Guitarrista, que estava recluso, voltou aos olhos do público e analisa sua trajetória no Kiss

Vinnie Vincent | Foto: reprodução

A imagem que a maioria dos fãs de rock tem de Vinnie Vincent provavelmente está ligada à maquiagem: a do último integrante a ter uma original no Kiss (The Ankh Warrior, aquela da cruz egípcia) ou o guitarrista que tocou no primeiro álbum de cara limpa, “Lick it Up” (1983). A verdade é que Vincent já era parte fundamental da banda desde as sessões de composição para “Creatures of The Night” (1982), álbum que resgatou o grupo após o fracasso comercial de “The Elder” (1981). Depois, nos tempos menos glamorosos no fim dos anos 1980, ele também foi fundamental na composição do ótimo, e de certa forma redentor, “Revenge” (1992). Para falar sobre tudo isso e ainda sobre o início de sua carreira, a volta aos olhos do público e o que o futuro lhe reserva, batemos um longo papo com Vincent John Cusano.

É ótimo tê-lo de volta após quase 22 anos! Quando decidiu voltar depois de tanto tempo, qual foi a grande motivação e de onde veio essa epifania que lhe disse que era hora de reencontrar os fãs?
Vinnie Vincent: Não sei qual foi o momento da epifania, mas não tinha a intenção de voltar. Tinha medo de tocar. Basicamente, meu amor é minha guitarra e estava convencido de que ninguém queria me ver. Estava sozinho, com minha guitarra e meus cachorros e me sentia bem. Fazer demos das minhas músicas era o suficiente. Uma vez que o horror da minha vida pessoal passou, encontrei paz. Voltei a ser como era ‘antes da guerra’, como dizem. Estou feliz.

Vinnie Vincent na Kiss Explo Atlanta 2018 | Foto: reprodução

Tenho músicas novas, músicas antigas e inéditas, um livro que está para sair em que contarei tudo o que realmente aconteceu” – Vinnie Vincent

Mas a reação dos fãs à sua volta deve ter o surpreendido. Não foi apenas algo educado, mas uma efusão de carinho. Você esperava isso ou superou as suas expectativas?
Vincent: Eu não esperava nada! Estou absolutamente embasbacado. Quando apareço, fico olhado sobre meus ombros achando que tudo aquilo é para outra pessoa e não para mim. Fiquei chocado. O chefe de produção [da Kiss Expo de Atlanta em janeiro desse ano, onde Vinnie Vincent apareceu em público pela primeira vez depois de anos de reclusão] entrou em contato com um amigo meu e conversou com ele por quase um ano. Para mim, aquilo era um absurdo. Por que ele queria que eu fosse na exposição? Não iria ninguém! Mas ele foi persistente e um dia me escreveu uma carta muito gentil, que meu amigo e advogado entregou para mim. Aí, resolvi que conversaria com ele para ver como as coisas andariam, mas certo de que não tinha sobrado ninguém interessado em mim. Não haveria público. Ele acabou me convencendo do contrário, mas, mesmo assim, eu tinha dúvidas. Estava confortável comigo mesmo e isso se devia muito ao fato de ter me afastado. Eu atravessei o inferno. De verdade! E conseguir chegar ao outro lado sem estar desfigurado… Quer dizer, talvez sua alma esteja desfigurada, acho que essa é a mudança. Mas estava vivo, feliz, em paz e as coisas que me causaram tanta dor, não existiam mais. O período de tempo em que houve tanto conflito se resolveu. Aí senti que tudo estava bem e que poderia sentar e conversar com as pessoas sobre tudo o que aconteceu. Eles não sabem, mas eu sei. Assim, depois de oito meses de conversa, eu aceitei. Avisei que não ia ninguém, mas tudo bem. Era uma sessão de perguntas e respostas e, para mim, hoje em dia, está tranquilo falar sobre o que quiserem saber. As fofocas, os rumores, as insinuações, acusações, é melhor ouvirem da minha boca. Pelo menos é a verdade, porque tudo que ouço me soa inventado. Há histórias fantásticas, mas ninguém as conta direito. Acham que sabem, mas não sabem nada. Quando chegou o dia, ele [o promotor] me disse que todos os ingressos estavam esgotados, a fila dobrava o quarteirão. Fiquei chocado! Parecia e ainda parece surreal, para ser sincero. Porque continua assim e isso já faz uns quatro meses. Abriram uma conta no Facebook para mim e já tenho 10 mil seguidores, com quem tento interagir ao máximo. Estou me divertindo muito. Tenho músicas novas, músicas antigas e inéditas, um livro que está para sair em que contarei tudo o que realmente aconteceu. Minha guitarra (Vinnie Vincent Double-V) será ressuscitada e estreará na (exposição de música) NAMM. Tudo isso está acontecendo muito rápido. Mas quem fez acontecer foram os fãs que se importam tanto e ainda existem. O amor dessas pessoas move montanhas, é muito poderoso e emocionante. Sou muito grato.

