Baixista do Genesis e Mike & The Mechanics fala sobre momentos de sua extensa carreira
Não temos os dados exatos para analisar, mas a impressão é que, com exceção aos Beatles, nenhuma outra banda teve pelo menos três de seus integrantes alcançando um sucesso comparável tanto em carreiras solo como no grupo que os originou. O Genesis conseguiu tal façanha. Pense bem: Phil Collins (bateria e vocal) e Peter Gabriel (vocal) alcançaram o megaestrelato pop após fazerem parte de uma das maiores bandas dos anos 70. Além deles, houve outro integrante que conseguiu grande reconhecimento quando se aventurou sozinho: o baixista Mike Rutherford. Apesar de dois álbuns solo não muito reconhecidos, quando formou o Mike & The Mechanics voltou ao estrelato. O homônimo álbum de estreia, lançado em 1985, rendeu duas músicas no Top 10 americano – “Silent Running (On Dangerous Ground)” e “All I Need Is A Miracle” – e o segundo, “Living Years” (1988), proporcionou um single número um nos EUA com a faixa-título. Isso sem contar “Over My Shoulder”, de “Beggar on a Beach of Gold” (1995), que tinha o vídeo exibido com frequência na MTV Brasil. Por tudo isso e também para saber sobre planos para o futuro que conversamos com Rutherford.
O novo álbum, “Let Me Fly”, é o primeiro em cinco anos. Claro, você é Mike Rutherford do Genesis e poderia ter chamado uns amigos para fazer uma turnê “Mike Rutherford apresenta uma noite de Genesis” e ir muito bem. O que lhe faz compor novas músicas e fazer uma turnê com o Mike & The Mechanics?
Mike Rutherford: Acredito que, primordialmente, é o lazer da minha alma, é o que me motiva, me faz seguir em frente. Eu nunca saí em turnê sem músicas novas. O Genesis teve uma carreira maravilhosa e continuamos grandes amigos, mas não quero ficar tocando músicas do Genesis. Toco duas no meu show, o que é legal, mas gostei muito de montar uma banda, chamar os caras e desenvolver tudo. É todo um processo.
Estou acostumado com um nível muito alto. Para manter isso, tive os dois Pauls e agora Tim e Andrew. Está muito bom assim” – Mike Rutherford
“Let Me Fly” traz um melodic rock muito bem feito, com vocais grandiosos. Quando vai fazer um álbum novo, você olha para trás para seus lançamentos dos anos 80 e 90 e acha que vocês têm que ser aquela banda de novo ou só compõe o que parece ser o certo no momento?
Rutherford: A única referência que tínhamos era um cara chamado Brian Rawling. Não vou dizer que foi um mentor, mas ele tem ótimo ouvido e meio que supervisionou o projeto. Você tem que lembrar que os dois primeiros álbuns do Mike & The Mechanics tinham uma sonoridade de bateria igual às demos. Talvez seja disso que a banda mais se distanciou nos últimos anos e eu quis voltar para isso. Então, mantivemos o som das minhas demos caseiras porque eu fiz uma boa guia de vocal, o som da guitarra, dos teclados e dos meus pedais de baixo. As demos ficaram muito boas. Não tentamos mudar a personalidade delas e construímos as faixas ao redor disso.
A banda tem Tim Howard nos vocais, junto com Andrew Roachford. Fale sobre ter sempre dois vocalistas nos seus álbuns. Por que não apenas um?
Rutherford: A força está nos números. Basicamente, no primeiro álbum do Mechanics, nos anos 80, eu não tinha nada planejado. Tinha composto algumas músicas e chamei algumas pessoas para gravar, porque eu não cantava. Então, no primeiro álbum, há cinco vocalistas. Acabei mantendo dois: Paul Carrack e Paul Young. E Young tinha uma voz para rock e Carrack uma voz de R&B. Essas duas vozes juntas lhe dão uma grande amplitude para composição e para tocar ao vivo.
Você cantou em seu álbum solo, “Acting Very Strange” (1982). Por que não usar sua voz no Mike & The Mechanics?
Rutherford: Porque quando você compõe uma música boa, quer a melhor voz possível para cantá-la e isso me exclui (risos).
No Mike & The Mechanics você utiliza um processo bem colaborativo. Por que não continuou sua carreira solo? Lançou apenas “Smallcreep’s Day” (1980) e “Acting Very Strange” (1982). Por que não um terceiro?
Rutherford: Acho que é a questão do vocal. Com uma grande música, você quer uma grande voz e eu não conseguia. Você percebe suas limitações. Trabalhei com Peter Gabriel e Phil Collins [no Genesis], então estou acostumado com um nível muito alto. Para manter isso, tive os dois Pauls e agora Tim e Andrew. Está muito bom assim.
Quis parar e foi uma escolha minha. No final das contas, se eu não tivesse feito isso, não haveria a reunião em 2007″ – Mike Rutherford
Vamos falar de Paul Young, falecido vocalista do Mike & The Mechanics. O que ele trouxe para o grupo e como era como pessoa e vocalista?
