Em entrevista para divulgar seu mais novo projeto grandioso, “The Demon” fala sobre o Kiss, a dinâmica de uma banda e o atual momento dos negócios da música
Goste-se ou não de Gene Simmons, a verdade é que ele transformou o Kiss em algo que sempre disse que faria: uma marca como a Disney, um nome que ultrapassaria os limites da música e seria usado em vários produtos. Gene nunca negou que essa era sua real intenção quando formou a banda ao lado de Paul Stanley há quase 45 anos. E mais: muita gente que o acusou de pensar apenas em dinheiro, acabou fazendo exatamente o que o Kiss fez. Quer um exemplo? Antes de 2008, qual banda fazia “meet & greet” com os fãs que pagassem um ingresso mais caro? Muita gente achou um absurdo, mas hoje Dream Theater, Metallica, Yes fazem, assim como Rush, Black Sabbath e Mötley Crüe também fizeram antes de encerrarem as atividades. Seu novo projeto, “Gene Simmons’ Vault” também exige um certo gasto monetário por parte dos fãs, mas, em contrapartida, os recompensa de maneira muito peculiar. Foi para falar sobre essa nova empreitada e outros assuntos, que o ROCKARAMA bateu um papo com ele.
É meio século, cinquenta anos de músicas inéditas, 150 faixas que jamais foram lançadas. Começa em 1966 e vai até 2016″ – Gene Simmons
Vamos começar falando sobre “Gene Simmon’s Vault”. O que há de especial para os fãs neste box?
Gene Simmons: Há muita falatório sobre isso e eu não ligo. Aqui está o mais importante: como tenho sorte, fui abençoado e os fãs me proporcionaram uma vida que jamais sonhei ser possível, vou pagar avião, hotel, seguranças, seguro viagem e tudo mais, e viajar pelo mundo para entregar pessoalmente cada uma das “Gene Simmons’ Vault” na casa daqueles que a comprarem (N.T.: segundo informações no site, Gene só vai à casa de pessoas dentro do território americano. Nem mesmo Alaska e Havaí podem participar). A ideia é simples: os fãs vão até o site genesimmonsvault.com que todas as dúvidas serão sanadas e aí terão a certeza que essa é a maior box-set de todos os tempos. É meio século, cinquenta anos de músicas inéditas, 150 faixas que jamais foram lançadas. Começa em 1966 e vai até 2016. Há músicas compostas em parceria com Bob Dylan, que foi muito gentil em vir até a minha casa e compusemos três músicas juntos. Também gravei todo o processo de criação, no qual estávamos brincando, tocando violão, isso está na caixa. Os irmãos Van Halen fizeram três músicas comigo em 1978; Joe Perry do Aerosmith está em uma; todos os integrantes do Kiss em algumas, é um sem fim de coisas… A caixa pesa 17 quilos, tem um pouco menos de 1 metro de altura e um pouco mais de meio metro de largura. Tem literalmente rodas de metal e está desenhada para durar uma vida inteira. Vem com um livro enorme com 50 mil palavras e centenas de fotos de minha coleção particular, além de 10 CDs. É a mais grandiosa de todas as box-sets. Eu ia chamá-la de Godzilla, mas o nome já tinha dono. Em resumo: muito poucas serão feitas, alguns milhares para o mundo inteiro. Não vai vender em lojas físicas ou virtuais, não há como fazer download, nada dessa baboseira. Isso é uma obra de arte da qual tenho muito orgulho e, por minha conta, vou voar pelo mundo e entregar pessoalmente para aqueles que comprarem. E o resto, para aqueles que puderem pagar e quiserem algo extra especial, podem entrar em genesimmonsvault.com e ver como tudo funciona.
Bob Dylan, perguntando para mim como eu componho? Minha vontade era falar qualquer coisa, tipo, ‘eu não sou digno disso’!” – Gene Simmons
Como Gene Simmons e Bob Dylan se juntaram? Foi para um álbum solo ou um álbum do Kiss?
