Jack Russell: quatro décadas de glórias e decepções da voz do Great White

Depois de algum tempo fora da mídia, vocalista volta a gravar com a sua versão do Great White

Jack Russell's Great White Logo

Nunca é legal quando bandas começam a existir em mais de uma versão e acabam confundindo os fãs. Já aconteceu com Hawkwind, Wishbone Ash e, mais recentemente, com Queensrÿche, L.A. Guns e também com o Great White. Nesse último caso, o vocalista pôde continuar a usar o nome, desde que fizesse algo para diferenciá-lo – o que fez acrescentando seu nome no início. Porém, o Jack Russell’s Great White ainda não havia gravado um álbum completo sob o novo epíteto, o que aconteceu no último dia 27 de janeiro. Para falar sobre isso, além de sua sobriedade, as turnês nos anos 80 e o que o levou a sair da banda, entre outros assuntos, que batemos um papo com Jack Russell.

Já fazia um tempo que você não lançava um álbum. Que mensagem quis passar em “He Saw it Comin'”, sua estreia como Jack Russell’s Great White?
Jack Russell: São músicas que mostram um retrato de como minha vida está agora. A faixa-título fala do momento mais importante da minha vida. Quando tinha seis anos de idade queria ser arqueólogo, mas aí meus pais compraram ‘Help!’ dos Beatles de presente de aniversário. Eu coloquei para tocar e foi como se o céu se abrisse e anjos aparecessem para mim. Naquele momento, sabia que seria um rockstar. Não pensava, tinha esperança ou desejo… Eu sabia! Comecei a pular na minha cama cantando ‘Help’ sem sequer imaginar o quanto de ajuda eu ia precisar. Eu vi minha vida dar voltas que me levariam onde eu precisaria estar. Em 1980, eu conheci Mark Kendall e nós saímos de nossas respectivas bandas para formar o Dante Fox. O Great White nasceu em 1982, das cinzas do Dante Fox.

Jack Russell | Foto: Jaymz Eberly - eberlyphoto.com
Jack Russell | Foto: Jaymz Eberly - eberlyphoto.com

Eu sei que vou morrer se beber. O médico não falou isso de brincadeira, ele foi enfático.”

Falando da banda hoje em dia, esta é a formação de agora em diante?
Russell: Sim, esta é a banda que eu esperava que se formasse, por isso que demorei para gravar algo. Eu sabia que a formação não era a ideal e estava determinado a não gravar enquanto não fosse. Esperei, esperei, esperei e aí arrumei um novo baixista (Dan McNai, ex-Montrose) e achei que estava pronto. Conseguimos um contrato e começamos a gravar. Estou muito feliz com o resultado final, acho que nunca fiz nada tão bom quanto isso.

Você teve um intestino perfurado e disse que ficou em coma por beber demais no ano passado. Como você está atualmente?
Russell: Olha, estou muito bem. Minha única reclamação são minhas costas que doem o tempo todo e tenho que andar com uma bengala. Fora isso, estou bem, sóbrio por quase um ano e meio. E não vou voltar a beber porque o médico me falou, sem deixar nenhuma dúvida, que vou morrer se voltar a beber do jeito que bebo. E eu só bebo de uma forma e isso seria como jogar roleta-russa com seis balas e o que não é algo que eu esteja preparado para fazer. Esse foi um obstáculo superado. Fora isso, estou muito bem, meu coração está em boa forma, tudo funcionando bem.

Se me permite, sobre a sua sobriedade: isso tem sido um problema durante os últimos 10 ou 15 anos. Qual o plano para garantir que você continue sóbrio? Fale sobre essa luta, porque deve ser diária e há tentações em todos esses clubes que você passa…
Russell: Vou ser honesto com você: hoje em dia, é como se eu fosse lutar contra uma cobra venenosa. Eu sei que vou morrer se beber. O médico não falou isso de brincadeira, ele foi enfático. Falou que depois que minha mulher contou para ele como eu bebia, não é que eu poderia morrer e sim que iria morrer. Meu fígado não aguenta mais. E não vou mudar o modo que bebo. Se beber uma cerveja, vou beber um milhão. Então, eu não vou me jogar na frente de um ônibus. Não vou me matar de forma consciente. Isso é mais do que maluco e olha que beber como um alcoólatra já é insanidade por si só, porque só há três caminhos possíveis: prisão, clínica de reabilitação e morte. Eu não vou parar na cadeia ou em uma clínica, vou morrer. Eu levo isso muito a sério.

