Lendário guitarrista alemão, ex-Scorpions e UFO, fala sobre seu novo álbum e a importância do entrosamento natural entre os integrantes de uma banda

Michael Schenker Fest

Depois de anos com problemas de alcoolismo e até um flerte com a esquizofrenia, o guitarrista alemão Michael Schenker parece finalmente ter encontrado a paz. Desde 2011 à frente de sua nova banda, Temple of Rock, o músico agora tem lançado álbuns, CDs e DVDs ao vivo e feito turnês regularmente. Para falar sobre essa nova fase, batemos um papo com ele, que nos deu detalhes de seu novo trabalho, “Resurrection”, e comentou sobre a “química” entre vocalista e guitarrista, além de falar sobre a idolatria de Kirk Hammett (Metallica) em seu trabalho e sobre o clássico “Lights Out” (1977), do UFO.

Há algum significado por trás do título de seu novo álbum, “Resurrection”? Você está se relançando ou começando algo novo?
Michael Schenker: Sim, é isso mesmo. Na verdade eu queria chamá-lo de “The Michael Schenker’s feast in the studio” (N.T.: “O banquete de Michael Schenker no estúdio”) com uma grande mesa com muita comida, cerveja, vinho e mulheres com peitos grandes na capa. Mas aí, Doogie (White, vocalista) apareceu com a música “Take Me To The Church” e Michael Voss (produtor) com “The Last Supper”. De repente, minha ideia virou outra coisa. Tive que resolver para onde íamos com isso, já que foi uma virada inesperada. Olhei para minha carreira e vi que durante um tempo eu sumi do universo (risos)… Entrei em outro e depois voltei. E isso se aplica ao resto da banda. Vê-los juntos, em uma mesma mesa em algum momento da vida, é meio que um milagre. É uma ressurreição! Estivemos juntos em algum momento e é um título que reflete uma volta para onde você já esteve.

Michael Schenker | Foto: divulgação

Meu conceito era juntar as músicas mais populares de toda carreira(…) Seria legal se eu tocasse todas elas com os vocalistas originais do jeito que era” – Michael Schenker

Você mencionou que saiu do universo durante uma época e voltou, mas nesta volta veio com muita força com o Michael Schenker’s Temple Of Rock. Isso é algo que por agora está em banho-maria?
Schenker: Sim, olhei para toda minha trajetória desde que nasci e todos os passos que dei para me trazerem até aqui. O Temple of Rock com Herman (Rarebell, bateria) e Francis (Buchholz, baixista) foi fantástico. Doogie entrou antes mesmo de fazermos um álbum para a turnê europeia e daí decidimos gravar um disco. Fizemos dois, turnês e criamos algo ótimo. Doogie e eu temos uma química muito boa. Fizemos muita coisa juntos. Dois álbuns e dois DVDs e álbuns ao vivo. Não paramos, foram 4 ou 5 anos de trabalho constante. Normalmente, quando as pessoas ficam tanto tempo assim perto das outras, precisam de um espaço e elas conseguem isso passando três anos fazendo um álbum, aí voltam e continuam. Chegamos a esse ponto. Tocávamos nas mesmas cidades, fazíamos as mesmas viagens sem parar e não dá para fazer isso. Em algum momento, precisamos parar e tomar uma distância para voltarmos renovados. Sugeri isso a eles. Tínhamos que lançar o ao vivo em Madri e isso me deu confiança de que era uma boa hora para pararmos, porque um DVD/CD ao vivo manteria os fãs felizes por um tempo. E Doogie não parava de me ligar perguntando quando faríamos o novo álbum. Eu disse que era para esperar pelo menos um ano, porque também precisávamos de uma gravadora. Não dá só para fazer, há vários elementos. Mas ele não parava de ligar. Francis e Herman já estavam fazendo outras coisas. Todos estavam ocupados. Mas Doogie não parava de ligar. Aí eu pensei: quando voltei em 2008, meu conceito era juntar as músicas mais populares de toda carreira de Michael Schenker. Elas foram cantadas por diferentes vocalistas e depois por Doogie por uns quatro ou cinco anos. Seria legal se eu tocasse todas elas com os vocalistas originais do jeito que era. Foi essa percepção que me dominou. E achava que com os anos 80 seria possível. Talvez Phil (Mogg, vocalista do UFO) e Klaus (vocalista, Scorpions) fosse querer demais (N.T.: Michael Schenker foi guitarrista do UFO de 74 a 79 e nos álbuns “Walk On Water” de 95, “Covenant” de 2000 e “Sharks” de 2002; tocou no Scorpions nos álbuns “Lonesome Crow” de 72, “Fly to the Rainbow” de 74 e “Lovedrive” de 79), mas Graham (Bonnet), Gary (Barden) e Robin (McAuley) eram viáveis. Foi aí que tive a ideia de fazer um álbum com eles e adicionar Doogie. Sempre fui fã de grandes parcerias entre guitarristas e vocalistas. Jimmy Page e Robert Plant, Rod Stewart e Jeff Beck. É isso que eu e Doogie temos. Assim, como não tínhamos nenhuma perspectiva de gravadora com o Temple of Rock, chamei-o para participar de “Resurrection”. E ele podia cantar só as músicas dele, não precisaria mais cantar as de Gary Barden e Graham Bonnet. Ele já tem seus próprios clássicos.