Simmons: Bem, eu nunca componho por alguma razão específica, só componho. Se você sente que a inspiração vem, tira um tempo para escrever e o que sair, saiu. Com Bob Dylan, o que aconteceu foi que liguei para o manager dele, me identifiquei e eles me conheciam. Disse que queria compor com Bob e o manager hesitou um pouco, mas deu para ouvir no fundo Dylan dizendo que tudo bem. Ele é o cara mais gentil e generoso que você pode imaginar, encantador. Conversamos um pouco ao telefone e aconteceu que, um ou dois dias depois, uma van bem discreta apareceu e Bob veio até a minha casa. Sentamos e trocamos licks nos violões, tentamos um acorde ou outro, conversamos sobre filosofia, e ele me perguntou como eu compunha. Dá para imaginar? Bob Dylan, perguntando para mim como eu componho? Minha vontade era falar qualquer coisa, tipo, “eu não sou digno disso”! E tudo isso está na caixa, todo o processo.
Imagino que, fora Paul McCartney, sentar para compor com Bob Dylan deve ser a experiência de fã mais incrível para você.
Simmons: Sim, seria incrível para mim, mas mesmo Paul McCartney estremece por Bob Dylan.
E as demos com Alex e Eddie Van Halen? Logicamente, eram para o álbum “Love Gun” (1977), mas por que não foram lançadas na box-set do Kiss (2001)?
Simmons: Eu descobri o Van Halen tocando em um clube e os contratei para a minha produtora, Man of a Thousand Faces. Paguei a viagem deles para Nova York, produzi 15 músicas no Electric Lady Studios e quando fiquei muito ocupado, rasguei o contrato e avisei que estavam livres porque eu tinha que voltar para a estrada. Mas, quando eu estivesse liberado e tivesse tempo, eu ia atrás de um contrato para eles. Eu não podia, em termos éticos, tê-los sob contrato enquanto estava em turnê sem fazer nada para ajudá-los. Logo, fiz a coisa certa e eles conseguiram um contrato rapidinho. Como agradecimento, os irmãos Van Halen foram gentis em gravarem três músicas que eu compus quando voltamos do Japão, em 1978. Uma delas era “Christine Sixteen” que gravamos às 2 da manhã (N.T.: Gene provavelmente se confundiu em relação às datas, já que “Christine Sixteen” faz parte de “Love Gun” lançado em 1977, ano em que houve a colaboração com Eddie e Alex Van Halen). Nenhuma daquelas músicas foi gravada para algum álbum em particular. O fato é que eu compunha e gravava constantemente, e ainda faço isso. Vou fazendo e gravando, não penso muito naquilo. Paul (Stanley) é diferente. Ele compõe especificamente para um álbum. Eu nunca fui assim. É por isso que o material sai com muita influência dos Beatles, ou com muito teclado, ou um hard rock típico com guitarra, baixo e bateria. Em algumas eu toco todos os instrumentos, produzo e faço engenharia de som. É difícil descrever 150 músicas inéditas, que englobam 50 anos.
Nem todos foram feitos para correr maratonas, entende? (…) Continuar por 44, 45 anos é algo para pessoas bem peculiares. Eu sou peculiar” – Gene Simmons
Para aqueles que não puderem pagar o preço, haverá um lançamento em CD normal, daqui um ou dois anos?
Simmons: Isso nunca irá acontecer. Eu prefiro destruir tudo. Um Rolls-Royce é um Rolls-Royce, nunca deve ser diminuído. Essa é a única maneira [de conseguir a caixa]. Se alguém quiser, são 2 mil dólares (N.T.: valor da “Experiência Vault”, o mais “barato”; a mais cara, na qual ele entrega o box-set na casa do fã, custa nada menos que 50 mil dólares) pela maior box-set de todos os tempos e depois eu vou pagando do meu próprio bolso ao redor do mundo, pagando pelo meu seguro viagem, seguranças e hotel, e entregarei pessoalmente cada uma das box-sets para os fãs. Não há outra maneira de conseguir e só alguns milhares serão feitos no mundo inteiro na história.
