O vocalista John Lawton analisa toda a carreira da banda e fala sobre alguns de seus inúmeros projetos
Não são raras na história do rock aquelas bandas que lançam um primeiro álbum histórico, mas depois, por vários motivos, não conseguem manter o “momentum”. Blue Cheer, Airrace, Romeo’s Daughter, entre outros, se enquadram nessa categoria. Assim como o Lucifer’s Friend. O debut homônimo, lançado em 1970, é considerado um clássico que poderia ser comparado a tantos lançados na mesma época, mas, por algum motivo, a banda acabou se tornando “cult” e o disco reverenciado apenas no underground. Porém, ela tem outros lançamentos bem ecléticos e interessantes de se conferir. Para falar sobre eles e do mais recente, “Too Late To Hate”, além de seu período com o Uriah Heep e outros projetos, que batemos um papo com o simpático John Lawton.
“Too Late To Hate” (2016) é seu primeiro álbum apenas com inéditas desde “Sumo Grip” (1994), se considerarmos que “Awakening” (2015) era mais uma coletânea. Fale sobre a motivação, o processo de composição e do álbum ao vivo gravado no Sweden Rock Festival em 2016, que veio antes dele.
John Lawton: Como “Awakening” era uma coletânea, achamos que seria uma boa ideia colocar algumas músicas novas nele para mostrar às pessoas que ainda estávamos na ativa. Logo depois do lançamento, recebemos o pedido para tocar no Sweden Rock e nos foi sugerido que gravássemos a apresentação, e foi o que fizemos. Acho que a recepção que obtivemos foi o combustível que precisávamos para gravar um novo álbum completo. Peter Hesslein (guitarra) havia composto a parte instrumental de 15 músicas novas. Então, após decidir quais eram as melhores, fiz as letras, mudei algumas melodias e fomos em frente.
Sinceramente, não tentei fazer soar como Uriah Heep. As harmonias saíram daquela forma e por que não? (…) Mas com certeza não é intencional” – John Lawton
Devo dizer que adorei o álbum. Sua voz está maravilhosa, está soando ótimo. Fale sobre a faixa de abertura, “Demolition Man”, e aqueles teclados e sobre “Tears”, que entra no território do AOR.
John: Bem, obrigado pelos elogios! Acho que o mérito é da mixagem (risos). Peter compôs “Demolition Man” e ele mesmo tocou os teclados, que ficaram tão bons que decidimos mantê-los. Aquela “parte do rap” era algo que eu queria tentar, porque nunca havia feito nada assim antes. “Tears” é uma faixa legal e acho que um pouco mais comercial, mas acabou funcionando bem.
Vamos falar do Uriah Heep mais tarde, mas quando ouvi “I Will Be There” não tive como não pensar na banda devido aos backing vocals. Você concorda? Fez você lembrar seus dias com o Uriah Heep?
John: Sinceramente, não tentei fazer soar como Uriah Heep. As harmonias saíram daquela forma e por que não? Quando fazíamos backing vocals com o Uriah Heep, as vozes de Ken (Hensley, teclados), Lee (Kerslake, bateria) e a minha tinham o mesmo vibrato e é por isso que funcionava tão bem. Nessa faixa (e em todas as outras) eu fiz todos os backing vocals, então é claro que vão soar um pouco como as harmonias do Uriah Heep, mas com certeza não é intencional.
Ok, vamos fazer uma viagem no tempo agora. É 1969 e sua segunda banda, chamada Stonewall acaba de fazer uma turnê na Alemanha. Por que você decidiu ficar na Alemanha, o que levou a formação do Asterix?
John: Um grande amigo meu me disse que achava que minha carreira musical estava em Hamburgo e porque eu havia acabado de conhecer minha futura esposa… decidi ficar. Acho que funcionou bem. (risos)
O Asterix lançou um álbum homônimo em 1970. Quando se ouve, dá para notar aquela sensação de fim dos anos 1960, especialmente músicas como “Everybody”, “If I Could Fly” e “Open Up Your Mind”, apesar do resto já ser um sinal do que viria pela frente. O que você se lembra sobre este trabalho?
John: Para ser honesto, não muito (risos). Os caras que fariam parte do Lucifer’s Friend haviam gravado o álbum sob um nome diferente com um vocalista chamado Tony Cavannagh e me pediram para dar uma verificada nas letras em inglês. Eu fiz isso e aí eles sugeriram que eu cantasse também e o resto é história.
O Lucifer’s Friend já estava por trás do Asterix mas sob um nome diferente já que achavam que aquelas músicas eram muito comerciais” – John Lawton
Como o Asterix evoluiu para se tornar o Lucifer’s Friend e qual é a origem do nome?
