O guitarrista Frank Hannon fala sobre a motivação em compor músicas novas

Tesla | Foto: Ross Halfin

O Tesla sempre foi uma banda muito mais ligada ao country e ao blues do que suas contemporâneas de hard rock nos anos 80, que tinham uma influência muito forte do glam rock inglês. Aliás, não eram nem da mesma cidade que a maioria (Los Angeles), mas da pequena capital do estado da Califórnia, Sacramento. Apesar disso, não escapou do período de baixa das bandas do estilo meio dos anos 90. Porém, voltou com tudo em 2004 e está na ativa, lançando álbuns e fazendo shows com frequência, algo que os brasileiros puderam conferir pela primeira vez no festival Solid Rock, realizado em dezembro do ano passado em Curitiba (PR), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Batemos um papo com Frank Hannon, que falou sobre a carreira, a amizade com o Def Leppard, o novo álbum e seus três (!) álbuns solo que serão lançados esse ano.

Vamos começar pelo seu álbum solo, “From One Place… To Another Vol. 1”. Esse é o primeiro volume, mas pelo que sei teremos mais dois outros. Eles mostram você fazendo um tributo às suas influências e seus guitarristas prediletos?
Frank Hannon: De certa forma sim, mas esses álbuns são mais focados nos vocais. É claro que a guitarra é meu primeiro amor e o que me fez ser conhecido no Tesla, mas também sou compositor, vocalista e produtor. Já fiz discos solo com músicas originais, mas esse projeto começou como uma forma de eu desenvolver minha voz para cantar e fazer quase uma busca espiritual em busca de uma voz própria. Meu sogro é Dickey Betts (N.T.: guitarrista, um dos fundadores do The Allman Brothers Band) e ele me disse: “Você aprende a tocar guitarra através de licks de B.B. King, Chuck Berry ou Eddie Van Halen. Para cantar melhor, deve aprender vários estilos diferentes de vocal.” E essa é a premissa básica para esse projeto. Acabaram sendo trinta músicas!

Frank Hannon | Foto: Ross Halfin

Nós não somos unidimensionais e isso muito devido a mim, porque fui sempre eu quem trouxe os solos de piano, introduções com violão…” – Frank Hannon

Você já cantou em seus álbuns solo, como “Guitarz From Marz” (2005) e “100 Proof Live!-Live At Constable Jack’s” (2010), mas no Tesla quem canta é Jeff Keith. Isso é algo que você só queria descobrir por si só ou pretende desenvolver e lançar mais álbuns com o foco em sua voz?
Hannon: É tudo isso. Eu sempre cantei e compus. Mostro minhas músicas para o Tesla já com o vocal, comigo cantando. É claro que depois Jeff deixa-as muito melhor, o que é ótimo, pois é assim que uma banda funciona. Um traz a músicas e os outros vão melhorando. Mas essa vontade vem desde meu álbum solo “Gypsy Highway”. Foi ali que quis desenvolver um estilo de voz mais de contador de histórias, como Bob Dylan ou Johnny Cash. Meus guitarristas favoritos cantam: Jimi Hendrix, Rick Derringer, Peter Frampton, Joe Walsh e até Ted Nugent, goste dele ou não (risos). Esse é o meu tipo de músico favorito. Logo, eu queria continuar buscando isso e essa é a razão desse projeto.

Eu, particularmente, gosto de Ted Nugent. Fico longe de suas ideias políticas, mas ele tem Derek St. Holmes (vocalista/guitarrista) consigo.
Hannon: Um grande guitarrista e vocalista.

Sim, todo mundo acha “Stranglehold” uma grande música de Ted Nugent e é Derek quem canta!
Hannon: Esqueci de dizer que outro dos meus favoritos de todos os tempos é Dickey Betts que, por acaso, é meu sogro. Os Allman Brothers têm grandes músicas – “Blue Skies” e “Ramblin’ Man” são cantadas por ele.

