Geoff Downes fala sobre a criatividade da lenda inglesa do rock progressivo e ainda conta detalhes sobre Asia e The Buggles
Uma das perguntas mais legais de se fazer para alguém quando quer se saber a extensão do conhecimento musical da pessoa é: “Qual o primeiro clipe que passou na história da MTV, no mundo inteiro?” A resposta é: “Video Killed the Radio Star”, do The Buggles. O tecladista dessa banda era Geoff Downes, que integra o Yes desde 2011, banda da qual já havia feito parte no álbum “Drama” (1980). Downes também pode se orgulhar de ser um dos integrantes do Asia, além de ter outro projeto ao lado músico e produtor inglês Chris Braide. Foi para falar sobre tudo isso que batemos um papo com ele!
Vamos começar falando sobre o “Yestival”, a nova turnê do Yes. Além de vocês, temos Todd Rundgren e Carl Palmer’s Legacy. O que faz essa turnê ser única?
Geoff Downes: Acho que há uns três anos ou um pouco mais, fizemos um “Yestival”, quase como um teste em New Jersey. Tinha Steve Hackett (ex-guitarrista do Genesis), a Annie Haslam do Renaissance e o Carl Palmer’s Legacy. Depois disso, ficamos presos fazendo nossa série de shows tocando álbuns completos. Então, já tínhamos essa ideia, mas ainda não a oportunidade de colocá-la em prática como uma turnê. E é uma coisa que atrai bastante interesse porque é uma celebração da música de várias pessoas e não apenas do Yes. É uma grande oportunidade de apresentar um circo musical, vamos dizer assim.
E nessa turnê vocês têm a presença de Dylan Howe (N.T.: filho do guitarrista do Yes, Steve Howe) na bateria, junto com Alan White. Como será ter dois bateristas tocando?
Downes: Acho que será bem interessante porque Dylan é um baterista bem diferente de Alan. Alan teve problemas nas costas nesses últimos anos (N.T.: em julho de 2016 Alan White passou por cirurgia de hérnia de disco), mas está bem melhor agora e tocará a maior parte do show. Dylan é bem interessante porque tem um estilo próprio e como toca com o pai em um trio, eles têm muito entrosamento. Acho que soma toda uma dimensão diferente à música do Yes.
Acredito que a essência do Yes sempre foi fazer músicas novas e acho que é imperativo para alguns integrantes da banda ter isso como objetivo” – Geoff Downes
Devido aos problemas recentes de Alan, ele precisará tirar uns dias de folga e vocês farão apresentações apenas com Dylan, ou de jeito nenhum?
Downes: Não, não. Trabalhamos apenas com a possibilidade dos dois juntos. A saúde de Alan melhorou muito e ele está quase 100%. Para um baterista é essencial, já que é um instrumento que exige muito do físico, não é como ficar sentado e tocar um teclado. Mas ele teve uma recuperação excepcional e também é uma chance de dar-lhe a oportunidade de uma direção musical um pouco diferente.
Vocês estão focando nos dez primeiros álbuns. O último que lançaram foi “Heaven & Earth”, em 2014. Fazer músicas e álbuns novos é algo que ainda interessa ou chegaram a um ponto que basta fazer a turnê tocando os hits?
Downes: Acredito que a essência do Yes sempre foi fazer músicas novas e acho que é imperativo para alguns integrantes da banda ter isso como objetivo. Não estou dizendo que será esse ano ou no ano seguinte, mas, no fim das contas, é o que o mantém criativo. É legal sair em turnê e regurgitar os velhos clássicos, é divertido e as pessoas gostam. Mas os fãs verdadeiros também apreciam o fato de que a banda continua se desafiando a conseguir ter ideias novas e mostrar que não estamos apenas deitados nos louros da vitória. A criatividade continua fluindo em nós e eu ainda gosto de estar em um estúdio após todos esses anos. Logo, não é o caso de só sair e tocar os velhos hits. Um dos fatores que fez o Yes sobreviver por quase 50 anos é essa constante evolução e reinvenção dos aspectos únicos da música. Acho que é isso que ajuda a manter a longevidade da banda.