John: Como eu disse, o Lucifer’s Friend já estava por trás do Asterix mas sob um nome diferente já que achavam que aquelas músicas eram muito comerciais para serem lançadas como Lucifer’s Friend. Não tive participação na escolha do nome da banda, já que eles já tinham escolhido. Tinham gravado uma música com esse nome e decidiram dar esse nome à banda.
O álbum de estreia é visto como um clássico do heavy rock. Quero saber o que você acha de sua performance nele, porque acho que inspirou vários vocalistas de hard rock e metal que vieram depois de você. Particularmente, eu acho que inspiraram um jovem Sammy Hagar, porque nos momentos mais pesados dá para ouvir muito do que ele fez mais tarde no álbum de estreia do Montrose. Eu não sei se alguém já lhe falou isso, mas o que acha?
John: Não! Ninguém nunca me disse isso para mim antes, mas aceito como um elogio. Eu conheci Sammy Hagar em uma das turnês americanas do Uriah Heep, mas ele não vai se lembrar de mim. Mas, se fui inspiração para qualquer vocalista, isso é um grande elogio e eu, claro, tenho minhas próprias inspirações.
“In The Time Of Job when Mammon was a Yippie” (N.R: “No tempo de Jó quando Mammon era um Yippie”. Mammon é uma entidade na Bíblia que promete riqueza e é associada à ganância. Yippie é o termo usado para descrever os jovens integrantes do Partido Internacional da Juventude, um braço do movimento de contracultura, anti-guerra e a favor da liberdade de expressão) é um ótimo título, especialmente se considerarmos a fundação do Youth International Party (Partido Internacional da Juventude) no final dos anos 60. Fale sobre essa letra e a metáfora bíblica.
John: Não tive nada a ver com essas letras, elas foram escritas por um cara chamado John O’Brian Docker… mas elas são boas mesmo. Achei isso na primeira vez que as cantei. Especialmente o verso “eles consultaram todos os meninos e venderam-lhes a ideia de escrever a história em um livro”. Claro, é uma menção à Bíblia de forma bem inteligente.
O segundo álbum “Where the Groupies Killed the Blues” (1972), que é outro grande título, é mais progressivo e com mais elementos de jazz, mas ainda pesado, sem muito teclado ou órgão, mas muito piano. Você se lembra se fizeram isso de forma consciente? E de onde veio o título? A música já estava composta quando decidiram que seria um título legal para o álbum?
John: Mais uma vez, muitas das letras foram escritas por John e a faixa-título foi uma delas e acho que ela deu ao álbum um ótimo título. Peter Hecht (teclado) era um músico excepcional, com formação erudita e adorava o piano. Na verdade, gostava mais do que do teclado. Aconteceu que havia um piano de cauda muito bom no estúdio que ele usava sempre que possível e por causa da sonoridade que tinha foi usado em várias das músicas.
Do nada, recebi uma ligação de Ken Hensley perguntando se eu faria uma audição para o Uriah Heep… Falei com os caras do Lucifer’s Friend e eles disseram ‘vá em frente e faça isso'” – John Lawton
Nesse álbum, a faixa “Rose On The Vine” é completamente insana. Há muita experimentação ali, que era o que estava acontecendo nos anos setenta. Mas, essa música em particular, tem uma influência forte de Jazz que me lembra coisas de John Coltrane e até Ornette Coleman. Sobre a letra, acho que a frase “Lying in na anarchristic folderol” (N.R.: “deitado em um anarquismo trivial”) resume tudo. Me fale sobre essa música.
John: Nossa, eu adoro essa música! De novo, John escreveu as letras, mas não me pergunte sobre o que elas falam (risos). Peter Hesslein (guitarra) e Peter Hecht adoravam esse tipo de Jazz naquela época e sim, dá para ouvir certas influências de Coltrane e outros no álbum todo.
1973. “I’m Just a Rock and Roll Singer.” É mais pesado, mas ainda tem muito groove. E não estou dizendo isso porque a primeira música se chama “Groovin’ Stone”, mas músicas como “Blind Freedom”, que também tem um naipe de metais e “Rock and Roll Singer”. Ouço muita influência de Black Music americana nesse álbum, talvez com exceção de “Mary’s Breakdown” e “Song For Louie”. O que você pode dizer sobre esse álbum?
John: Não é dos meus favoritos. Devo dizer que foi a primeira vez que usamos backing vocals femininos em um álbum o que acho que dá a ele um feeling de Black Music. O naipe de metais são os caras da James Last Orchestra e esse é o primeiro álbum em que eu escrevi todas as letras…Mas conseguiu “penetrar” nas paradas americanas da Billboard e abriu algumas portas para nós.
