Energia foi o tom da noite de encerramento do festival, que já deixa saudade

Guns N' Roses | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts
Guns N' Roses | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts

Foram quatro noites eletrizantes de São Paulo Trip, com o público da cidade vendo de perto grandes nomes do classic e hard rock, como The Who, The Cult, Bon Jovi, Aersomith, Def Leppard e, para fechar em alta, as apresentações de ontem (26), com as lendas Guns N’ Roses e Alice Cooper.

A expectativa era grande, uma vez que Axl Rose e cia. obtiveram uma repercussão variada, com alguns fãs falando muito bem e outros muito mal sobre a apresentação no Rock in Rio, ocorrida em 23 de setembro, enquanto o ícone Alice Cooper teve destaque reduzido naquele festival, na antevéspera – ainda assim, lotando e colocando abaixo o Palco Sunset.

Tyler Bryant | Foto: Edu Lawless
Tyler Bryant | Foto: Edu Lawless

A abertura da última noite do São Paulo Trip ficou por conta de Tyler Bryant & The Shakedown, banda que participou no mesmo dia e palco que Coop no festival carioca e foi uma grata revelação. Por mais que ainda não seja popular no Brasil, naquele primeiro show conseguiram cativar a audiência com uma mistura de hard rock, heavy metal, blues e southern rock. E não foi diferente para os paulistanos, apesar de um set mais curto.

Liderada pelo vocalista e guitarrista texano Tyler Dow Bryant, o quarteto ainda conta com Caleb Crosby (bateria), Noah Denney (baixo) e Graham Whitford (guitarra). Estranhou o sobrenome do último? Sim, ele é filho de Brad Whitford, guitarrista do Aerosmith. Daí a associação é imediata: por isso que eles estão tocando com bandas desse porte e já tendo feito turnês ao lado de ícones como AC/DC, Aerosmith, B.B. King, Eric Clapton, Jeff Beck, ZZ Top e o próprio Guns N’ Roses, em várias datas da “Not in This Lifetime… Tour”? Não! Bom, talvez, isso de fato facilita consideravelmente, mas os caras detonam e merecem.

Graham Whitford | Foto: Edu Lawless
Graham Whitford | Foto: Edu Lawless

Pouco antes das 17h30, Tyler e sua turma entraram em cena, ainda para um público muito reduzido, com a energética ‘Weak And Weepin”, que tem sido abertura constante dos shows. Dali em diante deram o tom da veia setentista e pesada de uma banda que dá a impressão que se trata de mais uma de milhares na cena indie/alternativa. Só que não.

Os grandes destaques ficaram para ‘Criminal Imagination’ (do mais recente single, “The Wayside”, de 2016), ‘Mojo Workin”, cover de Ann Cole, e ‘Lipstick Wonder Woman’, que encerrou o show com direito a Caleb Crosby levando o surdo da bateria para frente do palco, para acompanhar a banda e fazer uma espécie de “solo”. O set foi muito curto, bem menor que o do Rock in Rio, mas que deixou a plateia satisfeita e realmente com gosto de “quero mais”. Tyler Bryant & The Shakedown certamente ganharam novos fãs em São Paulo.

Alice Cooper | Foto: Edu Lawless
Alice Cooper | Foto: Edu Lawless

Divulgando o novo álbum, “Paranormal” (2017), era hora do mestre Alice Cooper retornar aos palcos paulistanos, solo esse que teve o primeiro contato do artista no Brasil com o lendário show ocorrido a 30 de março de 1974, no Salão de Exposições do Anhembi. No atual giro, tocou no Rock in Rio e Curitiba/PR (dia 23) além, é claro, do São Paulo Trip.

Era hora do show e às 18h28 foi iniciada ‘Brutal Planet’, faixa-título do álbum de 2000 que chocou o mundo com uma veia musical bem mais pesada para os padrões do artista. Logo de cara foi dado o tom repleto de energia de Alice e sua excelente banda atual, composta por Ryan Roxie, Tommy Henriksen e Nita Strauss (guitarras), Chuck Garric (baixo) e Glen Sobel (bateria). Fato é que, desde 2003, Coop tem passado um “sentimento de banda” maior para os seus shows, remetendo ao início de carreira com o Alice Cooper Group, que durou até 1974. Não que daquele momento em diante ele tenha deixado de valorizar seus músicos, muito pelo contrário. Todavia, por mais que gigantes como Dick Wagner, Steve Hunter, Kane Roberts, Kip Winger, Joe Satriani, Vinnie Moore, Al Pitrelli, Eric Singer e tantos outros, tenham passado por seus line-ups nos anos 70, 80 e 90, hoje é nítido esse intuito de um “sentimento de banda” nos shows.

