O guitarrista Rudolf Schenker explica o porquê de a banda batizar sua nova turnê de “Crazy World” e as possibilidades de um novo álbum

Scorpions | Foto: divulgação

O Scorpions está entre aquelas criticadas por fazer uma turnê despedida e, no fim, continuar a carreira, como aconteceu com Kiss, Judas Priest e Ozzy Osbourne. Mas, sejamos sinceros: o mundo não é muito melhor com elas ainda ativas? Claro que sim! E esse mesmo mundo tem vivido situações dramáticas e extremas que parecem uma loucura total. Para falar disso e ainda contar histórias sobre a gravação de “Taken By Force”, que completa 40 anos de seu lançamento em 2017, e sobre os problemas do ex-baterista, James Kottak, que batemos um papo com Rudolf Schenker.

Vamos começar falando sobre essa turnê ao lado do Megadeth, porque é uma banda de hard rock com uma de thrash metal. Como isso aconteceu?
Rudolf Schenker: Aconteceu porque Dave (Mustaine) e eu já estávamos em contato há algum tempo e aí nos encontramos na premiação da (revista inglesa) Classic Rock em Tóquio. Foi uma grande noite com muita gente famosa e aí acabei conversando com Dave. Sentimos que seria legal tocarmos juntos, especialmente porque ele é muito fã da minha maneira de fazer as bases. Ele mencionou que os guitarristas base que ele mais gosta são Keith Richards (Rolling Stones), Michael Young (ex- AC/DC) e eu. Aí tudo se encaixou, porque nós queríamos tocar novamente nos EUA e no Canadá.

Scorpions | Foto: Ricardo Ferreira

Fiquei muito triste com o que aconteceu com James [Kottak] (…) Demos todas as chances, pagamos clínicas de reabilitação e tentamos fazer as coisas acontecerem” – Rudolf Schenker

Eu sempre fui muito amigo de James Kottak (ex-baterista do Scorpions) e fiquei chateado quando ele deixou a banda, mas vocês trouxeram Mikkey Dee (ex-King Diamond e Motörhead). Como se deu a escolha?
Schenker: (risos). Deixe-me falar uma coisa: antes de mais nada, fiquei muito triste com o que aconteceu com James no Scorpions. Sempre achei que seria ele até o fim conosco, mas as coisas que cercam a vida dele estavam judiando muito. Nós demos todas as chances, pagamos clínicas de reabilitação e tentamos fazer as coisas acontecerem. Depois, começamos a perceber que ele não conseguia se estabilizar e viajar toda hora de Los Angeles para a Europa de classe executiva, com tudo a disposição – dá para fazer uma festa mesmo sozinho. Esperamos os últimos três anos ou mais. E para fazer uma turnê, viajando pelo mundo todo, não dá para contar com alguém que não consegue ficar estável. Aí, quando Lemmy morreu – e Lemmy apesar de estar em outra vida, continua presente, já que era um bom amigo e fã do Scorpions, assim como somos fãs de Motörhead… Foi coisa do destino. Não sabíamos o que fazer quando fôssemos para uma turnê americana, se poderíamos contar com James. Falamos para ele ficar um pouco mais de tempo na clínica e mesmo assim não deu certo. Entramos em contato com Mikkey, que ficou muito feliz em entrar para a banda porque ele sabia, de dentro do Motörhead, o quanto Lemmy gostava do Scorpions. Ele também é fã e assim que tocamos foi como amor à primeira vista, tudo se encaixou perfeitamente. Tínhamos que tomar uma decisão. Explicamos a James que era melhor ele ficar em Los Angeles por causa da doença dele e que não teria energia para viajar e falamos para Mikkey que ele era o cara. Foi aí que Lemmy acabou falecendo. O timing foi perfeito. Matthias (Jabs, outro guitarrista do Scorpions) ligou para Mikkey e ele estava pronto. Agora a sensação é como um carro que troca de motor após 100 mil quilômetros rodados. Mikkey tem uma energia nova e isso, às vezes, também é importante. Gostaríamos de ter James conosco, mas agora com 52 anos de carreira, nós fizemos mudanças porque eu nunca mudei a filosofia da banda: em 65, quando fui “infectado” pelo Rock, por fazer minhas próprias músicas, não foi para ser Elvis Presley, Little Richard ou Jerry Lee Lewis. Não queria ser o único tocando na frente do público, queria outras pessoas comigo. Aí, quando apareceram os Beatles, Rolling Stones e Pretty Things, era isso que eu queria. A coisa mais importante era a música e também ter pessoas ao lado com a química certa, com quem você também pode ser amigo. É isso que carrega o Scorpions há 52 anos e é por isso que Mikkey Dee está na banda.