Hoje (N.T.: entrevista realizada no dia 30 de janeiro) é aniversário de lançamento do Slide It In, lançado em 1984 pelo Whitesnake. Vocês fizeram parte da turnê, abriram os shows no Reino Unido. Me leve de volta àquela época, já que vocês estavam bem no início de carreira. Como foi aquela experiência?
Russell: Nossa, foi sensacional! Nunca havíamos tocado fora dos EUA e ainda mais estávamos com o Whitesnake! David Coverdale, Jon Lord, Cozy Powell, Neil Murray, John Sykes e Mel Galley. Era uma banda excelente. Me lembro de ficar em hotéis muito legais no estilo chalé, com um piano bar e uma noite fiquei lá com Jon Lord. Ele tocando piano e eu cantando músicas do Deep Purple. Cantei ‘Child In Time’ e ele me disse que eu tinha cantado bem. Eu, John Sykes e nosso baterista, Gary Holland, ficamos andando escondidos por um hotel que supostamente era um castelo mal-assombrado. Achamos umas portas secretas e fomos parar no terraço. Tocar no Glasgow Appolo, em lugares que o Led Zeppelin tocou. Eu pensava: ‘Estou pisando na mesma madeira que a realeza.’

Quando se está numa turnê como essa, e vê David Coverdale na sua frente, você consegue absorver alguma coisa? Você senta e estuda ou isso não faz parte? Seria somente algo como: “Vamos fazer nosso show e pronto.” Você tira um momento para observar?
Russell: Ah, sim, eu sempre assistia. Jamais bebia na estrada. Jamais… Só mais tarde na carreira, quando o lance com álcool ficou muito ruim, quando fiz cirurgia para as costas e tinha que tomar analgésicos. Aí, sendo o dependente que sou, não tomava dois comprimidos, tomava catorze. Estava péssimo o tempo inteiro. Mas antes, até o meio dos anos 2000, eu parava de fumar e beber duas semanas antes de entrar em turnê para minha voz ficar em forma. Álcool não faz nenhum bem à voz.

Cigarro também não…
Russell: Eu sei, eu sei. Por sorte, minha voz ainda está boa, mas estou no lucro. Isso é uma coisa que tenho que parar. Prometi a mim mesmo que vou parar de fumar nesse fim-de-semana. Enfim, assisti a muitos dos shows deles (Whitesnake) e ficava abismado.

Logo depois, vocês fizeram a turnê com o Judas Priest, que divulgava o álbum “Defenders of the Faith” (1984).
Russell: Sim, arenas esgotadas em todos os lugares!

Dan McNay, Robby Lochner, Jack Russell, Dickie Fliszar e Tony Montana | Foto: Jaymz Eberly - eberlyphoto.com
Dan McNay, Robby Lochner, Jack Russell, Dickie Fliszar e Tony Montana | Foto: Jaymz Eberly - eberlyphoto.com

Mas isso foi só Canadá e EUA, não em outros continentes. 
Russell: Sim, exatamente.

Porém, essa também é especial, porque agora era o Rob Halford. Primeiro você tem que “enfrentar” David Coverdale, depois ele. Há algum tipo de nervosismo? 
Russell: Não, de jeito nenhum. Nunca tive medo de ninguém quando se trata de competição; nunca me preocupei sobre alguém ser melhor do que eu. Não se trata disso, se trata de mim sendo tão bom quanto eu posso e melhor do que na noite anterior; melhor no álbum novo do que o antecessor. É isso que importa, cada um tem sua voz e ninguém é melhor do que ninguém. Você gosta de um de outro ou dos dois. É como o David Lee Roth no Van Halen. Eu nunca gostei muito da voz dele, mas havia algo nele que o fazia um grande ‘entertainer’. E gosto das músicas da época dele, na voz dele. Quando o Sammy Hagar entrou, eles deveriam ter mudado o nome para Van Hagar, porque, sinceramente, era uma banda diferente. A voz dele é ótima, mas eu não quero ouvi-lo cantando ‘Ain’t Talkin’ ‘Bout Love’. Você não se importa com quem é melhor. Sammy, tecnicamente e em muitos outros quesitos, é um vocalista melhor que David, mas este último tem um som próprio, faz o melhor que pode com ele e soa bem.

