Onde quer que toquem, os pais do rockabilly moderno conseguem boa resposta do público

Stray Cats | Foto: reprodução - straycats.com

Quem já teve a experiência de ir a festivais, sabe como é difícil a situação de uma banda que seja um pouco diferente da atração principal. Já imaginou, por exemplo, o Ramones tocando antes do Yes, ou vice-versa? Sem condições. Porém, esse é um problema que nunca houve com o Stray Cats. O som da banda vista como a principal do rockabilly moderno é considerado a base de tudo e isso faz com que tenham respeito de todos, do progressivo ao punk. Na entrevista a seguir, o baterista Slim Jim Phantom fala sobre isso, conta histórias da vida constantemente povoada por gente famosa e muito mais.

Houve uma turnê de despedida Stray Cats, mas Brian Setzer (vocal e guitarra) disse que vocês irão fazer algo juntos no futuro. Isso é só uma esperança ou algo que em breve se tornará realidade?
Slim Jim Phantom: Bem, você sabe como é o rock’n’roll, independentemente de quem você seja, está sempre a mercê do vocalista. Espero que sim. Nós nos juntamos a cada cinco anos, mas tem demorado um pouco mais dessa vez. Não há razão para que não aconteça. Todos ainda têm cabelo, ninguém nunca processou ninguém, saiu com a mulher do outro, ninguém usa drogas (risos). Tudo é possível depois que essas coisas já aconteceram no rock’n’roll (risos).

Livro "A Stray Cats Struts: My Life as a Rockabilly Rebel"

Tem uma boa quantidade dos clichês nele, mas queria mostrar um lado mais leve, tipo um filme liberado para menores. Essa é a minha história” – Slim Jim Phantom

Espero que aconteça, já que tem sido uma carreira interessante. Falando sobre o seu livro, “A Stray Cats Struts: My Life as a Rockabilly Rebel” (2016 – leia as primeiras páginas), como foi elaborado o processo, porque li algumas partes e não houve um “ghost writer”, foi você mesmo quem escreveu.
Phantom: Nove em dez das biografias são alguém contando a história para um ex-jornalista de rock ou algo assim. Os jornalistas transformam aquilo em palavras e fazem com que pareça a pessoa falando. Eu não ia deixar fazerem isso, porque achei que conseguiria fazer eu mesmo. Foi um trabalho muito duro e o que eu mais quis foi evitar os clichês de sempre. Queria fazer algo diferente porque muita gente teve essa vida e viveu-a melhor do que eu. Tem uma boa quantidade dos clichês nele, mas queria mostrar um lado mais leve, tipo um filme liberado para menores. Essa é a minha história. Por exemplo, eu fazia palavras cruzadas com Lemmy no fundo do ônibus. Todo mundo conta sobre usar drogas com ele! (risos)

Como organizou tudo? Você escreveu diários esses anos todos, foi tudo de memória ou queria só lembrar as histórias mais interessantes? Qual o conceito por trás do livro?
Phantom: Aconteceu de uma forma interessante. Há alguns anos, biografias de rock estavam na moda e todo mundo lançava uma. É como quando uma gravadora vai atrás de um gênero que está na moda. Por sorte, um pessoal muito legal da (editora) St. Martin’s Press entrou em contato comigo. E isso deu peso ao livro, porque é uma marca respeitada. O que aconteceu foi que escrevi as notas de rodapé para o livro de um amigo meu, para uma editora menor. A agente dele, que trabalha para a agência literária Dana Newman, estava coletando as notas de rodapé e é claro que eu demorei até o último minuto para mandar as minhas. Quando chegou muito perto do prazo, eu escrevi algumas frases de jornalismo de rock, tipo: “como o rock é majestoso” e “o ritmo relativo da vida na estrada” e coisas assim. Ela gostou e perguntou se já tinha escrito e eu disse que não, que era uma daquelas coisas que se você nunca faz, você nunca fracassa. Porque cheguei a um ponto da minha vida que se não sei fazer alguma coisa, tudo bem. Sei fazer umas duas ou três e estou feliz assim. Se eu não preciso passar vergonha, para quê? Mas sempre achei que poderia escrever. Ela pediu para eu escrever um capítulo e aí comecei a tentar lembrar histórias. Eu nunca tive diários. Escrevi em um dos meus trinta blocos de notas que tenho. Sempre tenho blocos com anotações sobre o que preciso fazer, histórias sobre Lemmy e várias coisas. Escrevi uma história sobre Lemmy, que era meu melhor amigo, desde 1981. A história era basicamente que eu e ele fomos jogar caça-níquel nos cassinos de Londres e 20 páginas depois, pagamos o taxista com moedas. Mas nessas vinte páginas há onde fomos, quem mais estava lá, que bandas apareceram, que pub visitamos, onde tivemos que parar a caminho do cassino, enfim, a história daquela noite. Mas eu usei-a para descrever como era Londres em 1981. Foi assim que tentei abordar todas as histórias e criei um conceito. Todas elas têm um começo, um meio e um arremate no final. Eu tentei fazer isso com todas e o que pessoal do mundo dos livros quer de verdade são histórias de pessoas famosas, então tentei lembrar das 25 pessoas mais famosas com quem tive aventuras.