Você acabou de mencionar Klaus Meine. No álbum “Rock Will Never Die”, de 1984, ele e Rudolf (Schenker, guitarrista e irmão de Michael) fizeram uma participação especial e no DVD “Live At Wacken 2006” do Scorpions você foi o convidado em algumas músicas. Já que está celebrando sua carreira, gostaria que eles fizessem uma participação em algum show?
Schenker: Isso faz todo sentido e pode-se sonhar. Há possibilidades de isso acontecer. Por exemplo, 2018 marca o quadragésimo aniversário de “Strangers in the Night” do UFO, considerado um dos melhores álbuns ao vivo da história. Não se surpreenda se Phil Mogg aparecer em um dos nossos shows cantando músicas da banda. No ano que vem, 2019, são 50 anos que eu e Klaus gravamos pela primeira vez juntos, a música “In Search of Peace Of Mind” (N.T.: presente no álbum “Lonesome Crow”). Seria fantástico de Klaus decidisse do nada se juntar a mim no palco e cantasse essa. Nós começamos juntos, tocando Led Zeppelin, Rory Gallagher, Deep Purple e Black Sabbath.

E ainda tem os 40 anos de “Lovedrive” (Scorpions)…
Schenker: Bem lembrado! Foi logo depois do “Strangers in the Night”. Muito bom, vou pensar nisso! (risos). Você me deu uma informação que quase me passa despercebida. Estamos envelhecendo rápido, vamos aproveitar o máximo.

Michael Schenker e Kirk Hammett | Foto: divulgação - VH1

Peter Mensch me contou que eu era como ‘Papai Noel’ para Kirk Hammett. Ele sempre quis entrar em contato comigo, mas era muito tímido e eu entendo isso” – Michael Schenker

Sim, e seria legal dar aos fãs um momento como esse.
Schenker: Com certeza! E tudo que se precisa é do vocalista e do guitarrista, porque esses são os elementos chave, apesar de John Bonham (Led Zeppelin) ser meu músico predileto e ser baterista. Eu não sei o quanto as pessoas se dão conta do músico monstruoso que Bonham foi. Ele era a inspiração da banda, fazia ela funcionar. Tocava canções na bateria! E eles tinham a química, o que é essencial. Se você tira uma pessoa, como Pete Way (baixista, UFO) ou Ron Nevison (produtor dos álbuns “Lights Out”, “Obsession”, “Walk On Water” e “Strangers in the Night” do UFO), tem outra química. Mas a questão é que sempre há os elementos chave, como eu e Doogie, eu e Klaus, eu e Phil. Porém, sempre há outros que se destacam, como Chris Glen (baixo) e Ted McKenna (bateria), que foram a sustentação do MSG no álbum “Assault Attack”.