Estamos em 2017 e você chega a praticamente 40 anos de carreira. O que tem sido a chave para seu sucesso em termos de manter as pessoas interessadas e você se manter em forma para continuar fazendo isso? Se fosse falar com algum moleque, quais conselhos poderia dar para se ter uma carreira musical? Digo isto porque há muita gente que fica pelo caminho…
Russell: Ah sim, especialmente hoje em dia, com as pessoas com uma capacidade de concentração tão pequena por causa de aplicativos e internet. Não é como era antes, que havia toda uma cerimônia para se gravar um disco, passar por muitas coisas… Hoje em dia é tudo tão rápido e descartável. É tipo: ‘Qual sua banda favorita hoje?’ (risos). Não há fãs fiéis. Como uma banda pode fazer turnê se nunca foi ouvida? Isso me intriga. O único conselho que posso dar a qualquer um é: se você acredita em algo o bastante, você vai fazer acontecer. Se acredita com todas as fibras de seu corpo e vai atrás, pode fazer qualquer coisa acontecer. Eu sei disso por experiência própria. Simplesmente não desista nunca! Por mais difícil que pareça. Mas vou lhe falar uma coisa: eu estaria meio confuso se estivesse numa banda nova sobre o que fazer e não tivéssemos fãs fiéis. Foi mais ou menos assim nos anos 90, quando nossos fãs começaram a ter filhos e sumiram dos nossos shows. Agora que os filhos cresceram, os pais querem reviver sua adolescência e nossos fãs voltaram, com os filhos. Então está legal, é uma época boa para nós.

Não é inacreditável que você agora seja um vocalista profissional por 40 anos? O Dante Fox é de 1977! Você pode usar isso como estratégia de marketing quando sair em turnê nesse verão: o 40º aniversário de carreira Jack Russell. 
Russell: Exatamente. Meu Deus! (risos). Na verdade, Eu tive minha primeira banda aos 11 anos!

Quando se olha para trás na discografia do Great White todos falam sobre “Once Bitten…” (1987) ou “…Twice Shy” (1989), mas  meu favorito sempre foi “Hooked” (1991). O que ele significa para você? 
Russell: Há algumas músicas legais nele, mas foi um azar por causa da época. A (gravadora) Capitol havia trocado de presidente e o que entrou era um grande fã da (guitarrista e vocalista de blues) Bonnie Raitt. Ele só pensava nisso, então não fez muito para promover o nosso disco. Passamos de vender quase 3 milhões para 750 mil, ou algo assim. Daí, no ‘Psycho City’, que é um álbum incrível, gastamos muito dinheiro para gravar. Fomos a uma casa em San Andreas e gravamos com um estúdio móvel. Depois ficamos sabendo que a casa era de uma mulher com quem o Alan (Niven, um dos produtores do álbum e empresário da banda) mantinha um caso. Mas nós percebemos que eles não estavam mais ligando para gente quando nos mandaram um Disco de Ouro pelo correio! Mas, voltando a ‘Hooked’, é um ótimo álbum, pena que muitas pessoas não tiveram acesso a ele. Talvez tenha sido porque era o início dos anos 90. Sinceramente, acho que o que aconteceu com o Great White foi que chegamos muito tarde. Se nosso primeiro álbum (‘Great White’, 1984) não tivesse sido sabotado intencionalmente porque o vice-presidente da gravadora queria ser o presidente… Para se ter uma ideia, naquela turnê com o Judas Priest íamos às lojas em ninguém sequer conhecia a banda, quanto mais ter o álbum. Se aquele tivesse feito o sucesso que deveria, teríamos os anos 80 inteiros para ficarmos grandes mesmo. Tivemos nosso momento na parte final daquela década mas, então, quando o grunge apareceu, estávamos começando a despontar e isso, digamos, tirou um pouco da força do motor.