Em 2010, você fez uma apresentação única com o The Buggles em Londres, tocando álbum “Age of Plastic” inteiro em um pocket show. É algo que gostaria de repetir em algum momento?
Downes: Sim, eu converso com Trevor (Horn, guitarrista, vocalista e a outra metade da dupla que formava o The Buggles) com frequência e falamos sobre esse assunto. Fizemos alguns shows como aquele nesses últimos anos, uma apresentação focando no Buggles. Temos conversado muito sobre isso ultimamente, e acho que gostaríamos de fazer isso uma vez como um show de verdade. Porém, pelo fato de ele estar sempre envolvido com produções e eu na estrada, não tivemos a oportunidade adequada. Mas, se ela parecer acho que ambos vamos agarrá-la.
Têm total direito de fazer, já que há três integrantes da banda em vários momentos na formação, mas ficamos surpresos pela adição do ‘Yes featuring’ ao nome” – Geoff Downes
Espero que sim, porque a voz de Trevor é maravilhosa. Na cerimônia de entrada no Rock and Roll Hall of Fame, vocês tiveram a presença de Geddy Lee (baixo e vocal) do Rush para tocar com vocês. Por que ele foi o escolhido e como foi tocar com ele?
Downes: Quando o Rush entrou no “Rock and Roll Hall of Fame”, dois ou três anos atrás (N.T.: o Rush entrou em 2013), Geddy disse em seu discurso que era o Yes e não Rush que deveria entrar. Acho que foi Chris Squire quem comentou que quando Yes fosse entrar, deveríamos chamar Geddy para fazer a introdução. Infelizmente, Chris morreu dois anos atrás e não teve a chance de presenciar isso em vida, mas com certeza Geddy foi uma escolha muito boa. Eu não toquei com a banda naquele dia, porque tudo girou em torno da formação clássica com Anderson (Jon, vocal), Wakeman (Rick, teclado), Rabin (Trevor, guitarra) Howe e Alan, porque o máximo de pessoas permitidas da história do Yes são oito (N.T.: ainda entraram o tecladista Tony Kaye e o baterista Bill Bruford) e Chis entrou como homenagem póstuma. Então, fora Steve e Alan, nenhum dos integrantes do atual Yes participou. Mas foi uma noite e tanto, acho que a banda tocou muito bem e foi interessante ver Geddy lá tocando as músicas. No geral, foi um sucesso e o Yes tem todos os méritos para estar lá.
Podemos falar sobre a outra banda que está em turnê como Yes? Porque houve o Rock and Roll Hall of Fame, todos estavam lá, tudo parecia indo bem e daí, após alguns dias, de repente temos dois Yes. (N.T.: Jon Anderson, Rick Wakeman e Trevor Rabin, mais o baixista Lee Pomeroy e o baterista Louis Molino III estão em turnê com o nome Yes featuring Jon Anderson, Trevor Rabin, Rick Wakeman).
Downes: Ficamos surpresos com isso, porque eles já estavam em turnê tocando músicas do Yes, o que têm total direito de fazer, já que há três integrantes da banda em vários momentos na formação, mas ficamos surpresos pela adição do “Yes featuring” ao nome. Mais do que qualquer coisa, foi surpreendente.
É estranho ter duas bandas com o mesmo nome! O primeiro álbum de Asia em 1982 foi um sucesso enorme. O que pode falar sobre quando ele foi lançado e o que estavam tentando fazer, porque parece hoje parece ter vida própria.