Rutherford: Um dos grandes vocalistas de rock, com uma ótima voz para o estilo e um cavalheiro. Um cara muito legal. Ele tinha seus demônios, vivia o estilo de vida do rock’n’roll na estrada e fora dela. Logo, não foi um enorme choque ele ter morrido cedo demais. Ele e eu estávamos a quilômetros de distância como pessoas, mas nos dávamos muito bem e ele tinha um estilo natural de se adaptar ao que eu estivesse fazendo. No palco, tinha uma presença incrível. Paul Carrack tinha uma grande voz, mas ficava mais na dele. Young conseguia trazer o público de uma forma maravilhosa. A presença de palco dele era sensacional!
Agora falando sobre o Genesis, quando Phil Collins deixou o grupo em 1996, vocês seguiram com Ray Wilson e gravaram “Calling All Stations” (1997). Olhando hoje, você tem orgulho deste álbum? Acredita que foi um erro ou parte da evolução?
Rutherford: Não posso chamar de erro. Apareceu a chance de fazer o álbum. Foi minha culpa, tendo já trocado de vocalistas quando Peter Gabriel saiu [não imaginei que isso seria um problema]. O que aconteceu foi que quando o álbum ficou pronto, nossa popularidade, especialmente nos EUA, de repente afundou. O disco tem boas músicas, Ray fez um bom trabalho e acho que queria continuar. Mas eu achei que ficar mais cinco anos com esse lance de ‘álbum-turnê-álbum’ não estava mais em mim.
O que me traz de volta ao Mike & The Mechanics. Isso estava em você, mas não para o Genesis. Você achou que continuar naquele ponto iria diminuir o status e o legado da banda ou achava melhor seguir com o seu grupo?
Rutherford: Não, não achei isso. O que aconteceu é que Ray e Tony (Banks, tecladista) queriam continuar e trabalhar muito pelos próximos cinco anos para tentar achar um público para o Genesis. Já tinha feito tanta coisa que não tinha mais essa energia ou o entusiasmo para seguir. Então, quis parar e foi uma escolha minha. No final das contas, se eu não tivesse feito isso, não haveria a reunião em 2007. É engraçado como as coisas acontecem.
“Six of The Best” em 1982 no Milton Keynes: Peter Gabriel volta para esse show… Fale sobre esse evento e tudo que o cercou, porque parece haver esse mito de que Peter passava por muitas dificuldades financeiras e, ainda assim, vocês se juntaram.
Rutherford: Isso mesmo. Foi muito simples. Peter teve um problema com os dois primeiros anos do WOMAD (N. do T.: World of Music, Art and Dance, festival criado por Peter Gabriel em 1980). Perdeu muito dinheiro. Ficou numa situação financeira grave demais. Fomos até ele e propusemos fazer um show com ele para levantar o dinheiro para pagar as dívidas do WOMAD. Simples assim. Talvez tenha sido um erro a decisão de não gravar. Não tínhamos ensaiado o bastante, então sabíamos que não seria ótimo. De repente, se a gente filma e grava, não ia ficar tão bom. Pensando agora, isso seria histórico e qualquer coisa assim vale à pena ter.
Estou empolgado de agora termos Phil de volta à ativa e as coisas podem se tornar divertidas” – Mike Rutherford
Se você for no YouTube e assistir as diferentes gravações piratas, há vários ângulos…
Rutherford: É uma pena, foi um momento único e deveríamos ter gravado. Não deveríamos ter ligado para a qualidade.
O álbum “Invisible Touch”, lançado em 1986 pelo Genesis, foi para mim uma mudança no som, que veio mais cristalino e comercial, mas, ainda assim, é absolutamente fantástico. Qual era o plano para ele? Estavam atrás de singles para o rádio ou acredita que foi uma evolução da sonoridade?
Rutherford: Você não pode ir atrás de singles para rádio seja lá o que estiver fazendo. Faça o que faz melhor. O que eu lembro desse álbum é que as composições apareciam a todo instante e não conseguíamos parar. As ideias apareciam livremente, então apressamos a composição para aproveitar o momento. Compusemos rápido. E, de novo, por causa da experiência com meus álbuns solo, que foram feitos de forma meio desordenada e experimental, com uma nova forma de composição, isso acabou gerando um álbum inspirado.
O ano de 2017 marca o 50º aniversário desde que o Genesis começou. Não quero soar desrespeitoso, mas a banda meio que desapareceu… Não houve um grande show de encerramento ou algo assim. Agora que chegamos a essa marca, você se vê querendo fazer algo grandioso para agradecer a todos?
Rutherford: Não sei e, para ser honesto, não há planos no momento. Me encontrei com Phil há alguns dias e ele estava ensaiando para seu primeiro show em anos. Acho que já estava na hora de ele voltar. A questão dos cinquenta anos, ainda temos um espaço de três anos para isso. Nosso primeiro single chega a essa marca em 2019. Por isso, para mim, essa é a data. Estou empolgado de agora termos Phil de volta à ativa e as coisas podem se tornar divertidas.
