George Lynch fala sobre o mais recente álbum do Lynch Mob, da reunião com o Dokken e do projeto com Michael Sweet (Stryper), sempre ressaltando o valor de se trabalhar em conjunto
Mesmo em meados dos anos 80, quando a rivalidade entre os ãs de metal “verdadeiro” e hard rock (o metal “falso”) estava no auge, os músicos das vertentes mais pesadas admiravam muito especialmente dois guitarristas: Warren DeMartini (Ratt) e George Lynch (Dokken). Hoje, admitem tranquilamente que inclusive iam aos shows dessas bandas para vê-los tocar. Com o final do Dokken, George formou o Lynch Mob e continuou a arrancar suspiros de quem gosta de uma guitarra criativa e bem tocada. Na curta entrevista a seguir (concedida enquanto a banda fazia check-out em um hotel), um gentil George falou sobre ser admirado, do novo álbum, da reunião do Dokken e de seu bem sucedido projeto ao lado de Michael Sweet.
É sempre um prazer falar com você, que é um guitarrista extraordinário.
George Lynch: Eu gostaria de deixar claro que não me vejo assim. Acho que sou um estudante do modelo de Jimmy Page. No sentido que gosto de ter uma ótima banda, com músicas boas que as pessoas reconheçam como tal. E nesse contexto, gosto de insertar pequenas partes da minha expressão pessoal. Eu me apoio nos ombros de meus antecessores, além de várias outras coisas ao meu redor que nem tem a ver com música.
Você tem que estar aberto a todas as ideias, mesmo as ruins, mas certificar-se que as boas prevaleçam. Isso pode ferir alguns egos. Esse é o desafio” – George Lynch
Você mencionou que quando garoto tinha seus ídolos, como Jimmy Page e Jimi Hendrix, mas não pode negar que há fãs que quiseram tocar guitarra em 1985/86 pelo impactado de seu trabalho e o estilo único. Você não percebe o impacto que teve em alguns guitarristas jovens durante sua trajetória?
Lynch: É claro que sei disso. Mas eu não gosto porque nos confins do meu mundo e da minha experiência, não é assim que eu enxergo. E acho que isso é assim para a maioria das pessoas. Quer um exemplo? Eu me encontrei com Jeff Beck algumas vezes e meu coração parou, fiquei nervoso, quase chorei, não sabia o que fazer. Depois fiquei me recriminando sobre por que falei um monte bobagem? Por que não perguntei isso ou aquilo? Mas, dava para ver nos olhos dele que a única coisa que queria era entrar no táxi. Não estava nem aí que eu havia demorado três horas e andado cinco quilômetros até a loja de música mais próxima para comprar o álbum “Truth” (N.T.: primeiro álbum solo de Jeff Beck, lançado em 1968), colocar na minha vitrola e ouvir até gastar para fazer disso a base do que sou hoje. Ele não estava nem aí, e nem deveria. Quando as pessoas vêm até mim, não quero soar grosseiro, indiferente ou qualquer coisa assim, mas não consigo entender. Entendo até certo ponto. Eu sei que fui parte de uma banda que foi importante para elas e agradeço por isso. Me ajudou a sustentar minha família e me deixa fazer o que eu faço por mais de quatro décadas, e isso é maravilhoso. Mas não entendo a paixão que isso provoca. Não é como o pessoal da minha geração conhecer Clapton, Page, Beck ou Hendrix. Isso é outro universo. Eu não me vejo nem remotamente nesse nível, de jeito nenhum. Não me conformo de alguém me comparar com eles. E isso não é falsa humildade, é apenas como me sinto. E há boas razões para tal. Veja as músicas que eles criaram e como tudo foi construído em cima disso. O que eu e o pessoal da minha geração fez, foi uma reação a isso.
O novo álbum do Lynch Mob, “The Brotherhood”, mostra que mesmo sendo o guitarrista que dá nome à banda, você toca para a música. Como é tomar cuidado em tocar dando ênfase na música?
Lynch: Eu sou e sempre fui assim, desde garoto. As bandas com meus amigos eram como uma família e nós tínhamos nossos altos e baixos, e buscávamos sermos bem sucedidos juntos. E isso é o legal da coisa. São os desafios que a banda/família encara. Você vai à guerra, você e seus irmãos e, no fim das contas, isso é o mais importante, porque a música é um produto desses desafios e é o que os fãs gostam e usam como alimento para as necessidades das almas deles. Para nós, é apenas combustível para nossa jornada. Fazemos música como uma reação às experiências que estamos tendo em nossa vida. Somos apenas os condutores de algo. Quando alguém fica muito cheio de si, dizendo que compôs isso ou aquilo, imagino que há outros elementos do universo envolvidos, então é melhor não se gabar muito.
Vocês compuseram “The Brotherhood” como uma banda e ele não soa como se uma pessoa tivesse aparecido com tudo. Como é compor dentro dessa parceria bem dividida?