E colocou-as lá.
Phantom: Eu lembrava as histórias e algumas com quem tenho aventuras são pessoas bem famosas da cultura pop. Lemmy, tive várias com Keith Richards…

George Harrison.
Phantom: George era um grande amigo. Por sorte, posso contar histórias comuns da vida, só que com pessoas fantásticas. Alguém te liga, você pega a pessoa com seu carro e vocês vão almoçar e voltam. É uma história comum, mas foi com George Harrison e isso a torna fantástica! Tive muita sorte com isso. E como eram grandes personagens, não tive que descrever tanto. Você não precisa descrever Lemmy. “Fui à casa de Lemmy”. Não precisa falar mais nada, já dá para imaginar como é a casa dele. Então, uma parte do trabalho já estava feita. Enfim, ela gostou da primeira e pediu outra. E a segunda que enviei foi que fiz um álbum solo com Lee Rocker (baixista, Stray Cats) na primeira vez que o Stray Cats pararam e liguei para Keith Richards, que tínhamos conhecido na turnê que fizemos com os Rolling Stones em 1981, outra aventura. Eu liguei com receio, mas se você não tentar, nunca vai saber. Pedi para ele tocar em uma música que tinha composto e aconteceu de ele estar em Nova York e podia tocar, tudo se alinhou! Era perto de onde ele morava e ele estava de folga naquela noite. Ele foi e tocou no meu álbum solo. E como você paga Keith Richards? Faz um cheque? Dá o dinheiro em um envelope? É difícil. Eu tinha uma jaqueta de pele de leopardo que ele gostava e ele pediu para mim. Eu dei para ele, mas não serviu. Ele deixou por isso mesmo e eu nunca o paguei! Um mês inteiro se passou e a manager dele, Jane Rose, uma grande figura, o havia medido quando ele estava dormindo uma vez. Aí ela me ligou e disse passou as medidas. Falei com Glenn Palmer, o alfaiate e nós fizemos uma igualzinha para Keith. E foi assim que eu o paguei.

É uma ótima história.
Phantom: Sim, mas a melhor parte está no final, porque a jaqueta apareceu de volta alguns anos depois. Mas terá que ler o livro para saber! Então, são esses tipos de história. Você deu uma jaqueta para o seu amigo e daí? O amigo era Keith Richards, isso ajuda!

Slim Jim Phantom | Foto: Russ Harrington

Cortei meu cabelo, troquei meu tênis por sapatos, parei de usar calça jeans, comprei uma camiseta listrada em preto e branco. Voltei do centro da cidade outra pessoa” – Slim Jim Phantom

