Lenda do heavy metal enlouquece fãs com show curto de repertório enxuto
Fotos: Daniel Croce
Ozzy Osbourne
20/05/2018, Jeunesse Arena, Rio de Janeiro/RJ
Da luz roxa ao breu. Gritos ensandecidos preenchem o ar. Telões divididos por uma gigantesca cruz exibem um breve resumo da carreira (com duplo sentido) do Madman até o já manjado trecho de “Carmina Burana” introduzir a banda ao palco.
Trajando blazer roxo de lantejoulas, mais afeito a Elton John que a “Príncipe das trevas”, Ozzy Osbourne, 69 anos – quase 50 de prestimosos serviços ao rock –, é ovacionado por 10 mil “loucos”. Sem tempo a perder, o poderoso riff de “Bark at the Moon” – faixa-título de seu terceiro álbum solo (1983) – ecoa pelo concreto da arena, sugerindo um desfile de clássicos e favoritas dos súditos. Pronto, a loucura começou.
Intitulada “No More Tours 2” (houve uma no início dos anos 90), ela enseja o fim das grandes turnês, mas não das atividades do eterno cantor do Black Sabbath. Ainda não se trata de aposentadoria. Melhor assim. Para tornar ainda mais especial, Zakk Wylde (guitarra) – demitido em 2009 por conta de problemas com álcool – está de volta. Além dele, completam a banda Rob “Blasko” Nicholson (baixo), Tommy Clufetos (bateria) e Adam Wakeman (teclados e guitarra base nas músicas do Black Sabbath).
Ainda que comparada a formações passadas, essa versão mantém a qualidade pela qual o cantor sempre primou. Afinal, quem já teve Randy Rhoads (Quiet Riot), Jake E. Lee (Badlands, Red Dragon Cartel), Bob Daisley (Rainbow, Uriah Heep, Gary Moore), Robert Trujillo (Suicidal Tendencies, Metallica), Tommy Aldridge (Whitesnake, Ted Nugent) e Deen Castronovo (Journey, Dead Daisies), entre outros, sabe escolher bem seus músicos de apoio.
Como o propósito é apresentar clássicos, uma emocionante “Mr Crowley” recebe a pompa merecida em malhas de laser e fumaça, e execução nota por nota de um dos solos mais memoráveis da história do rock. Em seguida, “I Don’t Know” sabe para onde direcionar o coro da arena e o leva até “Fairies Wear Boots”. Não foi apenas a primeira de sua ex-banda a ser tocada, foi, também, a primeira extraída do segundo álbum da banda, “Paranoid” (1970), que ainda emprestaria mais dois clássicos.
Infelizmente, o som não estava dos melhores. Voz, bateria e teclados tinham seus volumes bem ajustados e se sobressaiam no mix geral. Já a guitarra de Zakk permaneceu baixa até metade do show. O grave, muito embolado, não permitia que as linhas de baixo de Blasko fossem ouvidas com clareza. Exceção feita à indefectível introdução de “No More Tears”. O hit foi executado com maestria e colocou o público em êxtase. A interação do cantor com seu guitarrista, antes do solo, foi um raro momento de espontaneidade acolhedora. Bom revê-los. Juntos.
Ozzy é a definição de carisma no rock e fez de Zakk o substituto perfeito para o buraco deixado pela trágica e prematura morte de Randy Rhoads. Idas e vindas à parte, o guitarrista é quem atrai boa parte da atenção e do carinho do cantor. Sendo apresentado como “um cara que amo e conheço há muito tempo: Mr Zakk ‘Fucking’ Wylde!”.
Seu momento solo começa na parte final no canto antibelicista de “War Pigs”. Com a banda segurando a melodia do clássico, o guitarrista irrompe em um pouco inspirado exercício de escalas repetidas à velocidade da luz. Desce do palco para o fosso e prolonga o solo, que parece não ter fim. Vai de um lado para o outro do público, coloca a guitarra nas costas, toca com dentes. Infelizmente, deixa claro que se tornou um guitarrista sem novidades, preso a uma identidade sonora forjada a muitos falsos harmônicos e peso mastodôntico. Sem dúvida, técnica não é problema, porém está mais para “fritador” de escalas e cuspidor de notas do que para improvisador astuto. Prossegue com medley instrumental onde junta riffs e solos de músicas como “Miracle Man” e “Perry Mason”. A banda o acompanha, seguindo todas as suas deixas. Até chegar a vez de o baterista brilhar sozinho. Assim como são necessários para que músicos mais velhos descansem e recobrem o fôlego, são momentos de autoindulgência fadados aos bocejos.
“Shot in the Dark”, do subestimado “The Ultimate Sin” (1986), põe fim aos solos e traz alívio a ouvidos cansados da ausência do mestre de cerimônias. Valeu a pena. Mas são as duas seguintes que incendeiam: “I Don’t Want to Change the World” e a clássica “Crazy Train”. Com a ajuda do público e sabendo dosar bem seus movimentos no palco, Ozzy chegou muito bem ao fim da primeira parte do show. Não teve baldes d’água, mas teve muitos “I Love you all (amo vocês)” e algumas poucas corridas batendo palmas.
Para um show do Príncipe das Trevas, a iluminação estava bem colorida. E as cores iluminaram a arena na balada “Mama, I’m Coming Home”. Casais se abraçaram; as selfies, com o palco ao fundo, se amontoaram; e vídeos, que ninguém assiste depois, foram feitos aos borbotões. Rock de arena em tempos de egoísmo real e narcisismo virtual.
O final foi a apoteozzy (ops!) tradicional com a música mais emblemática de toda sua carreira, e aquela que talvez o marque para sempre: “Paranoid”. O hino colocou a cruz no possível caixão das turnês do devorador de morcegos.
A lamentar, apenas a não inclusão de músicas do seu segundo álbum solo, “Diary of a Madman” (1981). “Flying High Again” e/ou “Over the Mountain” mereciam um lugar na uma hora e meia de show. Uma pena.
Ozzy merece todas as homenagens que possa receber em vida. É um sobrevivente detentor de um carisma ímpar e com legado de canções magistrais. Viva o Madman!
1. Bark at the Moon
2. Mr. Crowley
3. I Don’t Know
4. Fairies Wear Boots
5. Suicide Solution
6. No More Tears
7. Road To Nowhere
8. War Pigs
9. Miracle Man / Crazy Babies / Desire / Perry Mason
10. Shot In The Dark
11. I Don’t Want To Change the World
12. Crazy Train
13. Mama, I’m Coming Home
14. Paranoid