Autor da HQ “Xampu” falou sobre o seu processo de criação e sobre o período que trabalhou para o mercado americano

Roger Cruz, o artista | Foto: Rafael Roncato
Roger Cruz, o artista | Foto: Rafael Roncato

O segundo semestre de 2016 foi recheado para o quadrinista Roger Cruz (também conhecido por ter desenhado X-Men, Wolverine, Homem-Aranha, Hulk e muitos outros personagens das principais editoras americanas). Na Bienal de Quadrinhos de Curitiba, relançou seu projeto 100% autoral, “Xampu Lovely Losers”, publicado originalmente pela Devir, em 2010. Dessa vez, em novo formato, capa, papel e com o título “Xampu – Vol 1”. A reedição foi publicada pela Panini Comics em parceria com a Stout Club e traz páginas extras, numa seção intitulada “Bonus Track”, preenchidas por estudos de personagens, esboços e artes inéditas e originais. Logo na sequência, os fãs da HQ foram presenteados com o lançamento do Volume – 2 da série, publicado pela mesma parceria de selos e apresentado pelo autor na CCXP, em dezembro do ano passado. A história de jovens amigos que dividem um apartamento em São Paulo se confunde com a própria biografia do autor. Pelas páginas, um retrato de como foi viver o final dos anos 80/começo dos 90, tanto na parte comportamental quanto nas referências dos elementos que compunham o cenário da época. O olhar poético para situações corriqueiras do cotidiano e a intimidade exposta nas histórias também provocam identificação imediata, mesmo para quem não viveu aquele período. Uma característica valiosa das histórias de Cruz é a paixão pelo rock e pelo metal, presente tanto no Vol 1 quanto no 2. É o pano de fundo que o une os personagens e que embala suas experiências e reflexões. Para este ano, Cruz promete lançar o terceiro volume da coleção e está planejando o “Roger Cruz Artbook – Volume 2”. O quadrinista também lançou “Nudes In Fury” (2011), “Roger Cruz Artbook – Vol. 1” (2012), “Sketchbook Experience Roger Cruz” (2013) e “Quaisqualigundum” (2014), HQ premiada com o HQMIX em 2015.

“Xampu” ganhou reedição no ano passado, assim como 2016 também marcou o lançamento do Volume 2 da série. Qual o motivo desse hiato de seis anos para o lançamento entre o primeiro e o segundo título?
Roger Cruz: Esse hiato entre o volume I e o II se deu por falta de tempo mesmo. Precisei focar em outros trabalhos durante esse período. Eu gostaria de ter trabalhado nos três volumes sem interrupções e lançado um por ano, mas infelizmente não ocorreu assim. Agora, em 2017, sai o terceiro e último volume.

"Xampu", volumes 1 e 2 | Foto: Roger Cruz

A ideia principal é falar sobre um grupo de amigos adolescentes vivendo essa fase tão intensa e marcante, que independe de estilo musical” – Roger Cruz

Tanto no Volume 1 quanto no 2, você usa o rock/metal como pano de fundo, além de outras referências à cultura pop. Fale sobre essa sua conexão com os estilos e qual a importância da presença do gênero na criação dos seus personagens.
Cruz: Rock/metal era o que eu mais ouvia nessa época em que se passa o “Xampu”, e o apartamento que usei como referência para a história era o apê onde alguns amigos quadrinistas moravam. A turma do metal não era a mesma turma de quadrinhos, mas na HQ fiz como se fossem a mesma, no mesmo apê, cheio de gibis e de discos de metal. Mas todo o ambiente heavy metal funciona apenas como pano de fundo mesmo. A ideia principal é falar sobre um grupo de amigos adolescentes vivendo essa fase tão intensa e marcante, que independe de estilo musical. Já teve leitor de “Xampu” que disse ter se identificado pra caramba mesmo sendo de uma turma que curtia samba. Isso é muito legal.

Em 2015, a CCXP divulgou uma pesquisa sobre a relação entre o universo geek e o gênero musical mais ouvido por este público, e o rock foi amplamente o mais citado (82%). Como você já fazia essa associação, qual é o seu ponto de vista a respeito dessa conexão?
Cruz: Não conhecia a pesquisa e o resultado é interessante. A maioria dos meus amigos quadrinistas nos anos 80/90 curtia rock e/ou metal. Na época, isso acabou influenciando muito o meu gosto musical. Nunca tinha pensado sobre essa conexão, mas imagino que ela ocorra porque quem produz, seja um game, uma HQ ou rock, visa dialogar com o mesmo público e vender para o mesmo público.

Você já tem algo em mente para o próximo volume?
Cruz: Eu já tinha a maior parte das ideias já definida para o terceiro volume, mas durante a produção senti que precisava mudar de direção em algumas histórias. Agora já está tudo bem definido e estou bem adiantado na finalização das artes.