O primeiro álbum do Tesla, “Mechanical Resonance” (1986) talvez seja meu disco de estreia favorito, pois não há nenhuma parte fraca nele. “Modern Day Cowboy”, “Rock Me To The Top” são bem rock, na época considerado até metal. Daí, olha-se para esse álbum e no “Reel to Reel” (N.T.: álbum de cover s do Tesla, lançado em 2007) vocês gravam covers de James Gang, Guess Who, Robin Trower e Derek and the Dominoes, bandas nada a ver com metal. Como vocês traduziram esse tipo de som para o que fazem no Tesla?
Hannon: Bem, você mencionou “Modern Day Cowboy”, nosso primeiro single. Se ouvir o violão que está ali, os versos e toda dinâmica… Sempre adoramos bandas que tinham isso, que adicionavam texturas e dinâmicas, inclusive dentro da mesma música. É engraçado. “Spinal Tap” é um ótimo filme e aquilo que dizem: “Mudar nosso estilo é nosso estilo”, é muito verdadeiro. Nós não somos unidimensionais e isso muito devido a mim, porque fui sempre eu quem trouxe os solos de piano, introduções com violão… Se você ouve nosso primeiro álbum, há um solo de piano de jazz e uma música chamada “Changes” que é bem diferente.

Frank Hannon | Foto: Fernando Pires

Phil [Collen] tem muita energia e carinho pela banda. É a primeira vez que deixamos alguém chegar, compor conosco e nos ensinar coisas novas” – Frank Hannon

O Red Hawk Records (redhawkrecords.com) é seu estúdio de produção e gravação, que funciona em tempo integral. Fale mais sobre ele porque no site diz: “compartilhe da vasta experiência de Frank em gravação, produção de vídeo, marketing digital, promoção em rádio…” Digamos que eu seja de uma banda e vá até você no Red Hawk. O que eu ganho? O que vocês têm a oferecer?
Hannon: Bem, engraçado você mencionar isso porque tudo que posso oferecer são alguns conselhos das experiências que tive nesse ramo. Eu tenho um estúdio e costumava ser aberto a todos, mas hoje sou mais seletivo, porque percebi o quanto o tempo é valioso. Então, não ofereço mais para produzir artistas exceto em algumas situações, quando encontro um artista que talvez possa ajudar. Porém, no mundo de hoje, todos podem fazer sozinhos. Ninguém precisa de um selo. Não precisa de nada, a não ser sua própria determinação e motivação. E é isso. Só dou alguns conselhos. Aprenda a gravar você mesmo, a cantar e coloque seu coração nisso 100%. Lucas Nelson (N.T.: guitarrista e vocalista, filho da lenda Willie Nelson) falou algo que achei brilhante: “Se você é músico, deve olhar para a profissão da mesma forma que um atleta: deve treinar, dedicar sua vida a isso e ir com tudo, ou não irá ter sucesso.” Se fizer as coisas pela metade, não chegará nem na metade do caminho. Se quer fazer álbuns e gravar, tem que dar 100%.

Falando em 100%, sua relação com o Def Leppard vem de muitos anos. Vi o Tesla com eles pela primeira vez na turnê do “Hysteria” (87-88) e nesse último ano, contando com o Poison também. Fale sobre o relacionamento entre as bandas, o que o Def Leppard significa para o Tesla e por que fizeram tantas turnês de sucesso durante todos esses anos.
Hannon: Temos essa relação de camaradagem com eles, que começou em Amsterdã em 1986. Estávamos tocando em um clube chamado The Paradisio e Rick Allen (bateria), Steve Clark (guitarra) e Phil Collen (guitarra) foram lá e ficaram com a gente. Subiram ao palco, fizemos umas jams tocando músicas do AC/DC e imediatamente houve uma conexão, nos tornamos amigos. Dividíamos o mesmo management e quando perguntaram a eles que banda queriam para abrir a turnê do “Hysteria”, eles nos escolheram. Sempre foram como irmãos mais velhos para nós, foram muito legais e acho que é porque são de Sheffield na Inglaterra, que é uma cidade pequena de classe trabalhadora, como nós que somos de Sacramento, outra cidade pequena. Dividimos a mesma ética de trabalho. Eles são caras que trabalham muito duro e já passaram por muita coisa, e nós também. Nem tudo é glamour e brilho e ser o centro das atenções, é trabalho duro. Acho que por isso Phil se interessou em nos ajudar a trabalhar duro para manter nossa carreira viva; e ele foi muito bem nisso.

Como é tê-lo como produtor? “Simplicity” saiu em 2014 com a produção de vocês ao lado de Tom Zutaut. Por que trazer alguém de fora?
Hannon: Por que continuar nos repetindo? Queríamos tentar algo diferente e Phil tem muita energia e carinho pela banda. É a primeira vez que fazemos um álbum em que deixamos alguém chegar, compor conosco e nos ensinar coisas novas. Somos bem teimosos, então ter alguém com a experiência dele, que já trabalhou com Mutt Lange e produziu álbuns realmente sensacionais… Decidimos tentar e ver o que acontecia e o que iríamos aprender. Foi ótimo!