Todas as vezes que assisti ao Great White até aquela época, vocês eram sempre a banda de abertura. Por que não conseguiram dar o salto para se tornar a principal numa turnê de arenas? Foi a imagem? Vocês não eram “hair metal”, mas uma banda de blues rock. Isso teve a ver?
Russell: Achar que éramos ‘hair metal’ é ter preguiça de pensar. Nós chegamos a tocar como headliners e começamos a turnê, mas aí o Kiss pediu para fazermos uma tour com eles e o dinheiro era absurdo, então aceitamos. E, antes, estávamos tocando com o Tesla, revezando como banda principal. Mas toda noite chegavam os números da venda de camisetas e as nossas vendiam sempre muito mais. Por direito, devíamos ser headliners toda noite, mas isso não ia acontecer, pois havia muito ego envolvido. E foi um sucesso, esgotamos todos os lugares. Nos divertimos muito com eles.

Jack Russell's Great White - He Saw It Comin'
Jack Russell's Great White - He Saw It Comin'

Achar que éramos ‘hair metal’ é ter preguiça de pensar.”

Você mencionou o Alan Niven e eu não queria falar sobre isso porque parece haver certa raiva quando se fala nesse assunto. No começo, lá no início da década de 80, você tem que admitir que ele foi importante…
Russell: Com certeza, é claro que foi. Essencial para o sucesso da banda e me ensinou muita coisa. Aprendi muito sobre composição, ele foi um grande mentor. Tivemos nosso desentendimento e agora os outros caras voltaram com ele, são todos amigos e tal. Eu tentei fazer isso, fui com minha mulher até a casa dele e foi esquisito. O clima estava estranho e eu quis embora, fiquei com a sensação que alguém ia levar um tiro. Foi maluco nesse nível.

No final das contas, falamos que você tem uma carreira de 40 anos e, apesar de não serem amigos agora, àquela época, se não fosse por Alan, isso não chegaria a acontecer. Portanto, ele merece algum crédito.
Russell: É claro, eu tenho que dar crédito e não tenho nenhuma animosidade com relação a ele. Foi um grande compositor, grande letrista, somou muito à banda. Se não fosse Alan, não sei se sairíamos da estaca zero. Ele largou o trabalho no selo Enigma, porque os dois irmãos que eram donos não queriam contratar a banda. Aí fomos à casa dele e eu pedi para que ele fosse nosso empresário. Apesar de não querer e alegar que não sabia nada sobre isso, eu insisti e disse que ele aprenderia. E ele aprendeu mesmo, foi um ótimo manager por um longo tempo. Só que para mim, chegou a um ponto, quando estava ficando sóbrio, que fiquei cansado de alguém me falando o que fazer, o que dizer em uma entrevista. Já fazia isso há algum tempo e tinha que aguentar gente gritando comigo sobre o que eu disse para uma revista. Não aguentei mais. Foi a última gota.

Pode ser que quando ele lhe disse essas coisas foi com boa intenção sobre imagem pública e marketing. Não acredito que foi com a intenção de tratá-lo como um aluno levado.
Russell: Não, não foi mal intencionado. Mas eu estava cansado de ser atacado e sabia que podia trabalhar sozinho. Não queria gente me entregando letras. Eu componho, compus muitas coisas do Great White, tenho mais créditos de composição do que qualquer um na banda.

Onde você vê sua carreira indo? Você se enxerga como B.B. King ou Mick Jagger, tocando até cair do palco…
Russell: (interrompendo) Espero que sim!

Então, não tem nada de fazer isso por mais cinco anos e depois se aposentar?
Russell: Não, não coloco limites na minha carreira, minha saúde é que vai determinar. Enquanto puder fazer o que faço, vou continuar. Se tiver que tocar sentado num banquinho, vou fazer isso, desde que consiga subir num placo. É o meu trabalho, é o que eu faço.

Transcrito e traduzido por Carlo Antico

A banda ideal, segundo Jack Russell | Foto: Jaymz Eberly - eberlyphoto.com
A banda ideal, segundo Jack Russell | Foto: Jaymz Eberly - eberlyphoto.com
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