Nita Strauss, Alice Cooper e Tommy Henriksen | Foto: Edu Lawless
Nita Strauss, Alice Cooper e Tommy Henriksen | Foto: Edu Lawless

Seguiram de forma magistral com três dos grandes clássicos das épocas de Alice Cooper Group, ‘No More Mr. Nice Guy’, ‘Under My Wheels’ e ‘Billion Dollar Babies’. Por mais que estivesse curtindo a apresentação, nesse momento fiquei triste, pois essa sequência indicava que o set seria mais curto que o de Curitiba, já pulando as ótimas ‘Lost in America’ e ‘Pain’, esta última uma joia rara do “Flush the Fashion” (1980). Sorte dos curitibanos.

Pois bem, passados os clássicos era hora de uma novidade, que se deu com a excelente ‘Paranoiac Personality’, faixa de trabalho do mais recente lançamento, com direito à rápida entrada em cena da personagem “Nurse” (a enfermeira, que teria aqui uma atuação maior caso o set fosse completo e seguido por ‘Ballad of Dwight Fry’, o que não ocorreu). Nesse ponto do show duas coisas já estavam claras: tudo seria impecável e Nita Strauss ganhava destaque.

Descendente do compositor austríaco Johann Strauss II (que escreveu a famosa valsa “Danúbio Azul” e tantas outras músicas eternizadas pela História), a guitarrista de Los Angeles está ao lado de Alice desde 2014. Ela, porém, já tinha notoriedade junto a bandas como The Iron Maidens (tributo feminino para o famoso grupo britânico, no qual ela se chamava “Mega Murray”), Femme Fatale, LA Kiss e a recente We Start Wars. Nita tem uma presença incrível e consegue conciliar sua técnica, simpatia e beleza, sendo relevante em cada momento do show, estando no holofote ou não. Essa literalmente tem a música no sangue.

Nita Strauss | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts
Nita Strauss | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts

Justamente foi Nita o centro das atenções em ‘Woman of Mass Destruction’ (faixa de abertura de “Dirty Diamonds”, 2005) e um solo de guitarra muito legal, que se preocupou mais em entreter do que fazer malabarismos. E esta foi a deixa para um dos grandes hits, se não o maior, de Alice dos anos 80 e 90: ‘Poison’, do maravilhoso “Trash” (1989) e sua veia bem hard rock.

Retornamos para os anos 70 com a grande ‘Halo of Flies’, com direito a solo de baixo e bateria, e Alice voltando em cena usando um avental ensanguentado para ‘Feed My Frankenstein’. Esta marcou uma geração por ser parte da trilha sonora e levar à hilária cena do “we’re not worthy” do filme “Wayne’s World” (1992, no Brasil conhecido como “Quanto Mais Idiota Melhor”), estrelado por Mike Myers e Dana Carvey, com participação do Coop em pessoa. No meio da música, Alice foi amarrado em uma mesa e eletrocutado, retornando como uma versão gigante de Frankenstein – o assistente pessoal de Coop, Kyler Clark, que atua no lugar do saudoso Brian Nelson, faz as vezes do monstro nos shows. O público delirou.

Alice Cooper e Ethyl (Sherly Cooper) | Foto: Edu Lawless
Alice Cooper e Ethyl (Sherly Cooper) | Foto: Edu Lawless

Os aspectos teatrais, famosos pelos shows do artista, continuaram ao contracenar e judiar da boneca de pano “Ethyl”, em ‘Cold Ethyl’, e sua versão física, interpretada por Sherly Cooper (Sheryl Goddard, esposa de Alice) em ‘Only Women Bleed’, ambas do clássico “Welcome to my Nightmare” (1975). Essa culminou em um dos momentos mais esperados: a tradicional execução, que se deu com a guilhotina ao som de ‘Killer’ e ‘I Love the Dead’.