Você falou sobre “antes da guerra”, então vamos falar sobre sua vida antes do Kiss. Estava em Los Angeles e tocou no álbum do “Treasure” com o tecladista, compositor e vocalista Felix Cavaliere e o baterista Carmine Appice. Como foram esses primeiros dias? Como um cara que preza muito a sua privacidade, parece um trabalho perfeito: por trás das cenas, compondo, com as pessoas ouvindo sem saber necessariamente quem você é. Quais eram seus objetivos? Tentava formar uma banda sua ou queria ser só um compositor e guitarrista?
Vincent: Foram demais. Se pudesse colocar de forma sensorial, era como se o céu estivesse sempre azul e o cheiro da grama recém-cortada e verde entrasse nos meus pulmões. Isso foi entre o início e o meio dos anos 70 e eu toquei tudo que era possível na época. Tive meu período de Bluebreakers (N.T.: Vinnie se refere ao lendário grupo de blues inglês John Mayall & The Bluesbreakers, responsável por revelar guitarristas como Peter Green e Eric Clapton) e usava uma Les Paul ’59 Suburst, que cuidava como se fosse um bebê. Eu a havia ganhado de Gary Richrath, do Reo Speedwagon. Isso foi em 1971. Tive uma banda chamada Hunter, bem ao estilo do Led Zeppelin. Era de Bridgeport, em Connecticut, e havia um estúdio na cidade, de propriedade de um cara chamado Paul Leka, que compôs vários hits [N.T.: Leka é o autor do hit “Na Na Hey Hey (Kiss Him Goodbye)”, para sua banda, Steam], do tipo que tocava em rádios populares. E você tem que ter muito talento para compor esse tipo de música. Era um gênio, sabia fazer isso. Lá por 1975, eu bati na porta do estúdio e disse a ele que me chamava Vinnie Cusano, tocava guitarra e que achava que seria útil para ele. Assim, Paul começou a me usar em sessões que ele estava produzindo. Um dia ele me contou sobre uma banda que ia produzir chamada The Five Satins, que iria regravar uma música dos anos 50, “In The Still Of the Night”, e se eu queria tocar guitarra nela. Aceitei na hora. E assim foi. Daí teve o The Hitchhikers. Era sempre black music e r&b. Um dia, enquanto estava trabalhando com eles, o produtor disse que estavam precisando de uma música para completar o álbum e perguntou se alguém tinha uma. Eu tinha e era uma que havia composto para minha mãe. Toquei, ele adorou e, de repente, tinha uma música em um disco. Essa foi minha primeira vez, saindo de bater em portas para algo muito maior. O próximo passo foi quando Felix Cavaliere do The Rascals foi gravar lá. Entrei em pânico, porque ele era meu herói quando eu era adolescente. Enfim, toquei em um álbum que ele estava produzindo para Fred Lipsius, saxofonista da formação original do Blood, Sweat and Tears. Felix e eu ficamos amigos. Ele disse que queria formar uma banda e perguntou se eu estaria interessado. Eu não conseguia acreditar. Não pelo dinheiro, porque nem estava entrando grana, mas por ver meus sonhos se realizarem. Essa foi a gênese de como tudo começou. Felix estava trabalhando com um baterista chamado Jack Scarangella e o núcleo da banda era basicamente nós três. Cavaliere tinha um contrato com a Epic e eles nos pediram para gravar um álbum. Foi minha primeira vez no olho do furacão, vendo minha arte se desenvolver. Tínhamos uma grande conexão e química naquela banda. Só durou um disco (“Treasure” de 77), mas são as memórias mais alegres que tenho no geral, porque pude tocar com um dos meus heróis. Tivemos a banda até 78, quando ele [Felix] foi produzir um álbum de Laura Nyro. Ela era tudo para mim a minha vida inteira. Ele me disse que ela vinha até a casa dele e se eu gostaria de ir até lá. Eu aceitei, mas fiquei ali no canto, só olhando. Era muito grande para mim. Mas Felix tinha uma personalidade maravilhosa e convidava todos para irem até a sua casa para tocar. Tocávamos na sala de estar e tal. Nesse dia, tocamos músicas dela e dele. Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo. Até hoje, Felix é muito próximo de mim e de minha família, minha mãe e minhas irmãs. É incrível como as coisas aconteceram.