Rudolf Schenker | Foto: Ricardo Ferreira

‘Taken By Force’ é um álbum com muito mais a cara do que é o Scorpions de hoje em dia do que ‘In Trance’, ‘Fly To The Rainbow’ ou ‘Virgin Killer'” – Rudolf Schenker

Falando agora sobre o álbum “Taken By Force”, que foi lançado em 1977 e chega ao 40º aniversário, você consegue voltar a como foi a gravação dele, já que foi o último com o guitarrista Uli Jon Roth?
Schenker: Claro! Muitas memórias, porque eu me lembro que foi quando Uli conheceu Monika Dannemann, a última namorada de Jimi Hendrix. Eu me lembro claramente de estar sentado com ele no Speakeasy [N.T.: lendário clube londrino], onde todos os músicos famosos sempre iam. Eu estava lá e, de repente, ele me deu um chute por debaixo da mesa e disse: “Monika Dannemann está ali, você viu?” Eu disse que sim e ele perguntou o que deveria fazer. Eu disse: “Vá até ela e convide-a para ir ao nosso show no Marquee [outra lendária casa de shows em Londres]”. Ele titubeou um pouco, mas eu o encorajei e ele a convidou. Aí eles começaram a namorar e foi aí que vi que Uli ia seguir seu próprio caminho. Se você ouvir bem, “Taken By Force” é um álbum com muito mais a cara do que é o Scorpions de hoje em dia do que “In Trance”, “Fly To The Rainbow” ou “Virgin Killer” [N.T.: álbuns com Uli Jon Roth lançados anteriormente]. Se você ouve esses três álbuns é uma bela mistura de Jimi Hendrix com Klaus (Meine, vocal) e eu compondo. Uli era muito musical e nós éramos amigos, o que é importante destacar. Ninguém tentava forçar nada. Eu me esforçava ao máximo com as músicas de Uli e ele da mesma forma nas minhas. Quando começou a namorar a Monika, notei que ele estava perdendo o foco no Scorpions. Aí, numa manhã de domingo, a campainha tocou e eu fui atender. Era Uli, que disse que precisava me contar uma coisa e pediu para entrar. Ele falou que ia sair da banda e eu disse: “Ok.” Ficou chocado, porque eu não tentei convencê-lo a ficar. Eu disse: “Eu sabia que você ia fazer algo seu. Não vou desperdiçar energia tentando convencê-lo do contrário, mas seria bom que finalizássemos o álbum, porque é muito importante para nós.” Ele concordou e disse que faria isso. Trabalhou muito para que o álbum saísse bom e Monika ainda colaborou na composição de “We’ll Burn the Sky”, que é sobre Jimi Hendrix. Aí aconteceu outra coisa: Mr. Udo do Japão [N.T.: Mr. Udo é um promotor de shows lendário no Japão] nos avisou que “Virgin Killer” era álbum de platina por lá e queria que fôssemos tocar para os japoneses. Aceitamos, mas tínhamos que falar com Uli. Eu e Klaus tivemos que trabalhar duro para convencê-lo. Aí dissemos que o álbum ao vivo que gravaríamos lá, “Tokyo Tapes”, seria histórico e marcaria a passagem dele pela banda. Seria algo muito especial. Depois de um tempo ele se convenceu e nós gravamos. Mas, se me lembro corretamente, ele trabalhou muito para fazer tudo correr bem. Aliás, há outra coisa: “Taken By Force” marca a primeira aparição de Herman Rarebell (bateria), que seria muito importante na próxima fase da nossa carreira, no sentido de deixar nossas composições mais abrangentes. Ele tinha certa experiência internacional por ter tocado com o guitarrista do Steppenwolf na Inglaterra em uma banda que tinha como managers um pessoal da Apple, empresa dos Beatles. Então, nesse caso, foi uma mudança drástica, mas Uli deixou suas partes muito boas. E no ano que vem, ele celebra 40 anos de carreira solo e quer fazer uma grande festa em Tóquio. Ele me convidou e claro que aceitei, pelo o que ele fez pelo Scorpions e porque gosto muito dele como pessoa. Só depende de conseguir encaixar na minha agenda.

Rudolf Schenker | Foto: Ricardo Ferreira

Obviamente queremos fazer um álbum com Mikkey Dee, mas tem que ser o projeto certo, pois temos que estar inspirados e motivados. Quando essa motivação chegar, aí sim” – Rudolf Schenker

Depois disso, Matthias Jabs entrou na banda e começamos a era “Lovedrive” (1979), que é vista como fase clássica, especialmente nos EUA, e que durou até “Crazy World” (1990). Mas antes de falarmos sobre isso, “Return to Forever” saiu em 2015. Um ótimo álbum, eu adorei, achei fantástico.
Schenker: Sim, acho que se tivesse saído nos anos 80 seria visto como uma obra de arte.