Voltando ao Stray Cats, o álbum homônimo saiu em 1981. Fale sobre o direcionamento musical, porque a “disco music” havia desaparecido, o punk havia tomado conta e era a época dos grandes espetáculos de bandas como Kiss e Alice Cooper. Tinha todo o lance do new wave, a música “My Sharona”, The Police, The Cars, todos estavam começando. Ninguém tocava rockabilly. A coisa mais próxima era o filme “Grease – Nos Tempos da Brilhantina” que havia saído. Como vocês começaram a tocar rockabilly e como conseguiram um contrato com uma gravadora? Eles não olharam para vocês e disseram: “O que vocês estão fazendo?”
Phantom: Todos falaram isso. Nós descobrimos esse tipo de som por sermos muito fanáticos por música, tipo nerds mesmo. Éramos músicos em nossa cidade, Massapequa, uns 45 minutos de Nova York. Nós sempre tocamos. Eu me lembro de tocar desde os 11, 12 anos. Tocávamos em bailes escolares, concurso de bandas, na casa de alguém cujos pais haviam viajado. Os pais de Lee (Rocker, baixista) eram muito legais e nos deixavam tocar e ensaiar na casa deles e sempre iam meninas para assistir. Nós pensávamos em viver disso de alguma forma, mas a ideia de gravar um álbum parecia muito longe. Para mim, se conseguisse tocar umas vezes na semana e continuasse trabalhando na loja de instrumentos da cidade, era o bastante. Descobrimos o rockabilly através do classic rock. Sempre fui um cara de olhar contracapas de discos. Tinha um álbum dos Beatles e aí via que tinha uma música de C. Perkins. Quem era C. Perkins? Carl Perkins, é o mesmo de “Blue Suede Shoes”, que é legal. Álbum do The Who. “Summertime Blues” de E. Cochran. Quem é Eddie Cochran? Não era alguém famoso. Rolling Stones, “Not Fade Away”. Quem é B. Holly? No álbum ao vivo, C. Berry? Chuck Berry, o mesmo que compôs “Johnny Be Goode”. Foi assim, tentando encontrar coisas novas para tocar ao vivo. Eu tinha uns primos mais velho que me emprestavam discos e em um do Blind Faith (N.T.: um dos “supergrupos” do final dos anos 60, formado por Eric Clapton na guitarra e vocal, Steve Winwood nos teclados e vocal, Ginger Baker na bateria e Ric Grech no baixo) e havia uma música do Buddy Holly ali. Então, eram referências que iam aparecendo ao mesmo tempo. Aí, eu fiquei viciado no primeiro álbum de Elvis Presley. É claro que eu conhecia Elvis, apesar de isso ter sido depois de sua morte (N.T.: Elvis faleceu em 16 de agosto de 1977), mas não muito depois. Eu conhecia mais o período mais recente da carreira dele. Enfim, foi aí que tudo fez sentido. Todos percebemos que era isso que deveríamos fazer. Aquilo mudou minha vida. Fui até o centro, cortei meu cabelo, troquei meu tênis por sapatos, parei de usar calça jeans, comprei uma camiseta listrada em preto e branco. Voltei do centro da cidade outra pessoa. Foi um choque para quem vivia comigo, mas os outros dois tiveram experiências similares e por sorte um tocava baixo e outro guitarra e estavam muito à frente dos outros como instrumentistas, eram virtuosos. E foi aí que começamos a tocar o que se tornaria o Stray Cats por diversão. Achávamos um lugar para tocar no fim de semana. Nessa época eu e Brian já dividíamos um apartamento, não muito longe de onde crescemos. E íamos descobrindo as coisas. Eddie Cochran fez dois álbuns, nos debruçávamos sobre as fotos minúsculas das contracapas com lupas para ver todos os detalhes. Não dava para colocar “Gene Vincent” no Google naquela época. Era um trabalho de pesquisa. Onde morávamos não havia as grandes cadeias de lojas de discos, então tínhamos que tentar encontrar alguns nos estabelecimentos locais que tinham alguns de músicas antigas e jazz e tínhamos que encontrar as coisas ali. Foi uma época muito empolgante!