Pelo que está dizendo, me parece que estava feliz nessa época. Já estava realizado, era o bastante, ou achava que aquilo era um trampolim para aperfeiçoar sua arte e partir para uma banda sua?
Vincent: Eu estava faminto. Queria conquistar coisas e ainda procurava me encontrar. Mas eu sabia o que queria. Não que já tivesse uma consciência sobre o que buscava, mas queria ser bom. Tudo que me importava era como eu tocava. Queria atingir um nível em que pudesse dizer: cheguei aqui. Estava sempre compondo porque não adianta só tocar. Só tocando você vai só participar de bandas dos outros e eu procurava fazer o que Jimmy Page havia feito no Led Zeppelin. Ser músico e compositor. Tinha a esperança de atingir algo assim. Esses momentos que citei foram especiais, tiveram seu significado, mas o que eu procurava era aquele momento Vinnie Vincent Invasion. Mas eu ainda não estava pronto. Continuava aperfeiçoando minha arte, e a chance acabou aparecendo. Eu estava trabalhando nessa direção.

Vinnie Vincent | Foto: reprodução

Eu havia desistido. Em 1980, eu não parava de tentar e fazer audições pelo país inteiro, sem grana. Ia de trem, de ônibus, o que desse e nada acontecia” – Vinnie Vincent

Ouvindo as músicas que compôs, seja “Tears” no álbum do Treasure ou “I Love It Loud” do Kiss, como você aprendeu a arte? Foi por tentativa e erro, muita experimentação, ou é um dom natural? Tem um compositor como ídolo? Durante todos esses anos, fala-se todo tipo de coisa sobre Vinnie Vincent, mas o que sempre se diz é: ele sabe compor.
Vincent: Uau, isso é uma honra.

Mas é verdade… Não sei se é humilde, mas sabe que consegue compor uma música boa (risos).
Vincent: Às vezes. Espero que sim (muitos risos). Isso tudo começou nos anos 50. Lembro-me que tinha um ouvido muito bom. Peguei uma guitarra pela primeira vez quando tinha 10 anos. Aprendi alguns acordes e qualquer conhecimento que tinha aprendido, eu conseguia ouvir uma vez e já tocar. Mas começou mesmo em 56. Meu pai tinha uma guitarra steel da Fender, que ele tocava em sua banda de country. Logo, havia músicos em casa duas vezes por semana para ensaiar. Eles tocavam e minha mãe cantava. Eu só assistia e ouvia. Ali eu fui fisgado. Mas sempre fui atraído por música. Era um garoto do rádio. Era só rádio, rádio, rádio… Os anos passaram e era sempre o rádio. Sabia todas as músicas que tocavam. Adorava canções. Então, tinha essa estranha combinação de amar a guitarra, mas também músicas. Ficava fascinado em saber como alguém compunha aquilo. E era de tudo. Doris Day, aqueles belos arranjos de cordas. As paradas de sucesso tinham músicas lindas. As letras e Johnny Mercer, Frank Sinatra… Tinha todo tipo de música tocando em casa. E era o tempo inteiro, até que, de repente, os Beatles apareceram e o mundo mudou. Aí comecei a comprar os álbuns deles a partir de 64 e toda nossa vida mudou. As pessoas que viveram essa fase tiveram sua vida inteira completamente alterada. Se você falar com qualquer músico, qualquer artista, eles sabem exatamente como a vida deles mudou. E foi isso. Meu cabelo ficou maior, meu pai ficou mais bravo e aí eu sabia o que queria fazer. Nada iria mudar isso. E veio toda uma imagem junto. Não era mais o fato de que eu adorava a guitarra, mas não sabia direito o que fazer com ela. Dava para saber como era o visual. Foi assim que começou. Sempre adorei músicas e também as letras. Achava as letras muito importantes. Você pode dizer coisas de uma forma interessante, usando a língua de todas as formas possíveis. Acho que as partes vêm de todos os lados e você pega um aqui e outro ali, de letristas que você gosta. Eu adorava as letras de Bernie Taupin (N.T.: letrista de Elton John), Lennon/McCartney têm letras tão simples e ao mesmo tempo tão profundas. Música country e sua forma de contar histórias. Tudo isso me influencia. Logo, acho que é uma combinação das coisas que adoro e estão dentro de mim. Durante esses anos consegui aglutinar tudo isso.