Já entrevistei Kirk Hammett (Metallica) e ele sempre diz que você e Uli Jon Roth (N.T.: substituto de Michael no Scorpions) são os heróis dele. Ele toca na música “Heart and Soul”, de seu novo álbum. Como foi a participação dele, imaginando que devia estar como uma criança numa loja de doces, tocando com você e para você. Fale sobre a parceria e se você espera repetir a dose com ele no futuro.
Schenker: Eu morei com Peter Mensch, que foi empresário do AC/DC, e mais tarde, tornou-se do Metallica. No fim dos anos 80 e início dos 90, ele me contou que eu era como ‘Papai Noel’ para Kirk Hammett. Ele sempre quis entrar em contato comigo, mas era muito tímido e eu entendo isso. Sinto o mesmo por Jeff Beck. É uma geração diferente, não é só chegar e bater na porta da pessoa. Há certo respeito que faz você não entrar nesse espaço dessa forma. Mas no fim das contas, Kirk queria me conhecer, fazer uma jam e conversar comigo. Aí, o management dele juntamente com Eddie Trunk (N.T.: DJ e apresentador de TV americano, conhecido no Brasil por ser um dos apresentadores do extinto “That Metal Show”) trabalharam em conjunto para que isso acontecesse. Fizemos uma jam e demos uma entrevista juntos no “That Metal Show”. Alguns dias depois, ele foi a um de nossos shows e tocou conosco. Daí em diante, tornou-se um amigo. Acho que isso era uma das coisas que ele queria alcançar na vida, embora nunca tivesse expressado publicamente. Mas, ele toca na maior banda do mundo, é claro que eu o quero tocando no meu disco! (risos)

E eu quero Michael Schenker no próximo álbum do Metallica! Só estou sugerindo…
Schenker: Sim, por que não? (risos) Ele quis gravar no próprio estúdio dele, então seu management pagou uma passagem de avião para Michael Voss ir até lá. Basicamente, todos estavam interessados em realizar isso para Kirk e eles me mandaram fotos do Havaí enquanto gravavam. Eu não conseguia acreditar como ele parecia um rapaz de vinte anos. Vestia um boné, estava com a guitarra e uma roupa casual, com Michael ao lado dele. Parecia muito feliz e estava sorrindo. As fotos eram incríveis. E o engraçado foi que quando ouvi o que ele fez, me lembrou o “Lonesome Crow”. Quando eu gravei esse álbum, eu tinha um tipo de slide de guitarra que ele usou também. Eu percebi que ele deve ter ouvido o disco. Mas ele é dez anos mais novo, então, quando eu tinha quinze e gravava o “Lonesome Crow” ele tinha apenas cinco anos. Não sei quando começou a tocar, nem quando descobriu esse álbum, mas deve ter decidido que esse era o vibrato que ele queria usar, porque o colocou no primeiro solo que fez. Dá para ouvir claramente. É interessante, porque eu me desenvolvi e parei de usá-lo. É uma questão de gosto. Paul Kossof (guitarrista, Free) tinha um vibrato que eu particularmente, não teria escolhido, mas muitos gostam. Foi interessante ouvir que Kirk tinha esse vibrato. Jamais imaginei isso, porque não conhecia as músicas do Metallica. Fiquei longe de consumir música ou copiar outros guitarristas desde os 17 anos porque já fazia as minhas. Porém, não dá para escapar para sempre de ouvir alguém, especialmente quando se está numa loja na França e eles tocam o disco do Metallica inteiro enquanto você compra roupas. Foi assim que conheci “The Unforgiven”, uma música linda. É maravilhosa e foi aí que percebi que Kirk tinha elementos meus na forma melódica de tocar. Eles combinam a parte mais pesada com a abordagem mais clássica e melódica, o que é ótimo. Basicamente, era algo que tinha que acontecer e aconteceu.

Michael Schenker | Foto: Frank C. Duennhaupt

Michael Voss é um grande fã do MSG e dos anos 80 e sabe exatamente como cada um dos vocalistas funciona. Fez as melodias de cada verso perfeitas para eles” – Michael Schenker