Em 1981, eu tinha treze anos e me lembro como o clipe e a música de “Rock This Town” do Stray Cats se destacou, porque era muito diferente de tudo que existia. Fale sobre o primeiro álbum (“Stray Cats”), que teve Dave Edmunds como produtor.
Phantom: Sim, o que aconteceu é que lá por 79, 80 estávamos tocando muito em Nova York. Quatro shows por noite, 5 dias por semana aonde quer que conseguíssemos e uma vez por semana tentávamos ir ao Max’s Kansas City ou ao CBGB’s (N.T.: lendários clubes de Nova York) para tentar um contrato para gravação de um álbum. Como você disse já havia o punk e o new wave, mas nós éramos meio que esquisitos demais. “Grease” não era o que estávamos tentando fazer. Estávamos mais para “American Graffiti” (N.T.: no Brasil, “Loucuras de Verão”), mas mesmo assim era uma coisa mais profunda. Ninguém nem sabia quem era Gene Vincent, Carl Perkins só era conhecido por causa de “Blue Suede Shoes”. A ressurreição ainda não havia acontecido. E nós gostávamos de caras como Johnny Burnette, coisa mais profunda. Mergulhamos com tudo no estilo. Andávamos vestidos daquela forma, 24/7, tentando achar roupas legais nas lojas, vasculhando caixas de discos antigos tentando achar alguma coletânea e depois tocávamos à noite. Era nossa vida. Mas as coisas não estavam caminhando na velocidade que queríamos. Éramos garotos, eu estava prestes a completar 19 anos. Através das revistas inglesas como Melody Maker começamos a achar que o que queríamos estava na Inglaterra. Eu nunca tinha entrado em um avião, mas decidimos vender tudo e comprar passagens de ida para lá, porque era onde estava tudo. Londres, King’s Road, punk rock, estávamos convencidos disso. Fomos e assim que descemos do avião: “E agora?” Houve uma discussão sobre quem teria dito que era uma boa ideia! Estávamos em outro país, que por sorte falava inglês, mas não sabíamos nada. Ficamos levando o contrabaixo acústico de Lee, a guitarra, a bateria e as malas com umas roupas legais de um lado para o outro e isso era tudo que tínhamos. Era verão, fim de junho, início de julho e dava para dormir nos parques, tentávamos achar uns squats (N.T.: prédios abandonados que eram ocupados pelos punks ingleses), coisa tipo “Sid & Nancy” (N.doT: filme que conta a vida do baixista do Sex Pistols, Sid Vicious e sua namorada, Nancy Spungen), vagando pela cidade mesmo. Fomos conhecendo pessoas em festas, indo a shows que conseguíamos entrar de graça e também esconder nossas coisas em algum lugar. Fomos fazendo isso até que finalmente, depois de alguns meses assim, alguns donos de pubs ficaram sabendo de três caras que estavam enchendo a paciência de todo mundo, mas que tinham um visual legal, apesar de nossas jaquetas pretas estarem imundas e estarmos com fome, já que não conseguíamos comer direito. Os pubs tinham de 5 a 7 bandas por noite, começando às 4h da tarde e depois a noite inteira e eles concordaram em nos deixar abrir alguns shows. Começávamos às 4h e umas dez pessoas que conhecemos nas festas foram nos ver, de tanto que nós insistimos. Eles pensavam que talvez fôssemos voltar para casa, talvez fôssemos realmente bons ou íamos para de insistir. Então, nós tocamos e no fim das contas, éramos bons. Já vínhamos tocando 4 sets por noite, 5 dias por semana por um ano, um ano e meio em Nova York. Alguém disse para nós que todo nosso futuro dependia dos próximos dez minutos e que devíamos tocar uma música de Gene Vincent e “Rock This Town”. Isso era fácil para gente. As dez pessoas que estavam no público eram: Lemmy, Chrissie Hynde (Pretenders) e o namorado dela, Ray Davies (The Kinks), Joe Strummer (The Clash), Glen Matlock (Sex Pistols). Todas essas pessoas que conhecemos foram nos ver e o resto é história. Ficou claro que éramos diferentes. Ninguém nunca tinha visto aquilo. Eu tocava bateria em pé, Lee virava o baixo, Brian ficava em pé no bumbo detonando a guitarra por trás da cabeça, mas tocando rockabilly. Isso repercutiu muito ao redor de Londres e na época havia 7 semanários musicais na Inglaterra. Então, a próxima vez que o Melody Maker falou com Ray Davies, ele mencionou uma banda que havia visto na semana anterior que era tipo Eddie Cochran para o novo milênio. E depois Joe Strummer falou com o New Musical Express sobre essa banda que vivia na rua e tocava rock’n’roll. Aí a história foi crescendo. E em um dos dez primeiros shows, Edmunds apareceu. E, para mim, ele era uma estrela, porque não fazia ideia de como se gravava um álbum. Ele queria nos gravar e ao mesmo tempo já havia certo interesse das gravadoras, já que a cena era pequena. Quando um ficava sabendo, todos ficavam, e muita gente começou a ir aos shows. Uma noite, Deus sabe como eles ficaram sabendo, mas os Rolling Stones apareceram – todos eles! Pegaram uma mesa no clube para eles. Foram lá ver uma banda que nem era a principal. Após o show, fomos até mesa deles e havia paparazzi por todos os lados. Aí isso passou de uma notícia de jornais de música para uma notícia nacional. Os Rolling Stones foram ver uma banda dos EUA que ninguém conhecia. Então, o plano original era que eles produzissem o álbum e lançassem pelo selo deles.

