Mais uma vez, o ex-Beatle foi dormir nos corações e mentes de quem estava presente no Allianz Parque
São muito poucas vezes em que se sai de casa por algumas horas com a certeza de que vai voltar após passar por uma experiência de vida única. A não ser que você vá assistir a um show de Paul McCartney… Aí, você pode ter certeza que estará a caminho de algo que mudará a sua vida. E o que é melhor: não importa quantas vezes você passe por isso, sempre funciona assim.
O que é sobre Paul McCartney que lhe confere essa aura, essa energia positiva, essa habilidade interminável de lhe fazer se sentir bem? Já não é de hoje que costumo chamar McCartney de Deus, mas após meu décimo (!) show, acho que ele está acima disso. Não consigo descrever o que ele é. Toda vez que o vejo tenho apenas sensações boas. Ele é como uma fonte de felicidade ambulante.
E, claro, a banda. Essa formação está com ele desde o início desse século e é a melhor que já o acompanhou, desde aquela outra que ele montou junto com outros três garotos em Liverpool, você já deve ter ouvido falar… O talento de Abe Laboriel Jr. (bateria), Rusty Anderson (baixo, guitarra e vocais), Brian Ray (baixo, guitarra e vocais) e Paul Wickens (teclado) permite a Paul tocar qualquer coisa de seu inigualável catálogo de grandes músicas.
Após a tradicional abertura com imagens de toda vida e carreira de Paul no telão, ao som de versões bem diferentes das músicas solo e dos Beatles, a icônica imagem do Hoffner apareceu e Paul McCartney, entrou no palco. Não tem estardalhaço, mega-explosão, nada. Ele entra. Não precisa mais. O fato de apontar para o público já faz o estádio vir abaixo. A banda tocou o inconfundível primeiro acorde e começou com tudo com “A Hard Day’s Night” cantada em uníssono pelo público. Seguiram com a ótima “Junior’s Farm” para já ameaçar todos de um primeiro enfarte com “Can’t Buy Me Love” e a maravilhosa “Jet”.
Então vieram “Drive My Car”, “Let Me Roll It” (com a tradicional homenagem a Jimi Hendrix, tocando o riff de “Foxy Lady” no final), “I’ve Got a Feelinig” e a pungente “My Valentine”, composta para sua atual esposa, Nancy, que inclusive estava presente ao show. O belo clipe com Natalie Portman e Johnny Depp era exibido no telão.
“Nineteen Hundred and Eighty-Five” foi dedicada aos (vários) fãs do Wings na plateia, seguida de “Maybe I’m Amazed” que Paul faz questão de lembrar que compôs para sua falecida esposa Linda, maior amor de sua vida.
Depois da sempre funcional “We Can Work It Out”, veio um dos grandes momentos. Com uma bateria menor e um cenário de uma casa antiga que dava impressão de ser em 3D, a banda parecia um grupo de skiffle e aí tocaram a primeira música que os Beatles (ainda sob o nome de The Quarrymen) gravaram: a ingênua e bela, “In Spite of All The Danger”. Como se isso não fosse surpresa o bastante, emendaram “Love Me Do”. Quem não chorou, ficou olhando atônito para o palco, tamanha a emoção.
A seguinte foi “And I Love Her”, para depois Paul subir em uma plataforma que o elevou bem acima do público (provavelmente para ficar mais perto de casa) e executar a indefectível “Blackbird” e “Here Today” (sua homenagem ao amigo e parceiro, John Lennon).
Em vários momentos Paul arriscou umas gírias em português, como “bombando” e “balada” arrancando risadas e aplausos do público (carisma imensurável) e sofreu para falar a palavra “recente”, que usou para anunciar as músicas do álbum “New”: a fantástica “Queenie Eye” (com Kate Moss, digamos, em forma, dançando no telão) e a faixa-título.
Mais Beatles com “Lady Madonna” e sua composição mais recente “FourFiveSeconds”, feita em parceria com Rihanna e Kanye West. Aí uma sequência para deixar qualquer fã dos Beatles maluco: “Eleanor Rigby”, “I Wanna Be Your Man”, “Being For the Benefit of Mr. Kite” (faixa obscura de Sgt. Pepper’s, executada para comemorar os 50 anos do álbum), a linda homenagem a George Harrison em “Something” e “A Day In The Life” com a já tradicional emenda com o refrão de “Give Peace a Chance”.
Quando você pensa que o show vai dar uma arrefecida, ele ganha ainda mais intensidade. Essa é uma das características do show de Paul. Chega um momento que é uma atrás da outra: “Ob-La-Di, Ob-La-Da” fez todo mundo pular e cantar junto, seguida de “Band On the Run” e “Back in the U.S.S.R.”.
Em “Let It Be”, o show dos celulares acesos nas cadeiras e na pista fez quem ainda segurava as lágrimas desabar de vez, só para se animar de novo com as explosões e fogos de artifício em “Live and Let Die”.
O final da primeira parte foi com a tradicional “Hey Jude”, em que Paul dividiu o público entre “manos” e “minas”. Hilário. A organização havia distribuído cartazes e bexigas com “Na na na” escrito para serem exibidos na hora da música, o que deu um efeito muito bonito.
O tempo estava encoberto, mas a chuva não deu o ar da graça. No entanto, para esse espetáculo, é melhor que não haja estrelas no céu. A única estrela está ali no palco, e ela voltou para o bis com “Yesterday” que foi cantada pelo estádio inteiro. “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)” foi a próxima, seguida de “Helter Skelter”. E aí vale uma observação: a pegada da banda nas músicas mais pesadas não fica nada a dever a nenhuma de metal. Uma surpreendente “Birthday” e o tradicional medley de “Abbey Road”: “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End” encerraram mais uma performance memorável.
Apesar de seu pique e sua atuação não demonstrarem, Paul já está com 75 anos. Quantas vezes teremos o privilégio de vê-lo mais uma vez? Não sei, mas acredito que pelo menos mais uma, até o dia que ele decidir voltar para a dimensão de onde ele veio.
Para um fã de Paul ou dos Beatles, assim que o show termina a sensação é tão boa que é inexplicável. Você se sente leve, quase flutuando, parece que tudo na sua vida está certo. Não é só um show, é um ritual de purificação espiritual. Para finalizar, uma frase dita por um professor de música no DVD “The Space Within Us” (2006): “Como alguém pode ficar irritado com algo ou alguém após assistir a um show como esse?” Isso resume tudo.
Fotos: MRossi/T4F