Com Alice segurando “a sua própria cabeça”, decapitada, o clássico ‘I’m Eighteen’ deu o tom de encerramento para o show, que teve um bis com uma participação mais que especial do guitarrista Andreas Kisser (Sepultura), se juntando à banda para o hino ‘School’s Out’, mesclado a outro hors-concours do rock, ‘Another Brick in the Wall Part 2’ (Pink Floyd).

Axl Rose e Slash | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts
Axl Rose e Slash | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts

Agora só restava a expectativa de quanto tempo levaria para o Guns N’ Roses iniciar o show: atrasaria ou não? A hora marcada era 20h30 e o Allianz Parque já estava cheio. Por mais que Alice Cooper tivesse a sua parcela de responsabilidade, era óbvio que várias gerações estavam ali reunidas para a parcial reunião da formação clássica da banda. Nunca vi tanto “cosplay” de Axl Rose e Slash reunido no mesmo lugar – isso daria até uma ala na Comic-Con!

Não demorou, às 20h45, começava o famoso tema de “Looney Tunes”, série de curtas-metragens de animação da Warner Bros. Animation, juntamente com, também em playback, “The Equalizer”, tema do filme homônimo (“O Protetor”, no Brasil, de 2014), composta por Harry Gregson-Williams. Sim, Axl Rose (vocal), Slash (guitarra), Duff McKagan (baixo), Richard Fortus (guitarra), Dizzy Reed (teclado), Frank Ferrer (bateria) e Melissa Reese (teclado) davam início à atração mais esperada da noite, e última do São Paulo Trip, com ‘It’s So Easy’, de “Appetite for Destruction”, álbum de estreia da banda que completou 30 anos em julho passado.

Duff McKagan e Axl Rose | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts
Duff McKagan e Axl Rose | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts

Também daquele lançamento de 1987, continuaram com ‘Mr. Brownstone’, contraposta por ‘Chinese Democracy’, faixa-título do polêmico e mais recente lançamento, de 2008. Com essas três já dava para perceber o quanto a banda estava a fim de detonar naquele show. O som, impecável, mostrava toda a força da atual formação, que não é a clássica com Izzy Stradlin (guitarra) e Steven Adler (bateria), sentida por uma parcela dos fãs, mas que é simplesmente demolidora.

Axl entrou com toda a potência, soltando a voz ainda em ‘Welcome To The Jungle’, terceira de “Appetite for Destruction” na noite e, talvez, uma das mais ovacionadas; ‘Double Talkin’ Jive’ (de “Use Your Illusion I”, 1991) e ‘Better’, outra de “Chinese Democracy”. Nesse momento, e daí para frente, percebi que o vocalista começou a sentir um pouco.

Retomando o assunto da polêmica da voz de Axl no Rock in Rio, parte dos fãs (e outros não fãs) foram um pouco duros nas críticas e brincadeiras. Claro que o público sempre quer o melhor dos artistas quando assiste a um show e concordo plenamente com isso, mas algumas coisas não podem deixar de serem avaliadas. Primeiramente, Axl não está mais na casa dos seus 20, 30 anos, quando estava no auge do sucesso, e as músicas da banda sempre exigiram muito da sua voz. Goste ou não do timbre dele, cantar aquilo não é fácil. Por mais que isso não seja desculpa, algo ainda deve ser considerado: na “Not in This Lifetime… Tour”, e como não é incomum para o padrão Guns N’ Roses, os shows têm mais de 3 horas de duração. Some a idade e estilo de voz ao tempo de duração por show e, ainda como cereja do bolo, ter aceitado substituir ninguém menos que Brian Johnson no AC/DC. “Simples”, não?

Axl Rose | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts
Axl Rose | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts

De volta ao “Use Your Illusion”, foi a vez de ‘Estranged’, do volume II do álbum, também de 1991, e a clássica cover do The Wings ‘Live and Let Die’, cuja original, composta por Paul e Linda McCartney, foi tema do oitavo filme de James Bond, homônimo (no Brasil “Com 007 Só se Viva e Deixe Morrer”, 1973), e o primeiro com o saudoso Roger Moore no papel do agente 007. Bombástica, como sempre, impressionou pelas explosões.