Rolling Stones Records.
Phantom: Isso, o selo deles nos anos 80. Ficou meio difícil de organizar as coisas com eles depois disso, mas gerou várias aventuras, já que nos encontrávamos com cada um deles individualmente. Isso está no livro também. Almoço com Mick Jagger, no dia seguinte, almoço com Keith Richards no interior. Foi difícil de organizar, mas o amor deles pelo som e a benção, por assim dizer, fez tudo decolar. Aí, quando Edmunds apareceu, ele queria muito fazer o disco e tínhamos alguns selos para escolher. Fomos com a Arista e já começamos a gravar no dia seguinte. Dave era como Sam Phillips (N.T.: dono da gravadora Sun Records que descobriu Elvis Presley). Guardadas as devidas proporções, ele estava procurando Elvis. Ele queria o artista certo para produzir aquele som que ele tinha na cabeça dele. Dave era um veterano e já tinha trabalhado em grandes álbuns (N.T.: Elvis Costello, Nick Lowe), mas queria alguém que realizasse a visão que ele tinha. Funcionou. Ele percebeu na hora que nós éramos o que iria empolgá-lo e sinceramente, nós precisávamos de um adulto ao nosso lado. Deu muito certo, demos muita sorte.

Slim Jim Phantom e Eddie Van Halen | Foto: reprodução

Eles [Van Halen] gostavam de festa, e eu também, então fizemos muita lá. Tenho várias fotos com Edward nesse dia [US Festival, 1983]” – Slim Jim Phantom

No fim de semana do Memorial Day de 1983 (N.T.: o Memorial Day é comemorado nos EUA na última segunda-feira de maio), todos olharam para o US Festival e o que chamou a atenção foi o dia do heavy metal: Van Halen, Ozzy Osbourne, Scorpions, Judas Priest, Quiet Riot, Mötley Crüe, Triumph… É dele que quase todo mundo lembra, mas o Stray Cats também estava lá, com INXS e Oingo Boingo…
Phantom: The Clash.

Sim, o último show do Clash. Isso parece esquecido. Todos nós só lembramos do Van Halen. Fale sobre esse evento, que teve facilmente 500 mil pessoas, senão mais e tornou-se uma lenda na história da música, especialmente o dia do heavy metal. Como foi para você, já que tinham dois anos de carreira e estavam nesse evento gigantesco, sobre o qual estamos falando 34 anos depois e ainda é um tópico atual, acredite ou não.
Phantom: Foi mais um desses casos em que tudo coincidiu para dar certo. Estávamos na estrada desde 1979 fazendo muitas coisas, então já éramos meio que veteranos, no sentido de que apesar de sermos muito jovens, éramos muito bons. Sabíamos como tocar em várias situações, tínhamos todas as habilidades necessárias. Eu me lembro claramente que o Van Halen tocaria no dia depois do nosso e todos eles chegaram antes. Eddie virou meu amigo e eu o conheci naquele dia, quando chegaram de helicóptero. Aliás, estava cheio de helicópteros lá naquele dia! (risos). Eles gostavam de festa, e eu também, então fizemos muita lá. Tenho várias fotos com Edward nesse dia. Eles tentaram, por falta de uma maneira melhor fazer um “dia new wave” e quando você olha, todos ali eram muito bons. INXS, Missing Persons, excelentes.

A Flock of Seagulls…
Phantom: É, pensando bem, se você compara com um festival atual, que não conheço nenhuma música das bandas que estão tocando, nesse eu conhecia pelo menos duas de todas as bandas. Uma era diferente para as canções pop. Boa, melhor, cabelos estranhos, mas isso é outra coisa. As músicas eram todas memoráveis e grandes sucessos!