O álbum possui duas músicas, “Warrior” e “The Last Supper”, com a participação dos quatro vocalistas, o que acho um conceito legal. Como foi colocá-los juntos e não ter uma única voz representando essas músicas? Já é legal ter todos no mesmo álbum, mas na mesma música é ainda mais interessante!
Schenker: Poderia ter escolhido três músicas para cada vocalista e tudo bem, mas seria muito básico. Eu já sabia que queria algo mais interessante do que isso. Uma das coisas seria colocar os quatro cantando uma música só e falei com Michael para encontrarmos uma maneira de fazer. A melhor maneira era terminar o instrumental primeiro. Assim, no dia seguinte que terminamos de gravar as guias de bateria, baixo e guitarra, ele disse que tinha ouvido as músicas gravadas e escolhido e feito a melodia e a letra para uma que seria para os quatro. Achei que a escolha foi perfeita. Fiquei muito feliz que tenha sido logo a primeira que íamos gravar, porque era para mostrar a todos o que é esse álbum. E todos já estavam lá logo no início dos trabalhos. Michael Voss é um grande fã do MSG e dos anos 80 e sabe exatamente como cada um dos vocalistas funciona. Sabia e fez as melodias de cada verso perfeitas para eles. É um gênio! Essa participação dele em termos de letras e melodias surpreendeu a todos nós e fez com que essas duas músicas fossem possíveis.

Para finalizar, gostaria de algumas considerações suas sobre o álbum “Lights Out” do UFO, porque ainda é aquele que alcançou a posição mais alta nas paradas americanas e é muito forte. Fale sobre esse álbum e essa época da sua vida.
Schenker: Basicamente, é isso mesmo. Essa é a razão de eu chamar Ron Nevison de sexto integrante da banda. Eu fui me desenvolvendo com o passar dos álbuns: “Phenomenon”,”Force It”, “No Heavy Pettin'”, “Lights Out”, “Obssession” e “Strangers in the Night”. Cada um que passou, dei um passo à frente. Na verdade, é a influência de Ron Nevison e Paul Raymond (guitarrista e tecladista) que mudou tudo. Foi aí que apareceu a força. A química com Raymond encaixou-se muito bem com o resto da banda. Sua maneira única de tocar guitarra, teclado e seu senso de melodia, casado com os ouvidos de Ron Nevison… Inacreditável. Na época de “Lights Out” a banda estava completa. O entrosamento desses dois novos elementos e o “pick nose” que de alguma forma, Ron sabia capturar e fazer soar como uma parede de [amplificadores] Marshall. Você sabe o que é um “pick nose”?

Não exatamente.
Schenker: Um “pick nose” é um amplificador minúsculo, com um falante bem pequeno que nós usamos naquele álbum, mais até do que os Marshall. Era um amplificador para ensaio e o que Ron tirou daquilo é inacreditável. É claro que houve muita microfonação próxima, que era padrão naquela época. De repente, jogou-se a ambientação da bateria pela janela. Tudo era microfonado muito próximo. Era uma técnica diferente, mas Ron tinha um conceito de como fazer isso. Mas as composições também eram muito boas. Estava bem equilibrado o que se escolheu. Pete Way (baixo) é uma cara mais Stones, e eu sou mais melódico e quando se junta essas duas coisas, surgem músicas como “Too Hot To Handle” e “Only You Can Rock Me”. E o vocal monocórdico de Phil Mogg incrivelmente funciona. Ron demonstrou algumas coisas para nós que foram muito interessantes: o quanto uma única corda pode ser importante. Dependendo da frequência, pode mudar a música inteira. Parecia mágica. E também quando nos fez ouvir só o baixo. O som era feio, totalmente fora do tempo. Aí, quando colocou o resto da música junto, ficava muito bom. Foi uma experiência incrível. Eu não conseguia acreditar. Aquilo dava uma certa “sujeira” necessária ao som. Tudo isso junto, criava uma química que você não pode ir até uma loja e comprar um livro que ensine a ter. Acontece. Você jamais escolheria Pete Way como baixista depois de ouvi-lo tocando sozinho, mas o universo juntou todos esses elementos porque funciona. Porém, um ser humano não consegue perceber isso por si só.

Doogie White, Graham Bonnet, Ted McKenna, Robin McAuley, Michael Schenker, Gary Barden, Chris Glen e Steve Mann | Foto: divulgação
Doogie White, Graham Bonnet, Ted McKenna, Robin McAuley, Michael Schenker, Gary Barden, Chris Glen e Steve Mann | Foto: divulgação

Transcrito e traduzido por Carlo Antico.

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