Clássico “O Lobisomem”, de 1941, se tornou o norte para todos os filmes futuros que abordassem a criatura, mas nem tudo correu conforme o planejado naquela produção
Interpretações antropozoomórficas de criaturas vêm sendo representadas e ressignificadas por décadas. Tais criaturas, que já representaram seres superiores em religiões pagãs antigas, foram perdendo sua força com a ascensão do cristianismo antropocêntrico renascentista. Também foram enfraquecendo com triunfo da ciência, como no início do Século 19, com a publicação da origem das espécies de Charles Darwin. Antes visto como símbolo de adoração e obediência, se tornou de horror, visto como desumano e involuído, ressuscitando os contos mais tenebrosos do inexplicável. Ao decorrer da deturpação da tese científica, quando posta em caráter social, pobres almas eram desumanizadas cada vez mais. A mesma cena circense, que torturava humanos visualmente bestiais, era o que trazia risos e sustos para curiosos de classes mais abastadas e de elite.
Banhados pela pseudociência que cercava o século, não demorou muito para as mentes mais criativas reviveram os contos do sinistro passado europeu, como as de criaturas sensíveis à luz do dia e devoradoras de sangue, a criaturas mitológicas de homens-lobo. Após alguns anos, com a criação da sétima arte, era questão de tempo das lendas que sobreviveram ao tempo, serem consolidadas na tela cinza.
Em 1941, o escritor judeu Curt Siodmak fazia seu sucesso em Hollywood, principalmente no ramo do terror, já que sua “assinatura” era fazer homens bons se transformarem em verdadeiros monstros assassinos. Esta era a forma indireta de retratar a infeliz morfolização de uma Alemanha nazista e suas criaturas sanguinárias, que um dia tinham sido homens bons.
A ideia original era de que Boris Karloff encarnasse Larry Talbot, o principal do animalesco “O Lobisomem” (“The Wolf Man”). Por problemas com a agenda, Lon Chaney, conhecido como “o homem das mil faces” pela versatilidade em personagens com maquiagem carregada, consolidou a sua atuação em um estúdio renomado como a Universal. Assim, eternizou o seu legado.
Todavia, a Universal não foi tão positiva quanto ao roteiro original. O que era, na visão de Siodmak, a história de um mecânico com esquizofrenia e surtos de sociopatia (deixando ambígua a existência de uma criatura sobrenatural), se tornou um filme de monstro no mesmo modelo dos demais. Claro, eles pensavam em lucros maiores.
A história repaginada conta o retorno de um aristocrata americano à sua terra natal, uma cidade inglesa chamada Wales. O retorno é dado após a morte recente de seu irmão. Reentrando em contato com suas raízes familiares, Talbot resolve explorar a cidade, visitando um campo cigano na região. A família de ciganos é constituída pela a atriz Maria Ouspenskaya, em seu papel mais memorável (revivida mais tarde no crossover: “O Lobisomem encontra Frankenstein”, de 1944) e seu filho, interpretado pelo já renomado Bela Lugosi.
A cidade fictícia é uma personagem por si só, um microcosmos dentro da narrativa, que lembra uma cidade alemã em alguns momentos, e uma vila campestre inglesa noutros. Carros e carruagens coexistem atemporalmente, e suas florestas fechadas e cheias de neblina denominam seu tom fúnebre e quase direto de distanciamento e peculiaridade.
O roteiro demonstra inúmeros furos e cortes com o decorrer da trama, justificado provavelmente graças às constantes mudanças exigidas pelo estúdio. Mesmo com uma maquiagem impecável do gênio por trás de quase os grandes filmes de monstro, John Pierce, é um filme do qual não vimos nem transformações belas (sendo a única focada apenas nos pés de Chaney) e muito menos uivos para a Lua cheia.
Com complicações e brutalmente curto, transformou os filmes da criatura, dando um norte para todos os outros que ainda viriam – e, provavelmente, dos que ainda estão por vir. Independentemente de quais representações e encarnações estarão à nossa frente, ao ouvir sobre lobisomens, nossa imagem sempre estará cunhada a Lon Chaney e seus grunhidos infernais.