E também uma era diferente para festivais, porque vou a muito festivais hoje em dia e a minha impressão é que eles carregam da 13h às 19h com qualquer banda que saiba tocar e depois vem o headliner. Se você olha nos anos 1980 ou para o Reading (festival inglês) nos anos 70, o começo era às 13h, mas já com uma grande banda, seguida de outra e mais outra. Não se faz mais isso!
Phantom: Será que é porque o rádio era diferente? Porque não sei quantos hits de verdade existem hoje em dia. Talvez essa tenha sido a última era disso. Por exemplo, no caso do Stray Cats no rock’n’roll, se você olhar as paradas ou o rádio, “Rock This Town” tocava junto com “Like a Virgin” (Madonna), isso sim era chegar a um público diferente do seu. Tudo bem, talvez o Led Zeppelin não estivesse ali, mas o Van Halen estava. Era uma época diferente, quando o rock realmente se popularizou. E o Stary Cats era a única dessas tocando rockabilly. Mas para mim, o que é legal a respeito da banda, sendo músico é que somos respeitados em todos os meios. Poucas semanas atrás eu estava na Alemanha e toquei no Wacken. O festival com a escalação mais pesada de todos os festivais. Eu toquei rockabilly lá, porque estive em uma banda com Lemmy por quase 20 anos e parte do manifesto dessa banda era mostrar como o Motörhead e o Stray Cats são parecidos, e não diferentes. E quando subo no palco há 25 mil headbangers no público e eles me respeitam. Hoje em dia sou um decano e eles sabem de meu relacionamento com Lemmy. Eu digo: “Pode ser pesado ou não, mas concordam que é Eddie Cochran?” E eles: “Sim, hoje em dia sabemos disso, Jim!” Foi fantástico! Não sei se algum desses garotos do rockabilly poderiam fazer isso hoje, mas eu, eles aceitam e respeitam muito, o que é a melhor coisa sobre o Stray Cats. Desde nosso início em Londres, nossos shows em clubes tinham a presença de Lemmy, Strummer, os caras do The Specials, Robert Plant (Led Zeppelin), todos os gêneros representados, porque o rockabilly é a origem de ser diferente. Se não fosse por Buddy Holly, Elvis, Gene Vincent, Johnny Burnette, Little Richard, Jerry Lee Lewis, não haveria os Beatles. E sem os Beatles não haveria nada. Nós somos a única banda que não foi influenciada por eles! Somos influenciados pelos que influenciaram eles. E, “100 anos” depois, toquei em um festival de heavy metal e o público adorou. Isso foi muita sorte nossa com o Stray Cats ao escolher o rockabilly, porque fomos aceitos pelas diferentes tribos dentro do rock’n’roll e isso é algo de que me orgulho muito. Sou bem vindo em qualquer lugar.

Stray Cats | Foto: reprodução - straycats.com

Quando começamos Brian Setzer tinha onze anos e estava bem à frente de todo mundo. E ele canta, também. Canta melhor que qualquer um!” – Slim Jim Phantom

É a base de tudo, mesmo! Você mencionou Eddie Van Halen e é claro que quando se pensa em guitar-heroes, se pensa nele e Randy Rhoads. Mas Brian Setzer pertence a essa lista. Fale sobre Brian e seu modo de tocar, porque, às vezes, ele é deixado de fora dessa conversa, mas não deveria.
Phantom: Ah não, não deveria. Para mim, pessoalmente, ele é o melhor de todos eles. Os guitarristas que você mencionou, são todos ótimos, mas tocam no estilo blues, só que rápido. Eu me lembro muito bem de estarmos todos em um quarto de hotel em Nova York e Brian mostrando a Eddie como tocar com o polegar fazendo a linha de baixo enquanto dedilha com os outros dedos, como Chet Atkins, como um cara de rockabilly, country ou jazz. É um tipo diferente de virtuosismo. Se você falar com Eddie ou qualquer outro desses caras, eles vão te falar isso também. Mas o Stray Cats é muito musical e acho que isso sempre foi muito parte da história. Acho Brian tão bom quanto qualquer um. Quando começamos ele tinha onze anos e estava bem à frente de todo mundo. E ele canta, também. Canta melhor que qualquer um! E tem aquele visual, sempre esteve na vanguarda sobre o que era “cool”. É uma cara muito importante.