Claro, ele trabalhou com Mutt Lange, mas não nos esqueçamos que vocês trabalharam com (Michael) Barbiero e (Steve) Thompson (Tina Turner, A-ha, Steve Winwood, David Bowie, Stevie Nicks e muitos outros) que eram uma dupla que merecia respeito no final dos anos 80 e início dos 90.
Hannon: Ah sim, Steve Thompson e Michael Barbiero foram ótimos e tinham uma abordagem mais orgânica. Gravavam ao vivo no estúdio. Mutt Lange gosta de separar cada parte e refiná-las e transformar em outra coisa – logo, é uma enorme diferença para nós. Mas somos abençoados. Mesmo em nosso primeiro álbum, quando trabalhamos com Max Norman. Tivemos produtores que vieram e fizeram basicamente uma audição conosco. É tudo aprendizado e tentativa de coisas novas.

Frank Hannon - "From One Place... to Another"

Gosto de aprender, me desenvolver, crescer e manter minha mente ativa. Se um dia o Tesla decidir der um tempo ou acabar de vez, quero fazer uma coisa minha” – Frank Hannon

Sobre a promoção dos discos solo, isso é algo que pretende levar para a estrada?
Hannon: Sim, vou selecionar algumas datas solo. Acabei de fazer o cruzeiro do Moddy Blues, farei um show solo no Monsters of Rock Cruise, no qual o Tesla é a banda principal. Tocarei em Cleveland e Detroit, e acabei de saber que estarei dia 1º de março em Las Vegas, além de fazer duas datas em Phoenix, três em Tucson e dia 23 ou 24 em São Francisco, no Fillmore. Gostaria de falar um pouco sobre o álbum, sobre a diversidade das músicas. O primeiro single é “Blue Sky” e depois acho que vou lançar “Under the Milky Way”, que é bem obscura e as pessoas devem lembrar – ouviram, mas não devem saber que é do The Church.

Como foi escolher as músicas e dar seu toque pessoal a elas?
Hannon: Como falei antes, a premissa desse álbum era eu cantar. Então, me desafiei a escolher músicas que eu adoro, mas talvez não achasse que pudesse. Por exemplo, jamais achei que pudesse cantar uma música do Queen, afinal, Freddie Mercury é o maior de todos. Mas, comecei cantar “You’re My Best Friend” e soou tão natural para mim que literalmente gravei no quarto do hotel que eu estava num gravador portátil. E saiu tão bom que pensei que dava mesmo para fazer. Assim, comecei só a cantarolar as músicas que achava bem legais como “Under the Milky Way”. Uma das minhas bandas novas favoritas é o Blackberry Smoke, logo gravei “Sunrise in Texas” e músicas que eram bem diferentes do que eu faria normalmente. Por exemplo, seria natural gravar uma do Led Zeppelin ou do Montrose, mas como eu queria cantar, comecei escolher algumas que eram mais voltadas para o vocal, mais relaxadas e com mais clima. Cheguei a me propor o desafio de cantar uma música do Seal, “Kiss From a Rose”, que estará no Vol.2.

Isso é bem interessante! Sabemos que Jeff é o vocalista do Tesla, mas já houve uma conversa sobre você querer cantar em um álbum? Isso acontece ou é algo que nem se cogita?
Hannon: Até já houve, mas Jeff tem uma voz tão boa e ele é a voz do Tesla. Eu não brigo por isso porque adoro a voz dele. A primeira vez que o ouvi cantar foi em 1982, na época que tocávamos em clubes, e achei maravilhoso. Não tenho interesse em cantar no Tesla. Prefiro crescer e fazer uma coisa minha e é o que estou fazendo.

Você já teve a Frank Hannon Band, o Moondog Mane e agora este projeto novo. Quais seus planos para a carreira solo? Apenas para passar o tempo enquanto o Tesla não está na ativa ou é algo que quando o Tesla encerrar as atividades pretende continuar e se estabelecer?
Hannon: As duas coisas. Vou tocar e cantar até morrer e espero que isso ainda demore para acontecer (risos). Faço pelo amor que tenho ao trabalho. Gosto de aprender, me desenvolver, crescer e manter minha mente ativa. Se um dia o Tesla decidir der um tempo ou acabar de vez, quero fazer uma coisa minha, como Joe Walsh faz quando os Eagles estão de folga. Ele sai em turnê e toca as músicas dele. Esse é meu modelo.