A banda está se aproximado de 45 anos de existência e, aproveitando, como fã, muito obrigado por isso, já que vocês significaram muito para minha vida…
Simmons: Fico muito feliz com isso.
E significaram mesmo. Fizeram músicas que nos deixam de bom humor, que levantam o astral. O Kiss foi mais do que uma simples banda, mas a pergunta é: como o Kiss criou uma base de fãs tão apaixonada? Quando se entra na internet, se vê pessoas discutindo sobre Ace, Peter, Bruce (Kulick) e você não vê isso com Scorpions ou Foreigner. De onde vem essa paixão pelo Kiss?
Simmons: Eu acho que é como quando você faz parte de uma família e, de repente, o pai não está mais lá. Ele sempre será integrante porque é seu pai, mas teve que ser retirado porque era um bêbado ou fez algo errado. Os fãs sempre discutem a razão de simplesmente não voltarmos, mas eles não entendem a dinâmica. Mas família é isso. E bandas, de uma forma bem realista, se você continua por aí por 45 anos, são famílias. Frequentemente, você passa mais tempo com seus companheiros de banda do que com seus parentes. Aliás, eu fiz um show beneficente com a Gene Simmons Band em St. Paul (N.T.: estado de Minnesota) em que os lucros foram para ajudar nossos irmãos americanos vítimas do furacão em Houston. Fizeram parte do evento: além da Gene Simmons Band, Don Felder (ex-Eagles), Cheap Trick, The Jayhawks e Ace Frehley quis subir no palco para ajudar também. É claro que aceitei! E alguns meses atrás, Ace me pediu para ir à casa dele para compor alguma coisa para seu próximo álbum solo. Compusemos duas e ele irá gravar ambas. Mas, estar em uma banda é um problema e relacionamentos são problemáticos, nada é fácil. E muitas pessoas não conseguem manter relacionamentos longos, porque nem todos foram feitos para correr maratonas, entende? Quase todo mundo consegue correr um percurso curto, mas continuar por 44, 45 anos é algo para pessoas bem peculiares. Eu sou peculiar.
Nossos integrantes originais, Ace e Peter, foram a melhor coisa que já nos aconteceu, nós não existiríamos sem eles. Mas, se você sucumbe aos clichês, o ônibus parte sem você. A vida é assim” – Gene Simmons
Falemos sobre a Gene Simmons Band. Paul fez coisas nos anos 80 e teve Eric Singer (bateria) e Bob Kulick (guitarra) envolvidos. Você meio que resistiu, mas agora está fazendo isso. Por que demorou tanto? E isso leva a um álbum solo de Gene Simmons e mais algumas datas ou é algo com fim programado, que fez porque os fãs queriam, mas quando acabar, acabou?
Simmons: Olha, eu não faço ideia. Tudo que sei é que estou me divertindo como nunca e agora vivo e respiro o genesimmonsvault.com. Mal posso esperar para entregar pessoalmente a box-set para os fãs. Todos eles, no mundo inteiro. Em janeiro, vou tirar um ano de férias de turnês para viajar pelo mundo fazendo as entregas.
Você acabou de dizer que vai tirar um ano de férias de turnês. Isso quer dizer: nada de datas solos e atividades do Kiss em 2018?
Simmons: Sem datas para o Kiss, mas se tivermos um fim-de-semana livre e estiver com menos coisas acontecendo, claro. Mas, se eu for para a Nova Zelândia, aí os shows têm que ser na Austrália, porque é ali perto. É difícil cruzar o planeta, se uma pessoa estiver na Rússia e outras cem na África do Sul. Tem que haver planejamento, fazer sentido. Logo, conveniência para os fãs e para mim é importante. Você não quer forçar ninguém a cancelar planos como o aniversário da filha para reunir a banda. Tem que ser planejado com muita antecedência. Tudo vai dar certo, estou comprometido com isso e não se preocupe com os detalhes. Se eu me comprometo com algo, eu faço acontecer.