Downes: Acho que muito do sucesso daquele álbum se deve aos integrantes terem feito juntos. Com certeza a voz de John Wetton (baixo e vocal) foi muito essencial para aquele disco. E as músicas que eu ele criamos ali, solidificaram um relacionamento de composição de longo prazo. Some-se a isso os músicos que foram membros das grandes bandas do progressivo britânico dos anos 70 como o próprio John (N.T.: John Wetton foi integrante de várias bandas, mas dentro da esfera do Rock Progressivo, tocou no King Crimson e no UK), Steve e Carl (Palmer), comigo que tinha um histórico mais Pop. Você mistura tudo isso em um caldeirão e obtém as canções, a musicalidade e todo nosso pedigree na equação e isso foi parte do sucesso. Tínhamos também um nome único, a arte era ótima, a produção do primeiro álbum era fantástica. Tudo se encaixou, os planetas se alinharam naquele disco e tivemos sorte que foi muito bom para nós.
Eu ainda acho que seria ótimo tocar a música do Asia e continuar o legado de John com os trabalhos maravilhosos que ele compôs e eu colaborei” – Geoff Downes
John Wetton faleceu no início desse ano. A música do Asia é algo que você ainda quer levar às pessoas ou com a morte dele vocês encerraram esse capítulo?
Downes: Ainda não decidimos. É claro que agora se resume a Carl e a mim. Nós acabamos de fazer uma turnê com o Journey, com a qual havíamos nos comprometido no ano passado, antes de John morrer e fomos em frente. Foi bem pungente porque fizemos toda uma parte do show dedicada a ele no meio do set para grandes públicos, na casa das 10 mil pessoas por noite. Foi triste não ter John ali para ver aquilo, porque quando fizemos a reunião em 2006 construímos uma base sólida de seguidores que se interessaram novamente no Asia e isso teria sido o ápice dessa construção. Se vamos continuar ou não no futuro, não há nada previsto ou planejado, pode ser que não levemos adiante. Mas eu ainda acho que seria ótimo tocar a música do Asia e continuar o legado de John com os trabalhos maravilhosos que ele compôs e eu colaborei. Seria uma pena ter feito tudo isso e ninguém nunca mais ouvir o Asia de novo. Há duas correntes de pensamento e eu fico preso meio delas. Porque é muito difícil ouvir qualquer outra pessoa cantando aquelas músicas que John cantou tão maravilhosamente. Eu não vou tomar nenhuma decisão final sobre isso por enquanto. Vamos ver…
Você consideraria fazer algo como o Queen, que está tocando como Queen with Adam Lambert? E fazer Asia com alguém, como que para dizer que não estão substituindo John, só colocando alguém para cantar essas músicas.
Downes: Essa também é uma possibilidade e, como disse antes, só acho que é uma pena encerrar o capítulo devido ao volume de músicas, de grandes músicas que temos. Porque a música em si vai além da vida dos integrantes. O mesmo com a música clássica. Quando Mozart morreu, isso não impediu ninguém de tocar as músicas dele. É claro que não é nem de longe a mesma situação, mas gostaria de saber que quando morrer, minha música, minhas contribuições para o mundo da música ainda serão ouvidas e tocadas. Essa é a minha visão pessoal sobre isso.
E isso que é o ótimo sobre ser músico. Você tem esse tipo de imortalidade em música que não tem em outras carreiras. Você já fez coisas com o Wetton/Downes, Yes, Asia, The Buggles. Você pensa em algum outro projeto no momento, trabalha em um álbum solo ou alguma outra coisa?
Downes: Acabei de finalizar um álbum, que é o terceiro que faço com um produtor chamado Chris Braide. Ele trabalha com nomes muito famosos nos EUA como Christina Aguilera, Beyoncé…
Sia, Selena Gomez…
Downes: Sim, ele é de outro ambiente e é inglês, apesar de ter se americanizado nos últimos cinco ou seis anos. Eu trabalhei com ele originalmente em uma banda chamada The Producers com Trevor Horn. Eu o conheci bem ali e somos da mesma região do Reino Unido, lá no norte em Manchester. Ele é um grande fã do Buggles apesar de ser jovem, ter apenas 40 anos. O primeiro álbum que ele comprou na vida foi o “Age of Plastic”. Então ele gosta muito da música desse período. Começamos esse projeto há uns cinco ou seis anos que é praticamente um projeto de nostalgia do início dos anos 80. Fizemos dois álbuns, muitas pessoas gostaram e acabamos de finalizar o terceiro. Vai sair no final do ano. É outro projeto que acho bem interessante porque é quase uma extensão do Buggles, uma versão moderna dele.
