Goatlove: liberdade artística, espontaneidade, rock e literatura

Grupo paulista entrega um híbrido funcional de hard, punk e gótico, que acerta em cheio graças à soma de suas influências e à liberdade musical

Goatlove Logo

“Banda independente” parece ser um termo até modesto para definir a Goatlove, que atualmente promove o segundo álbum, “Guadalajara” (2016). Boa sonoridade, ótimas referências, atitude sem compromisso, diversão e só. Quem gosta de certos sons clássicos dos anos 1980, têm ainda mais chances de também se divertir. Nesta entrevista, conhecemos um pouco mais sobre o grupo formado por Roger Lombardi (vocal), Marco Nunes e Pedro Lobão (guitarras), Lucas Barone (baixo), Alexandre Watt (bateria), suas influências e eventuais projetos paralelos, como o livro de Lombardi, “O Serviço”.

Para começar, algo bem básico: como vocês se conheceram e de onde veio a ideia da banda? Existe algum “grande culpado” que deva ser mencionado?
Marco Nunes: Entrei através de um convite de nosso primeiro baixista Renato Canonico para substituir o guitarrista Rodrigo Toledo. Mas a empatia com o Roger foi instantânea e rapidamente nos tornamos forças complementares no processo de criação de nossa sonoridade. Mas as ideias básicas partem sempre dele. Cabe a mim colocá-las no formato banda. Ou seja, o Roger é o principal culpado!
Roger Lombardi: Sim, eu criei o Goatlove no começo de 2008 e contei com a ajuda do amigo e excepcional guitarrista Rodrigo Toledo. Gravamos o primeiro single “Look What The Goat Dragged In” comigo na voz e com ele tocando todos os instrumentos. Com esse material, comecei a procurar outros músicos para integrar o grupo. Porém, acredito que foi apenas quando o Marco entrou que nos tornamos, de fato, uma banda. Hoje nossa parceria é a força motriz do Goatlove, sem dúvida.

Roger Lombardi, Lucas Barone, Marco Nunes e Pedro Lobão | Foto: Renata Fiusa Nunes
Roger Lombardi, Lucas Barone, Marco Nunes e Pedro Lobão | Foto: Renata Fiusa Nunes

Pode-se perceber uma fórmula química com doses certeiras de The Cult, Billy Idol, The Sisters Of Mercy, Stooges e Bauhaus, isso só para citar algumas. Quem viveu e/ou ouviu essas e outras bandas de hard, punk e gótico dos anos 1980, dá play em qualquer faixa e leva aquela avalanche de referências. Em alguns trechos, ouvi até uma pegada bem Motörhead. Vocês não escondem em nada a formação musical da Goatlove, muito pelo contrário. Como essas influências se complementam durante as ideias iniciais até chegar à gravação?
Nunes: Você notou bem algumas de nossas principais influências. O que acho mais bacana no Goatlove é exatamente termos gostos musicais distintos, mas, de alguma forma, isso ter se tornado parte da estética musical da banda. Sinceramente, porém, não pensamos muito se o nosso som vai virar uma salada musical no final, pois de alguma forma o raio do CD acaba tendo certa homogeneidade. Nossa forma de compor não mudou desde o começo: o Roger me manda as demos das músicas usando seu velho violão de duas cordas que se afinam sozinhas (risos) e eu tento traduzir a aura da música. Geralmente, não precisamos mais que uma ou duas mudanças para que a versão final seja alcançada. Após gravarmos uma versão básica da música, a banda entra adicionando sua própria pegada. Tem funcionado bem desde o começo e no momento não pensamos mudar nossa forma de agir.
Lombardi: Todos esses artistas que citou estão entre nossas principais influências. Inclusive, já tocamos versões ao vivo de quase todos esses citados. Porém, ainda que as influências sejam distintas, temos um processo bem definido, especialmente entre o Marco e eu. Como ele disse, eu mando as demos das composições em versões com voz e violão, em sua maioria, e ele as ‘traduz’ e transforma isso em algo real. Por isso, ainda que haja uma variedade de estilos e influências, essa concentração das composições ajuda a dar uma sensação maior de homogeneidade.