X-Men, por Roger Cruz

O que eu fazia em X-Men era muito técnico e preciso, feito com canetas nanquim, régua, esquadro, anatomia e perspectiva certinha” – Roger Cruz

Como e quando percebeu que precisaria se reinventar na profissão e que sair da Marvel seria o melhor caminho a seguir?
Cruz: Isso aconteceu entre 2009 e 2010, mas não foi algo planejado. Os roteiros das histórias do “Xampu – volume 1” estavam na gaveta por quase 10 anos e eu não conseguia tempo para produzir uma edição de X-Men por mês e “Xampu” ao mesmo tempo. Primeiro, por ser um volume muito grande de páginas e segundo porque “Xampu” precisava de outro estilo. E este outro estilo era muito diferente, do tipo que não dá pra fazer heróis e “Xampu” ao mesmo tempo. Por isso, pedi afastamento para me dedicar exclusivamente a esse projeto. A ideia era voltar para a Marvel assim que terminasse, já que eu tinha um contrato de exclusividade com a editora, mas fiquei tão empolgado com as possibilidades daquele novo traço, que resolvi continuar autoral por mais um tempo. Então, surgiram outras ideias e aqui estou eu ainda hoje. Mas é bem provável que eu volte a desenhar comics mais pra frente.

Como você amadureceu a identidade do seu traço para criar “Xampu” e quais técnicas você usa?
Cruz: Entre uma página e outra de X-Men, eu sempre rabiscava alguma coisa do “Xampu”, mas o resultado não me agradava. Tinha muito do que eu fazia nos super-heróis contaminando o traço que, na minha cabeça, precisava ser mais orgânico e intuitivo. Essa era a estética que eu buscava para o projeto. 
O que eu fazia em X-Men era muito técnico e preciso, feito com canetas nanquim, régua, esquadro, anatomia e perspectiva certinha, etc. Quando pude me dedicar exclusivamente ao projeto, fiquei muito tempo rabiscando pra me afastar do traço de super-heróis e aos poucos o traço foi surgindo.
Pra conferir essa atmosfera nostálgica e voltar de vez no tempo, decidi desenhar todos os cenários e personagens de memória. A Galeria do Rock, os bares, as ruas dos bairros por onde eu circulava, os amigos distantes daquela época, etc. Somente a fachada do prédio fiz baseada em fotos. Ainda pra voltar no tempo, preferi usar o material mais old school possível: uma Pentel P205 com grafite 4B, bico de pena, pincel e nanquim.

Desse período com a Marvel, o que mais você aprendeu ou assimilou que se reflete no seu trabalho autoral? Você tinha/tem algum personagem favorito?
Cruz: Aprendi demais nesses quase 20 anos trabalhando para o mercado americano. Uma das lições mais valiosas foi entender o quanto os prazos são importantes. Mesmo nos projetos autorais é fundamental planejar bem, definir prazos para roteiro, lápis, arte-final, lançamento, etc. Sobre personagens favoritos, como leitor, sempre acompanhei mais autores do que personagens. Acompanhava John Buscema, Frank Miller, Alan Moore, Neil Gaiman, Simon Bisley, John Byrne, Angeli, Laerte, Bill Watterson entre outros. Nos comics, talvez os meus personagens favoritos sejam Lobo (DC Comics) e X-Men (Marvel).

"Quaisqualigundum", a parceria entre Roger Cruz e Davi Calil

Trabalhar com o Davi [Calil] foi sensacional, primeiro por ele ser um amigo muito querido e segundo porque sou fã demais de tudo o que ele produz” – Roger Cruz

Você idealizou e roteirizou a premiada “Quaisqualigundum” (2014), que teve a arte assinada por Davi Calil. Como foi compartilhar o trabalho com outro desenhista e, de um modo geral, como foi recriar os personagens e as narrativas descritos nas letras de Adoniran Barbosa?
Cruz: Foi a minha primeira experiência atuando apenas como idealizador e escritor e não poderia ter sido melhor. Tenho muito orgulho desse projeto, e trabalhar com o Davi foi sensacional, primeiro por ele ser um amigo muito querido e segundo porque sou fã demais de tudo o que ele produz. Inicialmente, eu faria a arte também, mas me lembro que, na época, o Davi me mostrou alguns estudos de velhinhos pintados com aquarela que eram exatamente como eu imaginava os personagens. Conversando, descobri que ele também era fã do Adoniran e não tinha como ser diferente: fechamos a parceria. Sobre as HQs, eu sempre ouvia as músicas do Adoniran fazendo as perguntas que me levaram a escrever as histórias: quem eram Eu, Matogrosso e Joca? Como se encontraram? De onde vieram? Por que o Arnesto não apareceu no samba que ele mesmo planejou? Quem eram esses personagens indo pro samba? Será que eram os músicos? Onde foi parar Inês quando foi comprar fogo pro lampião? Mané é mané de bobo ou de Manuel? Será que o samba no Bexiga era o mesmo samba do Arnesto? Assim, escrevi quatro histórias imaginando quem seriam aqueles personagens, quais eram suas histórias antes ou depois do que sugeriam as letras do Adoniran.

Em que outros projetos você está envolvido no momento?
Cruz: No momento, fazendo apenas “Xampu 3” e planejando o “Roger Cruz Artbook – volume 2” para o fim do ano.

Quem são os seus ídolos/referências/influências no universo HQ e o que tem lido ultimamente?
Cruz: Muita gente. Aqui no Brasil, toda a turma da Chiclete com Banana, principalmente Laerte e Angeli. Fora, Frank Miller, Alan Moore, Simon Bisley, John Buscema, John Byrne, Bill Watterson, Moebius e muitos outros. Curto desde desenho hiper-realista e preciso a super estilizado e largado.

Homenagem de Roger Cruz a Freddie Mercury
Homenagem de Roger Cruz a Freddie Mercury

Sites relacionados:
rogercruzbr.blogspot.com.br
www.facebook.com/rogercruzhq

Adquira as HQs:
Xampu – Volume 1: aqui
Xampu – Volume 2: aqui

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