Okay, agora estamos em 1974 e o álbum “Banquet”. Com certeza, o álbum mais diferente de todos do Lucifer’s Friend. É totalmente jazz rock progressivo, com exceção da última faixa, “Dirty Old Town”. Posso compará-lo ao trabalho de bandas como Return To Forever, Weather Report, GRP, Colosseum, um Steely Dan mais pesado ou até mesmo coisas que Miles Davis estava fazendo na época. Como você o enxerga agora? Acredita que é um reflexo de onde a banda estava na época?
John: Agora devo dizer que esse é disparado o meu favorito de todos nossos álbuns. Foi um prazer de compor, gravar e a experiência em estúdio com o naipe de metais e a sessão de cordas foi incrível. A musicalidade que fluía pelo estúdio era muito empolgante e os caras tocaram como se não houvesse amanhã…Como todos nossos álbuns, não fomos gravar pensando em seguir uma direção em particular, as guias foram feitas e o feeling nos disse em que direção seguir. Quando foi a vez do “Banquet” pareceu certo colocar metais e cordas nele… e funcionou.
O próximo, “Mind Exploding”. É seu último antes de você deixar a banda. É um bom álbum, faixas como “Moonshine Rider” e “Natural Born Mover” são ótimas. Você teve a sensação de que sairia após a gravação, enquanto gravava?
John: Naquele momento, todos nós tínhamos outros projetos. Os dois Peters e o baterista, Herbert Bornholdt eram parte da James Last Orchestra, eu era parte da Les Humphries Orchestra e o baixista Dieter Horns também estava fazendo várias outras coisas. O Lucifer’s Friend tornou-se um tipo de hobby e trabalhar com outras pessoas e ganhar dinheiro manteve o hobby vivo. Então, do nada, recebi uma ligação de Ken Hensley perguntando se eu faria uma audição para o Uriah Heep… Falei com os caras do Lucifer’s Friend e eles disseram “vá em frente e faça isso”. “Moonshine Rider” está em nosso set ao vivo.
Gosto dos três álbuns por razões diferentes, mas ‘Wise Man’ (‘Firefly’) deve ser a música que mais gosto de cantar” – John Lawton
Sim, e após “Mind Exploding” você se juntou ao Uriah Heep. Você já explicou que recebeu uma ligação do nada de Ken Hensley, mas como foi para você? Não era uma tarefa fácil. Pelo amor de Deus, você tinha que substituir alguém do calibre de David Byron e em alguns momentos John Wetton (baixo e vocal)!
John: Pois é, como disse, Ken Hensley me ligou do nada, fui até Londres e consegui a vaga (risos). Não, no início não foi fácil já que houve muita negatividade por parte da imprensa especializada. “Quem é esse cara?” saiu em algumas manchetes (risos). Mas depois que eles e os fãs ouviram “Firefly” e assistiram a alguns shows, eu meio que fui aceito. John Wetton cantava muito pouco no Heep, então não precisei substituí-lo exatamente. Essa missão ficou mais para Trevor Bolder e o fez muito bem. Que Trevor descanse em paz. É uma perda triste, um ótimo músico.
Pessoalmente, gosto de todos seus álbuns com o Heep, mas “Firefly” é o meu predileto. Você tem algum predileto? Você regravou “Free Me” do “Innocent Victim” no [álbum do Lucifer’s Friend] “Sumo Grip”.
John: Gosto dos três álbuns por razões diferentes, mas “Wise Man” (“Firefly”) deve ser a música que mais gosto de cantar. Aliás, eu a canto até hoje quando faço shows solo. É uma favorita entre os fãs também. Foi a gravadora que sugeriu que eu regravasse “Free Me” para “Sumo Grip”… nunca entendi direito o porquê, mas é isso aí.
Você volta ao Lucifer’s Friend em 1981 para “Mean Machine”. O que o fez voltar e sair de novo? Junto com o “Sumo Grip” é um dos meus álbuns favoritos. Tem aquele clima de Metal do fim dos anos 70 e início dos anos 80. “Cool Hand Killer”, “Action”, “One Night Sensation” têm uma veia bem NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal).
John: Peter Hesslein e eu conversamos pelo telefone e decidimos que deveríamos fazer outro álbum do Lucifer’s Friend. Eu havia gravado meu álbum solo, “Hearbeat” e obviamente os caras do Lucifer tocaram nele, nunca perdemos contato. Foi o primeiro álbum que gravamos fora da Alemanha. Achamos um estúdio nos arredores de Londres que consideramos bom para nós e passamos três semanas lá gravando o “Mean Machine”.