Vamos para março de 1982, quando você se juntou ao Kiss, mas não foi anunciado. A imagem para o público é de que tudo andava bem no mundo da banda e que Ace (Frehley, guitarra) e Eric (Carr, bateria) ficariam até o fim dos tempos. A verdade apareceu seis ou sete meses depois. Como você entrou na banda? Era contratado apenas para ser compositor e acabou dando certo? Como foi ter que fazer isso às escondidas e saber que a capa do álbum (“Creatures of The Night”) teria Ace e não você?
Vincent: Foi absolutamente surreal. Eu havia desistido. Em 1980, eu não parava de tentar e fazer audições pelo país inteiro, sem grana. Ia de trem, de ônibus, o que desse e nada acontecia. Depois de um tempo assim, me vi pronto para jogar a toalha. Não ia acontecer. Tinha feito de tudo, não havia mais o que fazer. Estava morando em Los Angeles na época, havia me fixado por lá. Aí fiz uma demo com algumas músicas, entre elas uma chamada “Back On The Streets”…

Essa é uma música que o Kiss nunca lançou e é um grande erro. Acho que se ela estivesse entrado em “Creatures of the Night” ou “Lick It Up”, teria sido um fenômeno, porque é perfeita. Mas voltando à sua história…
Vincent: Então, eu estava escrevendo com um compositor muito talentoso em Los Angeles, e fizemos uma música chamada “Tears” juntos. Ele ouviu minha demo, disse que estava trabalhando com Gene Simmons do Kiss, conhecia o produtor do álbum deles e que ele deveria ouvi-la. Achei que isso era muito para mim e nem quis me permitir cogitar a possibilidade.

Esse compositor de quem está falando era Adam Mitchell.
Vincent: Sim, era ele. Lembro que Adam ligou para Michael James Jackson (N.T.: produtor de “Creatures of the Night”) e ele ligou para mim. Minha lembrança é que nessa ligação ele disse que ia ouvir minha demo e que se tivesse algo que fosse interessante para a banda, ele me ligaria. Respondi que esperava que a gente se encontrasse, mas agradeci só por ter falado com ele. Uma semana depois, ele me ligou e disse ter adorado a música (“Back On The Streets”), que ela seria perfeita para o Kiss e queria que eu tocasse na gravação. Achei que era brincadeira. Lembro de como fiquei empolgado, consigo ter a mesma sensação agora. Fui ao estúdio e ele mandou que eu montasse o equipamento do modo que quisesse. Falei que tocaria a guitarra, o baixo, pedi a bateria no tempo que eu queria e disse que faria uma demo rústica com vocal, para ele adicionar o que quisesse. Isso foi no Record Plant e eu fiz isso absolutamente sozinho, com um engenheiro de som. Lembro de sair e de Michael me dizer que conversaríamos em alguns dias. Uma semana depois ele me ligou dizendo que a banda amou a música e perguntou se eu poderia voltar ao estúdio para gravá-la com eles. Nos conhecemos e estava absolutamente embasbacado, parecia um bobo. Gravamos a música e eu ainda achava que aquilo era surreal, não estava acontecendo. E naquele álbum eles estavam com aquele som de bateria fenomenal. Eu nunca tinha ouvido algo igual aquilo na vida.

Kiss: últimos shows de Vinnie Vincent, Paul Stanley, Eric Carr e Gene Simmons com a famosa maquiagem ocorreram no Brasil | Imagem: reprodução

Estava na banheira quando recebi um telefonema de Gene dizendo que a banda havia decidido que me queria como guitarrista e se eu estava interessado. Dei um grito” – Vinnie Vincent

E não ouvimos nada semelhante desde então…
Vincent: Sim, é a mais pura verdade. E o vocal de Paul ficou tão lindo e emocionante nela. Achei que aquela era a versão. Não dava para ficar melhor. Era como eu queria que ficasse. Foi daí em diante que as sessões de composição para o álbum começaram. Eles perguntaram se eu tinha mais músicas, e eu tinha várias. Aí combinamos de me juntar a Gene e Paul para ver o que ia sair. E foi uma erupção de criatividade e músicas. As gravações estavam ficando ótimas. Agora, no meio de todo esse processo, eles ainda faziam audições para guitarristas. Foi doloroso para mim, porque eu queria muito esse trabalho. Minha vida inteira, eu nunca quis nada igual. Eu queria estar com eles, porque formamos laços uns com os outros. Mas todo momento entravam guitarristas para o teste, caras altos, bonitos, tudo que eles procuravam. Eu não tinha a menor chance. Mas uma coisa foi levando a outra. Eles me chamaram para tocar no álbum, para fazer alguns solos. Aí as coisas começaram a se solidificar, e comecei a fazer mais solos. Eu tocava, compunha e nós tínhamos um bom relacionamento. Foi quando chegou o momento que o álbum foi finalizado, “I Love It Loud” era o single e eu ainda não estava na banda. Porém, aos poucos foi acontecendo. Me chamaram para ensaiar para ver como ficava e eles diziam que eu era certo para banda, mas ao mesmo tempo não era, porque não era tão alto quanto eles queriam. Eu disse que andaria de salto alto, faria qualquer coisa. Afirmei que era perfeito para a banda. Eles ficavam sempre no sim, não, sim, não, talvez, sim, vamos tentar, não… Foram tantos sim, não, talvez, que chegou uma hora que disse que não queria atrapalhar nada que eles quisessem fazer. Qualquer decisão que tomassem, eu desejava o melhor para eles. Assim, me mandaram para casa, mas depois ligaram. Deram-me uma passagem e pediram que fosse até um estúdio em Nova York para gravar o solo de “Keep Me Comin'”. Fiquei muito feliz, porque achei que tinham me mandado embora para sempre. Enquanto estava lá, eles quiseram marcar alguns ensaios, porque tinham ficado muito felizes com o solo da música. Os ensaios correram muito bem, mas me mandaram para casa de novo e não me davam uma resposta definitiva. Voltei para Los Angeles, para a pequena casa de um andar, onde vivia com a minha mulher. Não tínhamos móveis, nossa TV era preto e branco. Lembro que estava relaxando na minha banheira quando recebi um telefonema de Gene dizendo que a banda havia decidido que me queria como guitarrista e se eu estava interessado. Dei um grito. Ele disse que era para eu pegar um avião de volta, porque havia muito trabalho a fazer. Voltei, mas aí voltamos para Los Angeles para gravar o clipe de “I Love It Loud” com Ace, que ainda estava sob contrato. Eu assisti a todas aquelas filmagens. Era surreal. É uma das memórias mais claras que tenho na vida sobre qualquer coisa.