Pude assistir vocês ao vivo na rua Augusta, há cerca de dois anos. A experiência me marcou pela sonoridade e pela postura geral da banda. Roger Lombardi encerrou a última música, após uma intensa catarse musical, e “abandonou” o palco após a última nota. Passou pelo meio do público e foi conversar com alguns dos presentes ao fundo, caçando uma cerveja (salvo engano), enquanto o som ainda reverberava no local e os outros integrantes também iam deixando o palco na mesma vibe. Como vocês encaram uma performance ao vivo? Tem mais a ver com o clima de cada lugar, com como a banda está naquela noite ou no palco os fatores são completamente aleatórios?
Nunes: Todas as alternativas estão corretas. Acho que o único ponto imutável desta equação é como a banda está naquela noite. Nós sempre subimos no palco para nos divertir e consequentemente divertir nosso público. Mas não tem nada muito ensaiado, então aquilo que assistiu foi um momento de entrega pura. Pode ser que da próxima vez a gente saia correndo do bar e deixe a conta pro Roger pagar. Sim, somos sacanas a esse ponto…
Lombardi: Quando há um clima legal e uma conexão com o público, tudo se torna ainda melhor. Isso pode ocorrer em shows em casas tipicamente underground, como esse da Augusta que citou, ou em eventos grandes, como o que fizemos no Roça ‘n’ Roll (MG) abrindo para o Samael. Nossa postura vai ser sempre a mesma e essa catarse que citou é algo real, você está absolutamente certo. Porém, quando todos os elementos estão em ordem, tudo flui melhor.

Roger Lombardi | Foto: Anderson de Oliveira
Roger Lombardi | Foto: Anderson de Oliveira
Marco Nunes | Foto: Gui Tichauer
Marco Nunes | Foto: Gui Tichauer

Sobre os discos “The Goats Are Not What They Seem” (2012) e “Guadalajara” (2016), o que mudou internamente na banda entre um e outro? Eram objetivos diferentes ou com o segundo álbum vocês conseguiram atingir algo tentado no primeiro? E ficou muita coisa de fora que possa ser aproveitada futuramente em estúdio?
Nunes: Ficamos muito felizes com o resultado do “The Goats Are Not What They Seem”. É um disco que teve seu objetivo alcançado, com todos os prós e contras de um álbum de estreia. Colocamos na mesa uma forma mais despojada e diversificada de fazer rock. No “Guadalajara”, nós seguimos a mesma cartilha. Um CD diferenciado, com vários humores ao longo da audição. Por isso, creio que também alcançamos nossos objetivos com ele. Não lançaríamos nada se nosso objetivo não tivesse sido alcançado, não é nossa maneira de pensar um álbum. Temos material para um novo disco sendo produzido neste momento, mas não é um material que “ficou de fora”. São ideias frescas para uma nova viagem musical.

Fica evidente pelo posicionamento da banda, pelas referências apresentadas nos dois discos e por algumas declarações, que a liberdade artística é fundamental para a Goatlove. Como enxergam essa questão na atual cena rock? E como se posicionam dentro dessa realidade?
Nunes: Não existe Goatlove sem liberdade artística. Uma coisa que é interessante notar é que, em diversas ocasiões, nos perguntam como nos posicionamos a respeito da cena. Sendo totalmente sincero com você, nós não temos posicionamento nenhum a respeito. Achamos que cada um pode fazer o som que quiser e há público para todos. O que nos interessa mesmo é fazer esse tipo de som que fazemos. Nada melhor do que você lançar um álbum e tanto público quanto imprensa ficarem tentando adivinhar que tipo de maluquice iremos mostrar. Essa é nossa motivação.
Lombardi: Considero também curioso como um estilo tipicamente outsider e de rebeldia conseguiu se transformar em algo tão conservador. E isso se reflete de diversas formas, não é só a parte musical, não. Porém, não temos a menor intenção de fazer parte de nada. Queremos apenas ser nós mesmos. Essa liberdade artística pode ser, inclusive, a de não mudar. Não há problema em manter o mesmo pensamento durante sua carreira, contanto que seja puro. Veja, sou fã de Motörhead e AC/DC, por exemplo. Sei que essas bandas são extremamente criativas. Há uma ideia um tanto errônea de achar que elas se repetem. Elas simplesmente são efetivas dentro da proposta que escolheram. Como The Cult também o é, sendo diferente a cada disco. Há bandas, porém, que tentam se manter iguais, mas sem a mesma pureza. Aí, sim, você tem algo contido, tolhido e pasteurizado, da qual sou obrigado a discordar. Nós, porém, gostamos de explorar diferentes sonoridades. Não quer dizer que esteja certo ou errado. Quer dizer que, como uma típica banda independente e underground, não temos compromisso algum a não ser com nós mesmos. Nós não queremos a mesma gravação de bateria que muitos perseguem hoje. A razão é simples: não gostamos dessa sonoridade. Se gostássemos, iríamos atrás. Eu não quero esse som, mesmo que seja praticamente uma regra hoje. Muitos acabam soando iguais por causa disso. A mesma forma de tocar, de gravar e até de compor. Esse tipo de conservadorismo nós dispensamos. Eu, particularmente, também dispenso todos os outros.