E um grande showman. Vamos falar sobre The Cat Club (N.T.: famosa casa noturna de shows na Sunset Strip em Los Angeles). Desapareceu, mas você era o dono. Fale sobre os desafios de ser dono de uma casa noturna, como foi a experiência de estar do outro lado? Passar do músico que chega para o dono, que recebe o músico e marca os shows, não é necessariamente a mesma coisa.
Phantom: Sim, eu tinha alguém para cuidar da marcação de shows. Aliás tive uns vinte diferentes, mas o lugar era meu mesmo. Fui uma coisa divertida, não fiz isso por causa de putas e pó. Eu queria ficar em casa e fora da estrada quando meus filhos eram pequenos no início dos anos 1990 e achei que conseguiria fazer isso. O lugar ficou disponível para aluguel em circunstâncias engraçadas, como sempre nesse negócio. Meus filhos e eu íamos jantar no Rainbow e depois íamos ao Cat Club onde eles faziam o dever de casa no andar de cima. Quando chegava a hora de eles irem para cama, eu esperava o manager chegar e os levava para casa. Foi um estilo de vida rock’n’roll na versão orgânica (risos). Todos iam ao Cat Club, foi minha forma de retribuir e também de ganhar vida sem sair para tocar. Engraçado que agora no Wacken, na van que ia do hotel para o show um dos caras do Iron Maiden pediu para ir com a gente. Ele foi na frente e eu atrás e de repente ele se virou para mim e disse: “Só gostaria de lhe dizer que fui ao Cat Club umas duzentas vezes!” Todos tocaram lá e eu fiz jams toda quinta-feira por 14 anos. Se você chegasse lá à meia-noite havia alguém que você reconheceria. Todos os caras da banda de Alice Cooper tocaram lá. Encontrei com ele no Wacken também e disse que a banda dele era minha também, ele só pagava mais do que eu! (risos). Todos davam uma passada lá. Lemmy ia direto, Slash. Ninguém ganhava nada, era algo real. Eu fiquei aberto 7 dias por semana com cinco bandas por dia durante 15 anos.

Era um lugar muito legal! Estive lá em uma mesa e acho que Gilby Clarke (guitarra, ex-Guns N’Roses) estava lá tocando com você na Col. Parker e Tracii Guns do L.A. Guns e Taime Downe do Faster Pussycat sentaram ao meu lado. Achei muito interessante. Vamos falar da Col. Parker e do álbum bem divertido que saiu em 2001, “Rock n Roll Music”. Fale sobre esse projeto e sobre trabalhar com um cara que havia tocado no Guns N’Roses, porque naquela época a banda havia implodido e Axl não estava tão ativo quanto os fãs gostariam. Como foi trabalhar com Gilby?
Phantom: Isso aconteceu devido às quintas à noite sobre as quais falei. Eu comecei a fazer isso para ter certeza de que o clube estaria cheio por algumas horas em algum momento na semana. Como dono de clube você fica chocado com a quantidade de bandas que só chamam no máximo cinco pessoas. Eu não quero saber quantas pessoas gostam de você no Facebook, cadê o seu público? Mas foi também porque eu gosto de tocar e Clarke era meio que meu parceiro nessas noites. Depois da primeira noite que tocamos, decidimos fazer alguma coisa. Ele é uma cara legal, bem inteligente no estúdio, muito organizado, gosta de tocar e é bem sociável. Nos divertimos, mas aí ele teve que fazer uma turnê. Aí chamei Eric Dover e depois Ryan Roxie da banda de Alice Cooper para tocarem comigo nas quintas à noite. Era só telefonar. Se eu não pudesse tocar bateria ia Eric Singer (Kiss), Carmine Appice (King Kobra, Vanilla Fudge), Tommy Clufetos (Black Sabbath). Havia um set-list meio universal. Eu conhecia todos eles há muito tempo. Gilby antes de entrar no Guns N’Roses, porque nos anos 80, eu morava em Los Angeles e saía muito de casa. Eu tocava rockabilly, mas não estava nem aí para o tipo de música que os outros tocavam ou como era o cabelo. O pessoal que gostava de festa era Nikki Sixx, Tommy Lee, Slash e eu era amigo deles. Nem sei se eles conheciam a minha música ou se sequer se importavam. Era como uma gangue e eu tinha uma casa com uma mesa de bilhar acima do Rainbow (risos). Adoro todos eles.

Headcat | Foto: divulgação

Lemmy era meu amigo desde 1980. Sempre mantivemos contato e quando ele se mudou para Los Angeles, foi morar na rua atrás da minha e começamos a nos ver direto” – Slim Jim Phantom

Bem, vamos falar sobre o HeadCat. Essa foi uma banda que me lembro de Brian Pereira, da Cleopatra Records, mandar o álbum para mim e dizer: “Dá uma ouvida nisso, é Lemmy tocando rockabilly.” Havia também Danny Harvey, que se não me engano vi como guitarrista do The Rockats (N.T.: banda de rockabilly, Levi and The Rockats), quando eles abriram para o Kiss em 1980!
Phantom: Sim, era ele mesmo.