Então você estava na gravação do clipe de “I Love It Loud”?
Vincent: Sim, eu olhava e pensava: “Meu Deus, estou nessa banda?” Não pode ser verdade.

Em outubro, saiu o álbum com o rosto de Ace Frehley na capa. Como foi isso? Você encarou como parte do negócio por causa das questões contratuais, ou ficou meio chateado por ter sido você quem tocou nele?
Vincent: Não, não, não, jamais fiquei chateado. Sentia-me abençoado pela minha situação. Podiam ter escolhido qualquer um. Estava tão grato por ter aquela chance. Eu era absolutamente inexperiente e aprendia com os mestres como atuar. Não sei, é um daqueles momentos da vida em que você se sente em um foguete. Você nem sente a decolagem, mas, quando olha para trás, está indo em uma velocidade tão alta que só vê a Terra diminuindo de tamanho. A perspectiva estava mudando realmente rápido. Ace estava na capa? É assim que funciona. Sem problemas. Agora vamos em frente…

Considerando sua inexperiência na época, você foi tratado de forma justa? Pergunto por que tenho na minha frente um de seus processos em que alega que você nunca teve um contrato por escrito. Foi isso mesmo?
Vincent: Isso era parte de um todo. O que estava acontecendo era tudo que sempre quis, só que a parte dos negócios estava totalmente errada. Mas eu entendo. Olha, eu não era ninguém, não era nada. Só aconteceu de ter a oportunidade de 10, 20 vidas. E eles eram celebridades mundiais, olhe o que tinham alcançado. Logo, por que eles deveriam me pagar mais do que alguns dólares por semana? Mas havia outro lado. Lembro que ganhava 500 dólares por semana e isso nunca mudava.

O que é estranho…
Vincent: Os contratos diziam que eu devia assinar e me comprometer por muitos e muitos anos, sem muita recompensa. Foi aí que veio o desgosto. Estava jantando com meus pais em Nova York e disse que sabia que iam ficar desapontados, mas achava que não ia ficar na banda. Meu pai me tranquilizou e me mandou fazer o que eu achava certo e que estariam comigo independentemente de qualquer coisa. E era aí que estava a dor. Tentamos acertar as coisas, deixar um pouco melhor, mas não conseguíamos chegar a um acordo em que havia alguma vantagem para mim. E foi isso. Não gosto desse assunto porque aconteceu muita coisa maravilhosa, mas sem compensação material nenhuma. Algo realmente concreto, especialmente porque ajudava nas composições e queria muito isso, mas de forma alguma iria assinar um contrato que tiraria dez anos da minha vida e não me daria muita coisa em troca.

Cartaz da turnê do Kiss e seu imponente tanque de guerra | Imagem: reprodução

Ficamos lá [Brasil] por duas semanas em junho de 83 e estávamos compondo para o “Lick It Up” nesse paraíso tropical. O álbum tinha que ser lançado em setembro” – Vinnie Vincent