Marco Nunes e Roger Lombardi, a linha de frente do Goat N'Roll | Foto: Renata Fiusa Nunes
Marco Nunes e Roger Lombardi, a linha de frente do Goat N'Roll | Foto: Renata Fiusa Nunes

Falando em arte, recentemente Roger Lombardi lançou um romance de nome “O Serviço” (2016). O enredo me pareceu interessante, onde o protagonista mergulha, desavisado, em cenários surreais e vai sendo perceptível sua entrada em uma busca existencial conforme a história se desenvolve. É isso mesmo? Pode nos contar um pouco mais sobre o livro?

O Serviço, de Roger Lombardi
O Serviço, de Roger Lombardi

Lombardi: A premissa é próxima a isso, sim. É, em última instância, uma busca existencialista. A história conta como em uma casa distante da civilização, Dario Noronha chega para realizar um serviço. Assim que a porta é aberta, porém, a imagem de um corredor apertado e sem fim mostra que nada parece ser real. Atrás de cada porta, um ambiente totalmente novo: um grande teatro, um escritório lotado, um circo decadente, uma festa estilo anos 1920. Homens com cabeça de cavalo, bode e sapo, entre outros personagens insólitos, tornam as situações mais absurdas, mas não menos reais. Ao entrar e sair de cada ambiente, Noronha vai aos poucos perdendo sua memória ao mesmo tempo que questiona suas crenças e motivações. O livro foi lançado pela Editora Patuá no ano passado. Quem tiver interesse, pode visitar (link).

O que o levou a buscar a literatura como veículo de expressão? Qual a sua motivação para o tema e formato apresentados em “O Serviço”? Você também está escrevendo peças para teatro?
Lombardi: Tenho na literatura uma paixão tão grande quanto na música. Cinema, pintura e culinária também. Porém, como expressão artística, me sinto mais à vontade compondo e escrevendo. Escolhi “O Serviço” para ser minha estreia no mundo literário por acreditar ser uma história cativante o suficiente para gerar curiosidade. Além disso, é uma história relativamente curta, o que ajuda a não gerar rejeição para um autor recém-publicado, acredito. Além dos romances, também escrevo contos, poemas e peças de teatro. Acredito que meu próximo livro, salvo alguma mudança de planejamento, seja uma coletânea de contos. Tenho conversado também com algumas pessoas, entre atores e diretor, para realizarmos a encenação de algumas de minhas peças. É um projeto, entretanto, que está em ‘hold’ até o segundo semestre.

Para encerrar, voltando ao Goatlove: qual o roteiro de vocês para 2017? Por que ainda não houve um show de lançamento de “Guadalajara”?
Nunes: “Guadalajara” será lançado ao vivo em breve. Estamos preparando nossa nova formação e queremos fazer um show fechado para nossos fãs e imprensa, com a presença de engolidores de espada, mulher barbada, eunucos anões e toda sorte de atrações. Será único!

Roger Lombardi | Foto: Gui Tichauer
Roger Lombardi | Foto: Gui Tichauer

Goatlove – Shine (lyric video):

Discografia:
“Look What The Goat Dragged In” (Single, 2008)
“Automatic Fire” (single, 2010)
“The Goats Are Not What They Seem” (CD, 2012)
“Guadalajara” (CD, 2016)

Sites relacionados:
goatlove.bandcamp.com
www.facebook.com/goatloveweb

Sioux 66 banner

Últimas notícias

Banner Burn Artworks

Leia também

Comentários

comentários