain
8. My Hero
9. These Days
10. Walk
11. Breakout
12. Make it Right
13. Under My Wheels (Alice Cooper)
14. Another One Bites the Dust (Queen)
15. Blitzkrieg Bop (Ramones)
16. Love of My Life (Queen)
17. Under Pressure (Queen)
18. Monkey Wrench
19. Times Like These
20. Best of You
21. This is a Call
22. Let There Be Rock (AC/DC)
23. Everlong