Enfim, conte como Lemmy do Motörhead e você se sentaram e decidiram fazer um álbum de rockabilly. Qual foi o conceito e como tudo aconteceu.
Phnatom: Olha, aconteceu desde antigamente lá em Londres. Lemmy era meu amigo desde 1980. Sempre mantivemos contato e quando ele se mudou para Los Angeles, foi morar na rua atrás da minha e começamos a nos ver direto. Foi a Cleopatra que me pediu para gravar uma música para um tributo a Elvis e quando pensei em quem chamar, claro que Lemmy veio à cabeça. Todos os ingleses – Eric Clapton, Jeff Beck, Keith Richards, Ozzy… – amam rock’n’roll americano. Paul McCartney entrou nos Beatles porque sabia o solo de “25 Flight Rock”. Enfim, Lemmy ficou muito empolgado com a ideia e fomos ao estúdio e gravamos a música em cinco minutos. Porém, tínhamos uma sessão de três horas marcada. Bem, vamos tentar outra e outra, a hora que percebemos tínhamos três ou quatro músicas gravadas. Aí, Lemmy sugeriu que voltássemos no dia seguinte. E fomos voltando vários dias seguidos. Em algumas semanas, tínhamos um álbum. E Lemmy adora esse tipo de música, mas nunca tocou isso, como muitos daqueles ingleses que eu citei. Eu sou mimado, porque pude tocar rockabilly minha vida inteira com Brian Setzer. Ao mesmo tempo, eu disse que se significava tanto assim para ele tocar rockabily, ficaria muito feliz em ser o baterista. Foi mesmo feito por amor e fazíamos quando dava para encaixar na agenda de todo mundo. E é uma música acessível. Porque não acho que dê para você se juntar com seus amigos e tocar “Close To The Edge” do Yes! Mas, com certeza, é possível tocar “Summertime Blues”.

Falamos antes da turnê de despedida do Stray Cats que foi em 2008/2009, mas em termos de álbuns, “Rumble in Brixton” saiu em 2004; “Original Cool” em 1993; “Choo Choo Hot Fish” em 1992… Ou seja, já faz um tempo. Se vocês fizerem mais shows no futuro, acha que, em algum momento, é necessário fazer músicas novas? Ou é ‘ok’ fazer os shows com as músicas antigas que os fãs gostam?
Phantom: Bem, eu acho que tudo bem fazer isso. Se você olhar as bandas grandes, os Rolling Stones gravaram um álbum novo e tocam algumas músicas dele, mas eu pessoalmente quero ouvir “Jumpin’ Jack Flash”, entende? Mas acho que talvez seja importante para o artista. Eu gravaria, mas me parece que essas coisas são difíceis de organizar. No momento, conversamos no início do ano e todos toparam, mas parou por aí. Todos querem fazer, e agora veremos como estão as coisas, se há interesse. Para mim, deve ser um passo por vez. Mas é uma daquelas coisas que muitas pessoas nunca viram, os mais jovens que começaram a ouvir rockabilly e sentiram impacto ao ouvir Stray Cats, provavelmente comparável ao que eu tive ao ouvir Gene Vincent.

Para encerrar, devo dizer que me lembro de ver o Stray Cats quando ainda estava no colegial e não tinha como não se sentir atraído. Era tão diferente do que existia. Foi ótimo!
Phantom: Eu entendo. Eu me imaginava jovem em 1981 numa sexta à noite indo ver uma banda, e a banda fosse o Stray Cats. Eu consigo me imaginar olhando sem entender o que era. Não havia um modelo para o que fizemos. Isso é algo de que tenho muito orgulho, criamos algo muito diferente que se mostrou duradouro e continuou.

Lee Rocker, Slim Jim Phantom e Brian Setzer | Foto: reprodução - straycats.com
Lee Rocker, Slim Jim Phantom e Brian Setzer | Foto: reprodução - straycats.com

Transcrito e traduzido por Carlo Antico.

Rock Talk with Mitch Lafon
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