Vamos nos afastar disso porque não quero falar sobre coisas negativas. Voltando ao positivo, falemos sobre o álbum “Lick It Up”. Você fez a turnê de “Creatures”, que não teve a repercussão que se esperava, e decidiu-se tirar a maquiagem e chocar o público aparecendo na MTV. Como foi esse álbum? Estou olhando para ele agora e você tem crédito como compositor em oito das dez músicas, o que é incrível! Há mais músicas atribuídas a você do que a Gene e Paul separadamente. Fale sobre o processo e o fato de que eles disseram confiar em você para compor essas músicas e isso realmente valeu a pena, já que é um grande álbum. Os fãs gostaram, vendeu bem e foi mesmo o verdadeiro renascimento do Kiss, não foi?
Vincent: Acho que sim. Não posso falar por mais ninguém, mas sei que começamos a compor logo após chegarmos ao Brasil. Foram três shows lá, no Rio, São Paulo e Belo Horizonte. Lembro que ficamos espantados por onde tínhamos chegado. Tinha entrado na banda em setembro do ano anterior e em junho tocávamos para 200 mil pessoas. Estávamos muito motivados, com fome, ferozes, destemidos… Foi muito forte. Naquele momento no palco, nos sentimos invencíveis. Eu senti isso. Ficamos lá por duas semanas em junho de 83 e estávamos compondo para o “Lick It Up” nesse paraíso tropical. O álbum tinha que ser lançado em setembro e não havia nada pronto. Então, tínhamos que compor enquanto estávamos por lá, não havia outra saída. Fomos muito disciplinados e eu tinha várias músicas e muitas ideias. Estava com tudo e queria muito aquilo. Queria provar para eles, deixá-los orgulhosos de mim e me tornar tanto parte daquilo que continuaríamos juntos para sempre. Era assim que me sentia e estava inspirado. Foi um daqueles momentos que a inspiração veio porque estávamos ali e íamos fazer outro álbum, algo que me motivou muito. Naquele momento, não havia menção de se tirar a maquiagem. Ouvi algo sobre ser o último show com a maquiagem, mas foi meio vago sobre o que iríamos fazer. A única coisa que sabia era que tínhamos que compor, estar com as músicas para entrar em estúdio assim que voltássemos para Nova York. Esse tipo de demanda de ter que estar com uma música pronta no dia seguinte, é bem desafiador. Eu me reunia com Paul ou Gene em seus quartos e de repente o nível de criatividade simplesmente aumentava. Era como se ele [o nível de criatividade] pegasse um elevador para cima. Não era que eu estivesse compondo com alguém que não respeitasse. Eu tinha um respeito absurdo por eles, os reverenciava. Compuseram algumas das melhores músicas da história do rock. Por isso queria que fosse algo de que se orgulhassem. E aí saiu uma música atrás da outra. Uma vez que voltamos a Nova York, elas só melhoraram cada vez mais. Compusemos durante o verão inteiro. Voltamos no fim de junho e estávamos juntos todos os dias, de dez a doze horas. E me empolgava cada vez mais com as músicas. Lembro que levei uma ideia para Paul de uma música chamada “Lick It Up” e só pedi para ele pensar no caso, imaginar toda a parte visual. Ele falou que não. Eu alternava com quem compunha. Alguns dias com Paul, alguns dias com Gene. Mostrei a mesma música para Gene (N.T.: Vinnie canta os primeiros versos de “Lick It Up”) e ele me perguntou se havia mostrado para Paul. Disse que havia e ele não havia gostado. Gene mandou mostrar para o Paul de novo. Aí mostrei para ele novamente e ele aceitou. Trabalhamos nela, ele acertou as partes dele e a música nasceu. Fiquei muito empolgado. Juntos, acho mesmo que éramos invencíveis. Foi mesmo muito especial. Gravava todas as sessões de composição, porque sempre levava meu gravador comigo, para não perder esses momentos, pois eram únicos. Eu tenho a fita de mim e Gene compondo “I Love It Loud” na casa de Diana Ross! Aí veio a decisão de tirar a maquiagem e aparecer na MTV para promover o clipe de “Lick It Up”. Foi demais filmar aquele clipe. Foram um ou dois dias numa parte destruída do [bairro nova-iorquino] Bronx. O momento que aparecemos sem as máscaras na TV foi surreal.

Foi muito surreal. Eu lembro que não vi a aparição na MTV, mas estava em um shopping. Passei por uma loja de discos e na hora que vi a capa do álbum com o Kiss sem maquiagem, não sabia o que era. Não sabia se era de verdade, falso ou alguma gravação pirata. Comprei na hora e foi assim que fiquei sabendo da retirada da maquiagem. Não havia internet…
Vincent: Essa capa teve várias versões antes da simplicidade da definitiva. Tentamos várias coisas, com vários cenários e, de repente, houve aquele momento naquela sessão de fotos. Tenho os outtakes daquela sessão comigo sentado, de lado, mas sempre com a mesma roupa. Então, tinha aquela com todos em pé e Gene com a língua para fora, para lembrar a todos de que era a mesma banda. Foi muito divertido, mas a turnê foi ainda mais. Foi enorme, o álbum decolou e havia a MTV agora. Uma época muito legal.