Adiantamos a história para 1994 e você está de volta ao Lucifer’s Friend agora com o nome Lucifer’s Friend II featuring John Lawton para gravar “Sumo Grip”. Qual é a história por trás desse novo nome e da sua volta? Foi o último álbum antes de “Too Late To Hate”. A banda acabou por causa da paisagem musical da época? Porque, com exceção de “Cadillac” que é uma faixa Funk/Soul, o resto é um álbum maravilhoso de AOR, comparável com qualquer coisa de Foreigner ou Toto, mas o mercado no meio dos anos noventa…
John: Peter Hesslein e eu tínhamos algum material escrito mas, na época, Peter Hecht e Dieter Horns decidiram que não queriam gravar nada novo. Aí houve uma discussão sobre quem tinha os direitos sobre o nome Lucifer’s Friend e nós chamamos outros dois caras e chamamos de Lucifer’s Friend II. Não foi minha ideia colocar o “featuring”, mas a gravadora achou que a ligação com o Uriah Heep iria ajudar no mercado americano. Pessoalmente, acho um pouco produzido demais e foi feito mirando o mercado dos EUA. Não é o meu som favorito (risos).
A Hensley Lawton Band nunca teve a intenção de ser um projeto de longo prazo já que tanto Ken como eu temos outras prioridades” – John Lawton
Em 2000, 22 anos após “Fallen Angel”, seu último álbum com o Uriah Heep, você gravou um álbum ao vivo com eles, “The Magician’s Birthday Party”. Naquele mesmo ano, gravou outro também ao vivo com a The Hensley Lawton Band na Heepvention (N.R.: como o próprio nome diz, uma convenção de fãs do Uriah Heep). Fale sobre esses álbuns e como é a sua relação com o pessoal do Heep hoje em dia.
John: Eu e o pessoal do Heep sempre fomos amigos durante todos esses anos e eu inclusive substituí o Bernie (N.R.: Shaw, atual vocalista) algumas vezes quando este estava doente. Então, quando eles me pediram para participar da festa Magician’s Birthday, é claro que aceitei. Fui uma grande noite e os fãs adoraram cada minuto. Bernie e eu somos bons amigos e eu gostei de fazer um dueto com ele… A Hensley Lawton Band nunca teve a intenção de ser um projeto de longo prazo já que tanto Ken como eu temos outras prioridades. Em 2000 a Heepvention foi realizada em Londres e os fãs vieram de todas as partes do mundo. Como eu era parte da organização, queríamos o maior número de músicos que tivessem ligação com o Uriah Heep possível. Estiveram lá Paul Newton (baixista original), Mick Clarke (baixista no clássico álbum “Demons and Wizards”) e mais alguns outros. Achei que seria legal conseguir que Ken Hensley viesse dos EUA e conseguimos. Montei uma banda para aquela noite e fizemos uma gravação ao vivo. Acabou soando muito bem e ambos resolvemos fazer uma pequena turnê para promovê-lo, o que fizemos, mas nunca levamos além disso.
Você tem outros inúmeros projetos, mas não podemos falar sobre todos eles, então encerremos com esses dois: Les Humpries Singers, com quem você lançou quase 20 álbuns nos anos 70, e o último, Intelligent Music Project, ao lado de Simon Phillips (bateria, Judas Priest, Toto, MSG, etc) e Joseph Williams (vocal, Toto).
John: Putz, eu fui parte do Les Humpries Singers por cinco anos. Era um tipo de coral Gospel com 13 vocalistas no palco, apesar de nem todos eles serem bons (risos). Mas o visual era legal. Os vocalistas eram uma pequena ONU, tínhamos alemães, coreanos, filipinos, jamaicanos, escandinavos e obviamente ingleses em cima do palco. O projeto foi um grande sucesso pela Europa inteira e Les obteve muitos hits. Aprendi muito com isso, mas terminou em 1976. O projeto com Simon e Joseph foi ideia de um produtor/compositor búlgaro chamado Milen Vrabevski. Ele queria gravar um álbum com as músicas dele ao lado de alguns músicos conhecidos internacionalmente. Eu já havia gravado um álbum com ele chamado “The Power Of Mind”, então quando ele sugeriu outro, ao lado de Simon e Joseph me pareceu uma ótima ideia. Uma pena que não cheguei a conhecer nenhum dos dois pessoalmente, já que gravaram suas partes em Los Angeles. O trabalho foi bem recebido, mas não foi tão bem quanto esperado, infelizmente.
Muito obrigado pelo seu tempo e pela paciência, o espaço está aberto para suas considerações finais.
John: É um prazer. Espero mesmo que consiga levar o Lucifer’s Friend ao Brasil em algum momento. Seria legal nos conhecermos pessoalmente.
O álbum “Too Late to Hate” será lançado em 12 de setembro no Brasil pela Hellion Records.