Americanos são consagrados no Brasil, ingleses vêm reparar uma falha histórica
Duas bandas que possuem uma relação bem diferente com o público brasileiro apresentaram-se na noite de ontem (24) no São Paulo Trip. O Aerosmith esteve pela sétima vez no país e teve boa parte de sua legião de fãs criada por aqui durante os anos 1990, com o boom de seus videoclipes na MTV. Já o Def Leppard, depois de não poder participar da primeira edição do Rock In Rio e, possivelmente, perder um lugar que poderia ser seu no coração dos fãs brasileiros para o Whitesnake, ainda veio em 1997, num momento em que as atenções estavam voltadas ao grunge e quando promovia o seu pior álbum, “Slang”. Agora, veio para fazer um show de acordo com sua grandiosidade pela primeira vez e também saciar a carência de seu público no Brasil.
Vale lembrar que as duas bandas haviam se apresentado juntas no Rock In Rio no último dia 21, antes do evento em terras paulistanas. Com um público que ainda não deixava o Allianz Parque muito cheio (a pista VIP foi bem tranquila a noite toda), o som de “Brighton Rock”, faixa de abertura de “Sheer Heart Attack” do Queen, começou a tocar mais alto nos PA’s. Logo depois, foi a vez de “Shoot To Thrill” do AC/DC, presente em “Back in Black”. Era a deixa para o Def Leppard entrar no palco…
Nativo de Sheffield, Inglaterra (com exceção do guitarrista Vivian Campbell, que é irlandês), o Def Leppard entrou no palco com a morna “Let’s Go”, faixa que abre o mais recente e homônimo álbum de 2015. Logo de início, deu para reparar como Phil Collen (guitarra) continua em forma e como Vivian Campbell vai se recuperando bem de seu linfoma de Hodkin através do tratamento com células tronco.
Em seguida, “Animal”, o primeiro grande clássico da noite, presente no álbum que completa trinta anos, “Hysteria”. Claro que a voz de Joe Elliott não é mais a mesma, mas está melhor do que há alguns anos e os backing vocals excelentes – especialmente de Rick Savage (baixo) e do próprio Phil Collen, que canta muito – ajudam. Aí, vem a pergunta que muitos podem fazer: havia vozes pré-gravadas? Sim, havia! Mas isso não diminui o mérito da banda, a musicalidade de todos e a qualidade incrível das composições. Várias bandas fazem isso, é uma forma de deixar as músicas mais “cheias” ao vivo.
Então veio a excelente “Let It Go”, de High ‘n’ Dry” (1981), com seu marcante riff de guitarra, e a balada “Love Bites”, muito conhecida no Brasil pela versão em português do Yahoo (“Mordidas de Amor”), que foi trilha sonora da novela “Bebê a Bordo”, de 1988/89 – tente ouvi-la sem isso na cabeça (é difícil, eu sei) e verá que é uma ótima composição. Nessa, Collen tocou uma guitarra que trazia uma pintura com a imagem de Bela Lugosi, como Drácula.
Seguiram com outra do multiplatinado “Hysteria”, “Armaggedon It” e voltaram ao novo lançamento com “Man Enough”, que merece uma observação: talvez seja a música mais Queen que o Queen não fez. Dá até para cantar “Another One Bites The Dust” em cima da melodia em alguns momentos.
“Rocket” foi a seguinte e uma coisa tem que ser dita: o Def Leppard é uma banda que se movimenta muito no palco, dá o sangue durante a apresentação inteira e nunca deixa a peteca cair. Depois veio a maravilhosa balada “Bringin’ on the Heartbreak”, que é muito importante na história da banda. No excelente filme “Hysteria – The Def Leppard Story” (facilmente encontrado no YouTube, mas sem legenda) é nessa que o produtor Robert John “Mutt” Lange, que seria essencial na carreira do grupo, mostra pela primeira vez o que ele é capaz de fazer no estúdio, quando manda Elliot cantar o refrão mais uma vez, um tom acima, para dobrar a voz. O filme vale muito a pena, e essa parte chama a atenção.
Assim como no disco, era a vez da pesada instrumental “Switch 625”, seguida pela música “Hysteria”, um momento muito emocionante, com o telão mostrando imagens de todas as fases da banda.
A faixa de abertura de “Adrenalize” (1992), “Let’s Get Rocked”, veio na sequência, seguida pelo hino das strippers americanas e do hard rock em geral: “Pour Some Sugar On Me”. Essa também ganhou uma nova injeção de ânimo, após ser muito bem cantada por Tom Cruise no filme/musical, “Rock of Ages” (2012). Aliás, o próprio Joe Elliott elogiou a performance do ator americano. Falando em “Rock of Ages”, essa foi a música seguinte, emendada com “Photograph”, que encerrou a apresentação com fotografias da banda como se ainda fossem negativos (lembra deles?) no telão.