Sempre tive uma curiosidade: quem faz o solo de “Exciter” é Rick Derringer. Por quê? Algo sobre a guitarra que você não conseguia capturar? Você não estava disponível?
Vincent: Não, não, não. Eu adoro a maneira de Rick tocar. Amo os álbuns dele com Edgar Winter. Lembro que havia feito um solo para essa música, que achei que estava perfeito, mas disseram que não era o que eles queriam. Tentei vários outros tipos de solo, mas nada que fazia os convencia. Aí resolveram chamar outro guitarrista. Meu coração se partiu, fiquei muito chateado, inconsolável, mas tinha que ser profissional.

Você tem uma versão dessa música com todas as guitarras tocadas por você? Isso teria que estar em algum relançamento de luxo do álbum!
Vincent: Tenho. Achava que era perfeito para a música, mas pelo jeito eles não acharam. O que eu podia fazer?

Sim, não havia o que fazer, mas você está em boa companhia. Eles substituíram Ace Frehley em “Sweet Pain” (“Destroyer”, 1976), e para o solo de “Everytime I Look At You”, de Revenge (1992), trouxeram Dick Wagner. Ou seja, encare isso como um elogio!
Vincent: Olha, acho que quem quer que controle a banda tem o direito de fazer o que quiser. De qualquer forma, tinha muita sorte de estar ali. Eles tinham que fazer o que era correto e, no final das contas, acabou tudo bem comigo. Mas odiei minha performance naquele álbum e fiquei muito chateado de não conseguir capturar o que eu queria.

Por que você não gostou da sua performance? A música “Lick It Up” é um clássico, “A Million To One” é a melhor música da história do Kiss, e morro de amores por essa faixa…
Vincent: Ah, eu adoro essa. Lembro de estar no porão da casa dos meus pais quando a compus. Eu ainda morava na casa em que havia sido criado em Bridgeport e era o verão de 83. Eu tinha a música completa e achava legal, aí decidi levar para a banda. Tenho uma memória muito boa dela, é uma das minhas favoritas.

Mas por que não gostou da sua performance?
Vincent: Olha, eu não ouço esse disco, então não me recordo direito. Não sei como soaria para mim hoje em dia, mas lembro de quando ouvi há muito tempo atrás eu não gostei.

Então faça um favor a si mesmo e vá ouvi-lo de novo!
Vincent: Você conhece os álbuns melhor que eu. Eu sei sobre a parte periférica. Eu nunca cheguei ao ponto de colocar a agulha no vinil. Só sei até chegar ao estúdio e gravar. Nunca gosto de ouvir depois que o álbum está pronto. Ouço uma ou duas vezes e não escuto novamente até anos mais tarde. Só aí consigo ouvir algo que fiz antes.

Vinnie Vincent | Foto: reprodução

Tenho 20 anos de músicas “empilhadas” que estão falando para mim que é melhor gravá-las ou ficarão bravas comigo. Músicas que as pessoas jamais ouviram” – Vinnie Vincent

Muitos músicos têm essa postura. Vamos falar rapidamente sobre “Revenge”. Você saiu, formou o Vinnie Vincent Invasion e, para a mídia, Gene e Paul nunca falaram as coisas mais agradáveis sobre você, mas, de repente, você compõe “Unholy”. Ninguém entendeu direito. E também teve “I Just Wanna”…
Vincent: Deixe-me interrompê-lo um pouco. As coisas ruins que foram ditas, chatearam os dois lados. Pense no que alcançamos com “Lick It Up” e “Creatures of the Night”. Tínhamos a mágica. Eu tinha os problemas sobre os quais falamos, mas não é possível sair da banda depois do que fizemos. Se eles tivessem me tratado direito, eu não sairia. Não queria ir a lugar algum. Foi aí que machucou e é a gênese do por que tudo foi dito. Estava funcionando. Enfim, em 1989 eu entrei nos estúdios da A&M em LA e encontrei Gene lá. Nos cumprimentamos, perguntamos sobre a vida um do outro e ele me disse que estava saindo para comer alguma coisa e se queria ir junto. Cinco anos haviam se passado desde que tudo acontecera e nós saímos para jantar: eu, Gene, Paul e mais alguém que não me recordo. Foi como antigamente, ou quase, e alguém sugeriu que nós nos reuníssemos, deve ter sido eu. Eles disseram que estavam trabalhando em um novo álbum e sugeriram que nos juntássemos para compor. Soava como uma ótima ideia e a química aconteceu de novo. Música atrás de música. Compusemos muitas para aquele álbum. O engraçado é que muitos anos depois, há alguns meses atrás, Gene me ligou e disse que iria colocar a música “I Wanna Live” que havíamos composto para “Revenge” no Gene Simmon’s Vault. Eu disse que essa era minha música predileta em todos os tempos em parceria com ele. Fomos bem prolíficos naquele álbum. Bob Ezrin era o produtor e ficamos juntos dia e noite por um ano inteiro. Lembro de como “Unholy” foi concebida. Gene disse que tinha uma música chamada “Unholy Love” e eu respondi que esse título não era bom, só “Unholy” seria melhor. Recordo-me de como estava a letra e eu discordei. Disse que seria melhor explorar todas as coisas más que a humanidade havia feito durante os anos. Há pastas e pastas de letras que foram escritas para essa música. Mas essa era a direção. Nós fomos retocando, retocando e retocando, até que chegou a hora de gravar. Fui em todas as sessões de gravação assistir a tudo se materializar. Lembro que fiz backing vocals em todas as músicas. Sabia que seria um grande álbum, tínhamos encontrado ouro novamente, a mágica não acaba. Toda vez que estamos juntos, a mágica sempre acontece.