Por que acha que a música de vocês durou por tanto tempo? O que o Genesis tinha que ressoou com o público?
Rutherford: Acho que em nossa carreira, não podemos esquecer que passávamos muito tempo na estrada, principalmente nos EUA. Íamos para cada cidade com um intervalo curto de tempo e isso estabeleceu certa empatia com o público. Fazíamos parte da vida das pessoas, acho que isso foi importante.
Dois anos atrás, você lançou sua autobiografia, “Living Years”. Como foi o processo e escolher as histórias que você queria contar?
Rutherford: Enquanto eu fazia, encontrei minhas memórias mais agradáveis. O livro é baseado na enorme Revolução Cultural que aconteceu no Reino Unido nos anos 60. Foi incrível porque, de repente, a juventude tinha sua própria cultura pela primeira vez. Até aquela época, o sonho de um garoto de 21 anos era ser igual a seu pai, fazer a mesma coisa. A história é contada ao redor daquela gigantesca mudança social.
Todos na banda continuam amigos, mas Phil e eu temos uma ligação especial. Temos muito em comum. Ele esteve conosco por tanto tempo” – Mike Rutherford
Quando você decidiu ser músico, levando em conta a Inglaterra dos anos 60 com toda aquela fleuma, isso foi bem recebido na sua família ou houve batalhas por causa de sua escolha de carreira?
Rutherford: Bem, meu pai não tinha a menor ideia do que estávamos fazendo. Éramos a primeira geração tocando música Pop. Acho que ele não via uma carreira ali, mas percebia seu filho obcecado por algo e trabalhando duro por aquilo. Ele poderia ter me desencorajado, mas não fez isso. De certa forma, acho que ele foi muito corajoso. Ele pensava em um trabalho de escritório para mim, mas acho que percebeu que o mundo estava mudando. Ele vira duas Guerras Mundiais, e percebia que os preconceitos do establishment estavam caindo. E como havia sido da Marinha e tinha viajado muito e visto muita coisa, estava aberto a isso.
Sobre a música daquela época, você ouvia Elvis Presley, Beatles e todas as demais do pop tinham cerca de três minutos de duração. Aí, o Genesis aparece com músicas longas, sons progressivos e tudo se torna diferente. Fale sobre criar ou ajudar a criar o movimento Progressivo e aquele som, porque é uma “anti-culutura” em relação ao que vinha acontecendo.
Rutherford: É estranho, porque somos muito fãs dos Beatles, eles eram incríveis. Small Faces, The Who, havia muita música boa… Bastante Motown. Talvez tivéssemos muitas ideias. Quatro caras com muita coisa na cabeça para caber em músicas curtas. Então, o conceito de música longa se encaixou.
Havia certo experimentalismo e maturidade em encontrar coisas que os outros não estavam fazendo ou não conseguiam fazer na guitarra e na bateria…
Rutherford: Acho que não tem a ver com a qualidade de quem estava envolvido, mas tentar ser você mesmo e ter muitas ideias. E não havia regras.
Mudando de assunto, quando Phil Collins decidiu que não queria continuar na banda, como foi para você em termos de perder um amigo, um parceiro profissional, o vocalista da sua banda? Foi um choque ou foi tipo: as pessoas fazem o que têm que fazer na vida?
Rutherford: Acho que Tony Banks resumiu bem: “Eu fiquei surpreso de ele ficar tanto tempo”. Quando a carreira solo dele chegou a um nível insano de popularidade, era hora de ele sair, mas continuamos durante 15 anos de um sucesso maravilhoso. Compreendi totalmente. Ainda somos amigos, como disse, o encontrei há alguns dias. Todos na banda continuam amigos, mas Phil e eu temos uma ligação especial. Temos muito em comum. Ele esteve conosco por tanto tempo. Quando você analisa os anos 80 e 90, mal parávamos em casa. Fizemos cinco álbuns e turnês com o Genesis, álbuns e turnês solo, estávamos no ápice, mas era uma loucura em termos de agenda. Era fabuloso, adorávamos nossa escolha de vida, mas para Phil foi muito duro.
Para finalizar, a mesma história, mas sobre quando Peter Gabriel saiu em 1975. Foi um choque ou também já esperavam? E a decisão de escolher Phil foi imediata ou não sabiam o que fazer?
Rutherford: Essa foi mais difícil, porque sempre pensamos na banda como um quarteto e sem Peter isso não iria acontecer mais. Especialmente, porque, como vocalista, ele era a imagem da banda na imprensa e no palco. Nós decidimos que iríamos compor e ver o que acontecia. E já nas primeiras vezes, quando começamos as músicas para “A Trick of The Tail”, deu para ver que iria funcionar.
Transcrito e traduzido por Carlo Antico.