O Tesla deu um tempo nos anos 90 e agora voltaram tendo Dave Rude (guitarra). O que ele somou à textura da banda? Pessoalmente, acho que, com exceção de “Mechanical Resonance” (1986), vocês estão soando melhor agora nesses últimos anos do que jamais soaram. É uma máquina, especialmente ao vivo!
Hannon: Bem, muito obrigado e tenho que concordar com você. Dave é muito sólido, profissional, de fácil convivência, está sempre de bom humor. Nunca o vi irritado. Traz grande energia para a banda. Se não fosse por ele, não sei o que teria acontecido com o Tesla. Fiquei muito feliz de tê-lo encontrado. E não foi fácil, fiz audições com várias pessoas até conseguir. É uma influência muito positiva para a banda.

Frank Hannon | Foto: Fernando Pires

Quando eu era garoto, era tão legal poder ir até a Tower Records e olhar os álbuns, talvez comprar um pôster e até incenso. Era muito bom conseguir comprar tudo em um lugar só” – Frank Hannon

Não sabia que ele tinha passado por uma audição, achei que tinha sido convidado diretamente. Houve muitos testes, daqueles bem meticulosas, com uns 30 guitarristas fazendo fila para serem ouvidos, para encontrar um guitarrista?
Hannon: Não, não foi assim. Aconteceu no decorrer de vários anos em períodos que estive em outras bandas em momentos mais difíceis. Havia alguns caras da minha cidade natal que tocaram na minha banda solo em algumas datas. Não se apresentaram para mim eu estava buscando eles sabendo que o Tesla ia acabar com todas as dificuldades pelas quais estávamos passando. Fui para Los Angeles e toquei com alguns caras, sempre de ouvidos bem abertos. Acabei achando Dave por acidente, através do MySpace. Ele tocou de forma tão perfeita e tinha um visual tão legal, que sabia na hora que ele era o cara.

Você mencionou “Kiss From a Rose” do Seal e os volumes 2 e 3. Qual o prazo para os lançamentos? Volume 1 agora em janeiro e o 2 em setembro, ou isso é um por ano? 2018, 2019, 2020?
Hannon: Não, será a cada três meses e devo terminar tudo antes do lançamento do novo álbum do Tesla. Logo, de agora até junho estarei trabalhando duro para lançar os outros dois volumes. Ainda tenho que terminar o volume 3, quero mais convidados especiais, espero que Pat Travers (guitarrista) possa participar. Os dois primeiros estão prontos, o número 1 já foi lançado e pode ser adquirido através do site Pledgemusic.com.

Fale sobre a PldgeMusic e esta abordagem centrada nos fãs para lançamentos ligados à música. É realmente um formato diferente, que não existiria em 1986. Como é para você ir até eles e os fãs terem esse tipo de experiência?
Hannon: Eu nem tinha ouvido falar disso antes, mas alguém me avisou sobre eles. E é muito legal. Quando eu era garoto, era tão legal poder ir até a Tower Records e olhar os álbuns, talvez comprar um pôster e até incenso. Era muito bom conseguir comprar tudo em um lugar só. Desde que o produto físico sumiu, isso meio que desapareceu e agora com a PledgeMusic, você consegue um pôster, um vinil. Claro, tem o download por causa da tecnologia de hoje, mas também várias coisas legais. É genial, muito divertido. Fui convidado até para fazer um show na casa de alguém, graças à PledgeMusic.

Voltando ao Tesla, falamos sobre Phil Collen e o álbum que sairá em junho. A banda é uma marca já conhecida, mas o que o motiva a compor mais doze faixas novas?
Hannon: Cada banda tem sua motivação. Estou sempre motivado em aprender e tentar coisas novas, por isso tenho meus álbuns solo. Mas nesse, tenho que dizer que foi Phil Collen que nos motivou como unidade para tentar algo novo, algumas técnicas de gravação que eram novidade para nós e outras abordagens de composição.

Brian Wheat, Jeff Keith, Dave Rude, Troy Luccketta (ao fundo) e Frank Hannon | Foto: Ross Halfin
Brian Wheat, Jeff Keith, Dave Rude, Troy Luccketta (ao fundo) e Frank Hannon | Foto: Ross Halfin

Transcrito e traduzido por Carlo Antico.

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