Você fala sobre essa mágica e, olhando o histórico, tenho que concordar, pois “Creatures of the Night”, “Lick It Up” e “Revenge” são ótimos. Se Gene e Paul ligarem e propuserem novamente para comporem juntos, você iria ou ficaria meio reticente devido a tudo que falamos?
Vincent: Acho que passamos por um inferno… Quer dizer, eu passei. Eles têm mais dinheiro que o Fort Knox (N.T.: o Fort Knox guarda uma grande parte das reservas de ouro dos EUA. O local que Goldfinger queria roubar em “007 Contra Goldfinger”) então não precisaram sofrer. Mas há algo que transcende isso. As duas coisas [a mágica e os problemas] poderiam se atrapalhar e aí não, não conseguiria trabalhar com eles de novo. Porém, há algo nessa mágica que é impermeável ao lado da dor.

O artista em você diria sim…
Vincent: Com certeza! Sem dúvida. Estaria lá.

Ainda sobre “Revenge” e “Unholy”, há anos existe um debate na comunidade do Kiss sobre você ter tocado ou não. Você teria feito os ruídos no início de “Unholy”. Fez, não fez, fez, não fez. Há alguma parte de guitarra em “Revenge” que é sua?
Vincent: Acho que sim. Você tem que lembrar que ficamos juntos por um ano, um pouco mais. Muito desse tempo foi dentro de estúdios, houve muitos estúdios. Lembro de Gene me chamar para tocar. Acho que sim e vou deixar por isso mesmo.

Olhando para trás, como você enxerga Gene e Paul hoje em dia? Olha para eles com muito amor ou muito ódio? Espero que não seja o segundo…
Vincent: Não, não não. Eu os adoro. Ambos. E sempre vou adorar. Paul é um exímio performer e showman, um ótimo vocalista. Tenho orgulho pelo que fizemos. Eu entrei em um sonho e ele me ensinou tudo o que sei. Como me portar no palco, como ser profissional. Nenhum agradecimento que eu possa dar será o suficiente. Não há nada mesmo além de amor. Nos divertimos muito quando trabalhamos juntos, ríamos constantemente. E Gene? Gene Simmons é Gene Simmons. O que se pode dizer? Posso dizer várias coisas, todas boas. É uma pessoa gentil, há muita beleza dentro dele. A única decepção foi quer achei que iam valorizar mais o que tínhamos e fazer funcionar. Acho que poderiam, se quisessem, mas talvez algumas pessoas não sejam assim. Talvez não pudessem, mesmo que quisessem. Eu lhes dou o benefício da dúvida. A vida é assim. Você faz o melhor que pode e tenta fazer funcionar. Não tenho nada a não ser elogios e gratidão por terem me dado essa chance na minha vida. Eu me tornei Vinnie Vincent por causa deles. Então, tudo deu certo. Fizemos grandes shows, ótimos álbuns e tours. Coisas para as pessoas se lembrarem.

Há músicas novas de Vinnie Vincent vindo por aí?
Vincent: Sim, sim, sim! Gravar um novo álbum implica custos e logística e eu tenho 20 anos de músicas “empilhadas” que estão falando para mim que é melhor gravá-las ou ficarão bravas comigo (risos). Tenho músicas nos meus arquivos que as pessoas jamais ouviram. Tenho todos os ‘outtakes’ e as sessões de composição dos anos com o Kiss. E músicas novas também. Só estamos tentando juntar as melhores e dinheiro para gravar um novo álbum.

Para finalizar, acho que para a pergunta que não quer calar: Vinnie Vincent salvou o Kiss? A resposta é um inequívoco SIM!
Vincent: (muitos risos) Sim, pode apostar que sim! Bem, essa é a resposta que tem sido dada e vou deixar assim!

Kiss em "Lick It Up" | Foto: divulgação
Kiss em "Lick It Up" | Foto: divulgação

Transcrito e traduzido por Carlo Antico.

Rock Talk with Mitch Lafon
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