Slash assumiu o vocoder e slide em sua guitarra na ‘Rocket Queen’ e abriu espaço para mais um crossover do Guns N’ Roses com o cinema: ‘You Could be Mine’, tema de “Terminator 2: Judgment Day” (“O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final”, 1991), cujo videoclipe teve ninguém menos que Arnold Schwarzenegger e seu T-800 chegando em um show da banda. Épico. E ainda ela retornou às telonas como uma menção em “Terminator Salvation” (“O Exterminador do Futuro: A Salvação”, 2009), com Christian Bale remetendo à trilha sonora da adolescência de John Connor.

Com a participação de Duff McKagan no vocal, a banda foi em mais um cover com ‘New Rose’ (The Damned, regravada para o “The Spaghetti Incident?”, de 1993), seguida por ‘This I Love’, do mais recente trabalho, e uma trinca dos “Use Your Illusion”: ‘Civil War’, ‘Yesterdays’ e ‘Coma’, esta última apresentando a banda e levando ao solo de Slash. Em foco, o guitarrista brincou com ‘Johnny B. Goode’ (Chuck Berry), seguindo para ‘Speak Softly Love’ (da trilha sonora do filme “The Godfather”, aqui “O Poderoso Chefão”, de 1972, composta por Nino Rota) e introduzindo ‘Sweet Child O’ Mine’, outra das mais aguardadas da noite, cantada em uníssono.

Slash, com Richard Fortus ao fundo | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts
Slash, com Richard Fortus ao fundo | Foto: Ricardo Matsukawa - Mercury Concerts

Daqui até o final do set regular do show foram covers e clássicas, com ‘Wichita Lineman’ (Jimmy Webb), ‘Used To Love Her’ (de “G N’ R Lies”, de 1988), ‘My Michelle’ (mais uma de “Appetite”), ‘Wish You Were Here’ (clássico do Pink Floyd com direito a dueto bem legal das guitarras de Slash e Richard Fortus), a aguardada ‘November Rain’ com Axl ao piano e direito trecho de ‘Layla’ (composição de Eric Clapton e Jim Gordon, originalmente lançada por Derek and the Dominos), ‘Black Hole Sun’ (cover do Soundgarden em homenagem ao vocalista Chris Cornell, que faleceu este ano), a tradicionalíssima ‘Knockin’ on Heaven’s Door’ (cover de Bob Dylan, que obteve grande sucesso para o Guns ao ser regravada para “Use Your Illusion II”), ‘I Got You (I Feel Good)’ (cover de James Brown) e a também aguardada ‘Nightrain’, outra de “Appetite” e deixa para a banda sair de cena.

Logo retornaram para o bis com duas grandes baladas: ‘Don’t Cry’, do “Use Your Illusion I”, e ‘Patience’, do “G N’ R Lies”, esta certamente gerando certa nostalgia àqueles que viveram os primórdios do hoje finado “Disk MTV”. No encerramento, o último cover da noite, com ‘The Seeker’ (The Who), e o hit ‘Paradise City’, com direito a fogos de artifício dentro e fora do estádio.

Ao término, a banda ainda retornou ao palco para a reverência final e a despedida aos fãs, com Slash sendo o último a sair de cena. Foi um show longo, com mais de três horas de duração, mas teve um saldo positivo. Set list repleto de clássicos e surpresas (que não foram tão surpreendentes assim para quem havia assistido à apresentação da banda no Rock in Rio, seja pela TV ou presencialmente), e certamente a “Not in This Lifetime… Tour” deixou boas memórias para os fãs, tanto para os que viam pela primeira vez quanto aos mais, digamos, veteranos em Guns.

Fotos: Ricardo Matsukawa e Edu Lawless

Idealizado pela Mercury Concerts, o São Paulo Trip teve, então, a sua primeira edição encerrada com sucesso. Não apenas pela escolha do cast, de fato o “rock” do Rock in Rio, mas pela organização: uma primorosa estrutura no Allianz Parque, qualidade impecável de som e uma atenção em detalhes para o público que deve ser usada como referência para qualquer show no Brasil, independentemente do porte.

Quer saber tudo o que rolou no São Paulo Trip? Confira o especial completo do ROCKARAMA:

– 21 de setembro: The Who, The Cult e Alter Bridge
– 23 de setembro: Bon Jovi e The Kills
– 24 de setembro: Aerosmith e Def Leppard

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