Lynch: Na maioria dos casos de bandas em que estive envolvido, em maior ou menor grau, é sempre um trabalho em conjunto. Há uma hierarquia natural, e eu normalmente estou no topo dela, porque tenho a guitarra na mão. E devo admitir: nunca fiz parte de uma banda cover, nunca toquei um cover na vida. Logo, fui forçado a compor minhas próprias músicas para ter o que tocar. Então, é natural que esteja sempre compondo. É natural para mim criar os riffs e a parte instrumental das músicas. É claro que todos os envolvidos estão na sala e reagem. Isso é uma coisa. E nos meus projetos, o vocalista faz o que ele tem que fazer. Você ajuda um pouco nas melodias e as letras são em grande parte do vocal. A grande exceção a isso foi um álbum que fiz chamado “Shadowtrain” (2015). Era a trilha sonora de um documentário chamado “ShadowNation”. Escrevi todas as letras e melodias nesse, porque me senti tão envolvido com o assunto que não aguentei. Tinha que estar tudo certo e [as letras] tinham que dizer o que eu sentia que elas tinham que dizer. Aí, precisei de inspiração para fazer isso, mas normalmente não é minha praia. Eu e Oli (Logan, vocalista) tivemos uma química muito forte a despeito de quem mais está na banda. Sem tirar os méritos de Jimmy (D’Anda, bateria) e Sean (McNabb, baixo). Jimmy compôs a maior parte do primeiro single deste novo álbum, é uma música dele e é ótima. Ele tem influências variadas e isso nos deu um álbum melhor, o que é muito bem vindo. A única coisa que põe em risco uma banda realmente democrática são influências fracas, é bom ficar de olho nisso. Porque você tem que estar aberto a todas as ideias, mesmo as ruins (risos), mas certificar-se que as boas prevaleçam. Isso pode ferir alguns egos. Esse é o desafio, porque as pessoas se casam com as ideias delas. Isso as define. E se você as rejeita, está rejeitando as pessoas e aí se torna pessoal. É sempre complicado.
Não foi um sacrifício ser um pouco mais retrô. Não tive medo de fazer isso e depois modernizar um pouco. Simples assim, não é física quântica” – George Lynch
Outra pessoa com quem você teve uma química meio inesperada foi com Michael Sweet (vocal, Stryper). E o primeiro álbum do Sweet/Lynch, “Only to Rise”, acabou indo excepcionalmente bem. Como foi isso?
Lynch: Não tentamos fazer nada que não fosse natural. Há certa pieguice nele, mas esse elemento está em toda música dos anos 80. Levando isso em consideração, ele foi genuinamente piegas (risos). E não digo isso para diminuí-lo. Veio de forma natural. Não sentamos e pensamos em fazer um trabalho genuíno que remontaria a qualquer época dos anos 80. Não foi isso. Nos reunimos, começamos a trocar boas ideias e foi tudo acontecendo naturalmente. Não pensamos em fazer um álbum retrô ou um álbum do Dokken. Eu sabia como ele cantava e, de forma inconsciente, compus daquela forma. E ele cantou e deu certo!
Para o segundo álbum, “Unified”, você estava mais consciente dessa pieguice ou pensou em fazer algo para mostrar quem George Lynch e Michael Sweet realmente eram em 2017?
Lynch: Não, em nenhum momento pensei nisso. Achei que seria interessante seguir a fórmula do primeiro álbum e agregar um pouco do que o Dokken tinha, um pouco do Van Halen, pensar nesses termos. Porque é tudo parte de quem eu sou, cresci com esse tipo de som. Não foi um sacrifício ser um pouco mais retrô. Não tive medo de fazer isso e depois modernizar um pouco. Simples assim, não é física quântica. Trabalhei da mesma forma que trabalho em minhas bandas.
Música é música e tudo se resume à paixão. O Dokken é a coisa mais significativa e importante que já fiz em minha vida. Não tenho problemas em apreciar o legado” – George Lynch
Preciso fazer a pergunta obrigatória sobre o Dokken, já que fizeram a reunião e deu certo. As pessoas não paravam de pedir essa reunião e, agora que fizeram, tiram um peso das suas costas para não falar mais sobre esse assunto?
Lynch: Bem, eu não sei como os outros se sentem, mas não me sinto assim. Música é música e tudo se resume à paixão que você sente. O Dokken é a coisa mais significativa e importante que já fiz em minha vida. Não tenho problemas em apreciar o legado.
Como foram os shows para você? Olhando agora, como se sente?
Lynch: Fico feliz de termos feito. Por todas as razões: criativas, colocar uma pedra em cima dos problemas e só de ver a expressão no rosto dos fãs… Sem brincadeira, enquanto tocávamos, havia gente chorando! Bem emocionante. Enfim, funcionou em todos os níveis, mas não foi sem percalços. Não é fácil juntar uma banda que não toca há mais de vinte anos e que tem um histórico de problemas. Mas, no fim das contas, conseguimos fazer. Don (Dokken) e eu nos cumprimentamos, acho que temos respeito um pelo outro e trabalhamos duro. Não foi perfeito, mas não foi ruim e acho que vamos continuar a partir daí. Pode ser interessante e acho que há mais por vir. Iremos lançar um DVD e CD ao vivo com uma música nova de estúdio.
Transcrito e traduzido por Carlo Antico.