Isso! Tivesse saído em 1988 teria facilmente vendido 10 milhões. E algumas das músicas, como “Rock My Car” são dessa época, mas agora que vocês estão com Mikkey Dee na banda, como estamos em termos de um novo álbum? Não um álbum ao vivo ou DVD. Material novo. Isso é algo que vocês querem fazer e ter Mikkey tocando em músicas novas ou vocês já possuem músicas suficientes?
Schenker: Não, não. Olha, a situação com o Scorpions é que quando fizemos nossa turnê de despedida foi algo muito sincero. Porque nós não imaginávamos que poderíamos continuar bem até agora. Com 66, 68, 69, não achávamos possível. Especialmente com Klaus como vocalista. Todos os vocalistas começam a ter problemas quando chegam a uma certa idade. Mas a razão de termos mudado de ideia foi o Facebook. Há toda uma nova geração de fãs, uns 80%, mais ou menos 2 ou 3 milhões, que tinham entre 14 e 20 anos quando o Facebook começou. É uma geração muito nova e vê-los ali na frente do palco foi fantástico. E também, após nossos últimos shows em Munique, nos dias 18 e 20 de dezembro (2012), já estávamos com nossas férias marcadas quando, em 10 de janeiro de 2013, recebemos um convite da MTV para fazer um acústico. Eles disseram que seria ótimo se pudéssemos fazer e nós sempre quisemos, desde os anos 80 e início dos anos 90, mas nunca podíamos porque estávamos sempre em turnê. Nesse caso, como a equipe de produção sueca era de primeira linha, nós aceitamos. Foi um sucesso retumbante. Aí veio o aniversário de 50 anos e não podíamos dizer não. Só nós, The Who, Rolling Stones, Beach Boys e o Pink Floyd estão nesse grupo. E nós somos da Alemanha! 50 anos? Sim, temos que fazer isso. E fizemos. Então, dissemos para nós mesmos que obviamente queremos fazer um álbum com Mikkey Dee, mas tem que ser o projeto certo, pois temos que estar inspirados e motivados. Quando essa motivação chegar, aí sim. Quero dizer, acabei de ouvir o novo do Metallica e é um grande álbum! Não sei como eles chegaram a ele, porque estavam fazendo umas coisas diferentes com aquele cara…

Lou Reed.
Schenker: Lou Reed, isso. Acho que fizeram isso porque não sabiam o que fazer, mas esse último disco é fantástico. Então, você tem que estar inspirado. Especialmente nesse tipo de música em que não pode arriscar muito. Talvez você consiga atingir o coração dos fãs, mas eles são muito sensíveis e percebem quando a banda gravou algo só por obrigação. Isso é muito importante. Estaremos prontos no momento em que estivermos inspirados.

Rudolf Schenker | Foto: Ricardo Ferreira

O mundo é louco e acho que a música, assim como nos anos 1960 e 70, é a arma mais poderosa sem ter que matar as pessoas, por unir a todos” – Rudolf Schenker

Bem, para ficar inspirado eu ouviria “Taken By Force” por horas e horas. Essa nova turnê é chamada “Crazy World”. Esse álbum foi lançado em 1990. O que ele significou para a carreira da banda? Porque lá estão “Send Me na Angel”, “Winds of Change”, “Tease Me, Please Me”, músicas muito famosas e foi o último álbum com a formação que possui Francis (Buchholz, baixista) e Herman.
Schenker: Não, acho que Herman tocou em mais um.

Ah sim, também tocou em “Face The Heat” (1993).
Schenker: Isso. Vou lhe falar o que significa: quando estávamos compondo o álbum, o mundo estava louco. Muito louco. Em 1988, 89 e 90, estava louco de uma forma positiva. Agora, está louco de uma forma negativa. A questão é: não somos políticos, não somos uma banda que fala sobre isso, mas queremos deixar claro que o mundo é louco e acho que a música, assim como nos anos 1960 e 70, é a arma mais poderosa sem ter que matar as pessoas, por unir a todos. E é por isso que tocamos para as pessoas, fazemos turnês e cantamos “Crazy World”. E tomara que consigamos alcançar alguma coisa com nossa música. Quando fizemos esse álbum e Klaus estava compondo a parte instrumental para “Wind of Change”, soava como a revolução mais pacífica do mundo. Havia algo sendo desenvolvido por Mikhail Gorbachev, que era o líder da URSS [N.T.: último presidente do país, responsável pela abertura política e econômica]. Nós fizemos parte de todas as mudanças, não apenas assistindo na TV. Em 1988 fizemos 10 shows em Leningrado [N.T.: hoje, São Petersburgo], em 1989 tocamos no Moscou Peace Festival ao lado de Ozzy Osbourne, Bon Jovi, Mötley Crüe, Cinderella e Skid Row. Eram mudanças loucas de uma forma positiva. Só queremos dizer para que se lembrem dessa época, para que sobrevivamos e esses tempos malucos de agora.

Mikkey Dee, Matthias Jabs, Klaus Meine, Paweł Mąciwoda e Rudolf Schenker | Foto: divulgação
Mikkey Dee, Matthias Jabs, Klaus Meine, Paweł Mąciwoda e Rudolf Schenker | Foto: divulgação

Transcrito e traduzido por Carlo Antico.

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