A emoção foi grande e Rick Allen (bateria) é sempre uma aula de superação para todos nós. O show foi ótimo, mas que faltou “Foolin'”, faltou…
Já com o estádio contando com um bom público nas arquibancadas e nas cadeiras, o Aerosmith entrou no palco com o jogo ganho. Depois da introdução com a instrumental “The Movie”, de “Permanent Vacation”, rolando nos PA’s e um vídeo mostrando imagens dos mais de 45 (!) anos da banda veio a chamada: “From the city of champions, Boston, Mass, Aerosmith” (“Da cidade dos campeões, Boston, Massachussets, Aerosmith”, numa clara alusão aos bem sucedidos times esportivos da cidade). Assim, os americanos entraram detonando com “Let the Music do the Talking”, de “Done with Mirrors” (1985), que é também a faixa-título do primeiro disco solo do guitarrista Joe Perry, lançado em 1980.
Veio então excelente e eterna “Love in an Elevator”, de “Pump” (1989). Já de cara (e durante todo o show, diga-se) destaque total e absoluto para Steven Tyler. A palavra “rockstar” parece ter sido cunhada para ele. Sabe-se lá como, depois de décadas de abusos com todos os tipos de drogas possíveis e imaginárias (no documentário “The Decline of Western Civilization Part II: The Metal Years” sua declaração de que cheirou uma Bolívia inteira é icônica), o cara está cantando muito e com uma presença de palco invejável. Carisma nota mil!
A boa balada “Cryin'” veio em seguida e um fato curioso: eu, particularmente, não tenho nada contra baladas (adoro várias), mas que era audível que no refrão só se ouviam vozes femininas… Era um fato! “Livin’ on The Edge”, com seu primeiro verso bem propício para nossa atualidade (“There’s something wrong with the world today”; “Há algo errado com o mundo hoje”), veio na sequência, seguida da ótima “Rag Doll”, que teve seu naipe de metais tocado no teclado de Buck Johnson. Aí a coisa complicou. O show estava animado, Tyler detonava e tinha o público nas mãos, quando o ego de Joe Perry (guitarra) deu o ar da graça. Sim, isso deve ter sido combinado anteriormente e se conhecemos bem a peça, ele deve exigir uma parte do show para ele. Mas as duas jams de blues em cima das músicas “Stop Messin’ Around” e “Oh Well” do Fleetwood Mac, foram intermináveis. E isso ainda refletiu no set. Com o tempo gasto nelas, cortou-se “Falling In Love (Is Hard On The Knees)” e “Eat the Rich” que estavam no set do Rock in Rio. Uma pena!
A regular “Crazy” foi a próxima, seguida de “I Don’t Want to Miss a Thing”. Inexplicavelmente (ou não) a única música do Aerosmith a chegar ao topo das paradas americanas, muito pelo fato de estar na trilha sonora de “Armaggedon”. Mas, mesmo assim, uma banda com as músicas que o Aerosmith tem, inclusive baladas maravilhosas, bem essa ser a única número 1 é de lascar. Seja como for, depois foi a vez da veteraníssima “Mama Kin”, do álbum de estreia, homônimo, de 1973, seguida do cover de “Come Together” dos Beatles, presente na trilha do filme “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (1978). Sei que a banda também gravou o cover de “I’m Down” em “Permanent Vacation” (1987) e, como um Beatlemaníaco de carteirinha, gostei de ouvir, mas garanto que muito fã preferia uma música da banda. Mas aí vieram dois megaclássicos: a estupenda “Sweet Emotion” e a divertida “Dude (Looks Like a Lady)”.
No bis, talvez o grande momento da apresentação, com a fantástica “Dream On”, seguida de mais uma “enrolação” com um pedaço de “Mother Popcorn” de James Brown, antes do final com “Walk This Way”. A ovação a Tyler, quando os integrantes foram anunciados, deixou bem claro a quem a noite pertenceu. O Aerosmith, e Steven Tyler em particular, são tão incríveis ao vivo, que nem as partes mais discutíveis do show conseguem diminuir o brilho das excelentes. O domínio de palco e a intensidade são majestosos, de deixar todos boquiabertos.
Ao final, ficou claro por que o Def Leppard é a banda de abertura e o Aerosmith é o headliner – não dá para brigar com os fatos. No geral, mais uma grande noite do São Paulo Trip, festival que esperamos se torne um acontecimento anual no calendário de eventos da cidade.
Fotos: Ricardo Matsukawa e Edu Lawless
SERVIÇO – SÃO PAULO TRIP:
Local: Allianz Parque
Avenida Francisco Matarazzo, 1705, Água Branca – São Paulo (SP)
Próxima atração:
26 de setembro: Guns N’Roses, Alice Cooper e Tyler Bryant & The Shakedown
Vendas pela Internet: www.ingressorapido.com.br
Ponto de venda sem taxa de conveniência:
Bilheteria Oficial no Teatro Tuca: Rua Monte Alegre, 1024 – Perdizes.
Horário de Funcionamento: Terça a sábado das 14h às 19h e domingo das 14h às 18h (em dia de espetáculos até o início do mesmo)
Classificação Etária: 14 anos
Menores de 14 permitidos apenas acompanhados dos pais ou responsável legal.
Site relacionado: www.saopaulotrip.com.br