Quando eu entrei, em 1980, foi um ponto de virada, porque levamos a banda numa direção mais oitentista, não apenas com relação às letras, mas também na música” – Geoff Downes
Eu ia perguntar sobre o novo álbum, porque o último foi o “Suburban Ghosts” (2015). Então, o novo sairá com certeza em 2017?
Downes: Sim, acho que em novembro.
A grande música da carreira do The Buggles foi “Video Killed The Radio Star”. E isso tinha um apelo no início dos anos 80, porque a MTV dominou aquela década e, de certa forma, atrapalhou o rádio. O que o mundo dos negócios da música precisa hoje? Todos falam de como isso está morrendo, não há mais dinheiro…
Downes: É uma indústria que muitos acreditam que não vai mais existir dentro de alguns anos, que será tudo engolido por entidades corporativas e tudo será um grande conglomerado de mídia. A música será apenas uma parte disso. Ainda acho que haverá rádio, acredito que as pessoas ainda gostam de ouvir. Mas falando sobre o Buggles, não era uma previsão sobre a música ser divulgada em outro tipo de mídia, mas sim uma reflexão geral de como a tecnologia muda a percepção de arte das pessoas. Você pode voltar até e era do cinema mudo. Quando se começou a falar no cinema, vários atores se tornaram obsoletos porque havia uma nova forma em que as pessoas podiam usar suas vozes. E também é uma observação sobre como quando se ouvia alguém no rádio, imaginava-se como essa pessoa seria e às vezes, quando se põe uma imagem àquela voz, isso não se traduz na tela. Foi esse o pensamento por trás da canção, não era uma profecia sobre o falecimento dos negócios da música.
Não, mas olhando hoje, acabou se tornando profético porque quando saiu em 1979, era só uma música, mas em 1989, todo mundo achou que vocês tinham razão!
Downes: E os Reality Shows mataram a MTV! Porque é isso que passa lá agora, e não música. É como se a MTV tivesse se matado.
O que o Yes e sua têm de especial que fazem com que se mantenham relevantes por todos esses anos?
Downes: Acho que é o Yes continuar evoluindo. Quando eu entrei, em 1980, foi um ponto de virada, porque levamos a banda numa direção mais oitentista, não apenas com relação às letras, mas também na música e o fato de estarmos usando muito sintetizadores, tecnologia e coisas modernas assim. Quando eu e Trevor (Horn, vocalista) entramos na banda, trouxemos isso para o universo do Yes e acho que isso foi interessante para eles. Toda vez que entraram integrantes novos, apesar de, na essência permanecer a música do Yes, ela chega à outra geração e está sempre evoluindo. Acho que é por isso que a música do Yes resiste por tanto tempo, por possuir essa característica de se adaptar ao ambiente em que é criada e isso interessa às pessoas e também aos integrantes da banda, você está sempre se renovando se continua tendo ideias novas.
Gostaria de complementar dizendo que muitas bandas mudam de integrantes e os fãs querem que eles voltem, mas, no caso do Yes, é uma daquelas bandas em que, como você disse, isso parece trazer uma nova dimensão e empurra o limite ainda mais à frente e isso é raro.
Downes: E quando os integrantes voltam, eles empurram mais pra frente ainda. E é assim que tem sido, essa porta giratória em termos de integrantes.
Mas em benefício da banda.
Downes: Sim, acho que todo mundo deixou sua marca, por isso que saíram tantas músicas ótimas. Não é o mesmo capítulo do livro repetidas vezes. Falamos sobre vários capítulos que fazem essa história muito interessante da música do Yes.
Transcrito e traduzido por Carlo Antico.