Você mencionou que o Kiss é uma família. Fora as conversas sobre reunião, você já se imaginou em um palco com Bruce, Ace, Peter e tocar em um show especial no Madison Square Garden, no qual todos eles aparecem para tocar duas músicas cada um de sua época respectiva ou esse tipo de coisa não faz mais sentido?
Simmons: Para fazer algo único, tudo é possível. Aliás, Bruce Kulick e Bob Kulick estarão no Kiss Cruise desse ano. Tivemos várias formações e nos divertimos muito, logo, não há regras. É só que, quando se faz parte de um time, você quer consistência. Quer um cara com quem possa contar quando passa a bola, porque o time inteiro depende disso, concorda?
Com certeza.
Simmons: Então, se o cara para quem você passa a bola está sob o efeito de drogas ou álcool, o time todo afunda. Vocês dependem uns dos outros: um por todos e todos por um. E, nossos integrantes originais, Ace e Peter, foram a melhor coisa que já nos aconteceu, nós não existiríamos sem eles. Mas, se você sucumbe aos clichês, o ônibus parte sem você. A vida é assim. Você não determina o que os outros fazem de acordo com a sua programação, tipo: “Hoje eu quero ficar aqui e não fazer nada”. Não! Ou “Não posso subir no palco hoje porque não estou me sentindo bem”. Mas, ambos Ace e Peter são grandes amigos e finalmente se limparam. E isso é ótimo porque nós os amamos e os apoiamos, mas três vezes entrando e saindo da banda? Já deu.
O Kiss não é uma instituição de caridade, apesar de eu doar para muitas, mas para as que eu quero. (…) Não quero ninguém determinando se tenho dinheiro suficiente” – Gene Simmons
Sim, e como fã, devo dizer que fiquei feliz de conhecer talentos como Bruce Kulick, Eric Singer e, claro, não podemos nos esquecer de Eric Carr. Eles somaram muito à música da banda e isso foi ótimo.
Simmons: As pessoas pensam em termos de ideias limitadas. O AC/DC não pode existir sem Bon Scott. Na verdade, eles podem. Não podem existir sem Brian Johnson. Podem sim, Axl fez um bom trabalho. E o Van Halen – que eu descobri – não pode existir sem David Lee Roth. O fato é que eles ficaram maiores com Sammy Hagar. Então, todas essas regras significam muito pouco e os fãs vão continuar a discutir entre eles. Você gosta de preto, eu gosto de vermelho. Isso é legal, mas uma banda é uma coisa dinâmica. Respira, tem vida e é tão boa quanto às pessoas que estão nela, como em qualquer relacionamento: casamento, amizade, banda, jogo de futebol americano.
A “Gene Simmon’s Vault” também possui um livro que me deixou mais empolgado até do que os álbuns. E não digo isso de forma desrespeitosa, mas é que as fotos e as histórias…
Simmons: Eu entendo. É um livro de 50 mil palavras que eu escrevi, tem centenas de fotos. Literalmente, tem que ver para crer.
Algum dia iremos ver um novo álbum do Kiss ou isso também não faz mais sentido?
Simmons: Estou azedo com relação a essa ideia toda. Eu não quero me matar de trabalhar para os fãs decidirem baixar o álbum ou compartilhar arquivos. Não há nenhuma vantagem para mim nisso. O Kiss não é uma instituição de caridade, apesar de eu doar para muitas, mas para as que eu quero. Imagino que você é pago pelo que faz para ganhar a vida. Não quero ninguém determinando se tenho dinheiro suficiente. Sou eu que determino isso. Então, o incentivo para fazer um novo álbum… Eu componho o tempo inteiro, mas para lançar da forma tradicional. Baixar e compartilhar arquivos não possui o menor interesse para mim.
Sim, e devo dizer que concordo. Você não entraria numa loja de móveis e sairia com uma cadeira sem pagar só porque teve vontade de tê-la naquele momento. Não é assim que funciona.
Simmons: Na semana seguinte a loja de móveis iria falir.
Transcrito e traduzido por Carlo Antico.